VI: os homens que desistiram de prover

Ricardo C. Thomé
O Conselho
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3 min readJul 14, 2020

Abandonando o que restou da escravidão voluntária.

Sempre que escrevo sobre relacionamentos numa perspectiva masculina, recebo diversos relatos de homens sobre ingratidão, muitos dizem ajudar suas companheiras no custo de suas faculdades, cursos e até mesmo academia, sendo extremamente tolerantes quanto as dificuldades financeiras da mulher, custeando e provendo pelo tempo necessário, sem pressões, provocações ou terrorismo emocional.

Mas quando é o oposto — quando é o companheiro que precisa de ajuda financeira e o padrão de vida do casal precisa ser reduzido — muitas demonstram impaciência, os atormentando com indiretas, mau humor, reclamações ou insatisfação calculada. A mesma mulher que teve seu custo de vida e educação amparadas pelo namorado/esposo não consegue retribuir essa atitude.

Isso leva muitos homens a entenderem que eles valem tanto quanto podem oferecer, que a saúde do relacionamento está na sua habilidade de fazer a sua mulher não se preocupar com dinheiro, que a falta de dinheiro ou recursos é uma fraqueza, e a partir do momento que ficam desempregados a contagem regressiva para o término começou.

É verdade que existem mulheres que desejam uma espécie de patrono e não um companheiro, um complexo de abelha rainha, mas vale a autocrítica de que estas não caem do céu, demonstram sinais de egocentrismo e “adote-me” desde o início. Mas muitos homens se deixam levar, seja porque são bonitas o suficiente para suas idiotices serem toleradas ou os compram indiretamente com sexo dado em doses constantes.

Olhando por esta perspectiva, é necessário entender a culpa como sendo igualmente do homem por se deixar comprar por juventude e beleza ao invés de filtrar suas escolhas pela postura e visão de mundo da mulher. Ingratidão não é um ataque surpresa, ela demonstra sinais desde o início, o que não diminui a gravidade que é alimentarmos uma cultura onde o homem só vale aquilo que tem, sendo objetificados pelo seu sucesso tal como a mulher é por sua beleza.

Parte da maturidade do homem que possui algum valor dentro de si é retirar do topo de hierarquia o quesito beleza, de modo a considerá-la, mas não absolutamente como critério, que deve ser precedido pela compatibilidade de princípios e modo de vida. Sem esta reflexão o homem está fadado a ser refém de sua sexualidade, desviando, portanto, de qualquer escolha equilibrada na sua vida amorosa.

Este fardo de prover para a figura feminina sem qualquer retorno que não sua companhia, afeto e passividade está sendo repensado em nichos virtuais, a dinâmica do dinheiro mudou na sociedade e esta relação de provisão também precisa mudar. A produção de riqueza está longe de ser a única forma de expressão de masculinidade. Dentre os sexos, aquele que insistiu em manter socialmente suas obrigações intactas foi o homem, a de sustentar, supor fragilidade do outro, de precisar produzir cada vez mais e ter sua renda como principal sustento do padrão de vida da família, enquanto a mulher abdicou de suas obrigações de antes, é como um cavalheirismo unilateral: nele a mulher simplesmente por ser o que é recebe um tratamento privilegiado enquanto não precisa de contrapartida alguma.

Talvez seja hora dos homens abdicarem deste fardo.

O fardo de uma espécie de cavalheirismo sem contrapartida.

Exigindo qualidades e posturas além de um esteticismo vazio.

De serem seletivos.

Estes homens, por sinal, já existem.

Que repensam a sua função no relacionamento.

Onde preferem a solitude à responsabilidade de sustentar.

São os homens que desistiram de prover.

“A ‘superioridade’ do homem no escritório é como a superioridade do boi no arado, é justamente pelo boi ser mais eficiente que o fazendeiro o domestica e o submete e o homem adora se gabar dessa ‘superioridade’, como se fosse um boi tirando sarro da falta de resistência do fazendeiro que não consegue se matar de trabalhar como ele, e é essencial para esta escravidão, que o homem se sinta mais útil, mais eficiente”. (Esther Vilar, O Homem Domado)

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Ricardo C. Thomé
O Conselho

Criador do projeto O Conselho. Professor e livre opinador sobre o homem, vida, morte e tradição | Instagram @ricardocthome