Adoráveis Mulheres (2019)

Rodrigo Quintino
OFFHistory
Published in
4 min readAug 26, 2023

Há alguns dias atrás decidi reassistir Adoráveis Mulheres.

O filme dirigido por Greta Gerwig é uma adaptação da famosa obra literária de May Alcott (lançada no Brasil com o título de Mulherzinhas), e conta a jornada das irmãs March: Jo (Saoirse Ronan); Mag (Emma Watson); Amy (Florence Pugh) e Beth (Elisa Scanlen).

Cada uma possui personalidade e temperamento diferente das outras, o que é potencializado pelo ótimo trabalho de figurino que, embora não esteja preocupado em reconstituir com perfeita “fidelidade” as roupas do período, demonstra com maestria as características particulares de cada irmã através dos vestidos e adereços. Quando juntas em tela, funcionam em uma dinâmica perfeita, complementada pela excelente atuação de Laura Dern como uma mãe que encontra o equilibro perfeito entre raiva e ternura.

Adoráveis Mulheres (2019)

A atriz consegue trazer para tela uma personagem que, embora com muito menos tempo de tela que as filhas, é tão complexa e profunda quanto. A linha tênue entre uma mãe forte e obstinada, ao mesmo tempo em que frágil e cheia de incertezas; dócil, amorosa, calorosa e receptiva, mas também amargurada, e cheia de raiva, nunca é rompida, de modo que Dern caminha em uma corda bamba de emoções sem, em nenhum momento, perder o equilíbrio. Sim, é essa a atuação de Laura Dern que merecia o Oscar de atriz coadjuvante em 2019.

Praticamente toda cena em que as cinco aparecem em tela juntas é regada de alegria e cores, uma dinâmica que chega a alterar a mise-en-scene e a decupagem da cena, o que fica evidente, sobretudo, quando adentram a cada de Mr. Laurence (Chris Cooper). O ambiente com e sem elas é claramente diferente.

Adoráveis Mulheres (2019)

Jo, a protagonista, é uma jovem e talentosa escritora que busca conquistar seu lugar em um mercado editorial dominado por homens, enquanto precisa aprender a lidar com sua personalidade impulsiva e os debates existenciais advindos de seu desejo por liberdade. A narrativa se desenvolve sob a perspectiva dela, alternando duas linhas temporais. A transição entre passado e presente é percebida através do uso das cores, e reflete o sentimento da protagonista com relação aos dois períodos de sua vida. Enquanto o passado é um período de aconchego e boas lembranças, retratado com iluminação quente e amarelada, o presente é melancólico frio, apático, sem cores, tal como a paleta utilizada para representa-lo.

A visão de passado e presente de Jo se relaciona muito com o desejo dela em manter a união familiar, o que se mostra uma das grandes dicotomias da personagem. Ao mesmo tempo em que busca liberdade e não abre mão de lutar por seus sonhos, a personagem de Saoirse Ronan deseja manter a família sempre unida. As memórias dos momentos em união com as irmãs e a mãe, mesmo os mais difíceis como a epidemia de escarlatina, funcionam como um refugio para ela, que tem na adolescência o melhor período de sua vida.

Parte dessa idealização do passado pode se dar por uma questão fortemente ancorada no inicio da vida adulta: o sentimento de solidão. A busca intensa por liberdade e por construir seu próprio caminho, atrelada ao temperamento forte e explosivo, a leva a escolhas que podem afastar pessoas. Nem sempre a jornada de autoconhecimento é fácil, e pode ser em muitos momentos, solitária. Mesmo com todos os atritos com Amy, destacados nas cenas em que a mais nova descobre que vai a Europa com tia March (Meryl Streep) e na cena da queima do livro, Jo em sua juventude era cercada de pessoas que ela amava, e, sobretudo, que a amavam.

Amy, mesmo em um primeiro olhar parecendo quase a antagonista, carrega tanta profundidade, complexidade e embates existenciais quando Jo. A personagem esconde, atrás do temperamento forte, um complexo de inferioridade, se achando sempre na sombra da irmã mais velha, o que é verbalizado na cena em que Laurie (Timothée Chalamet) se declara para ela.

O filme, embora claramente dialogue melhor com o publico feminino, carrega uma mensagem universal. A busca pela identidade, a solidão, os embates entre correr atrás de um sonho em detrimento de algumas relações pessoais, a dificuldade de lidar com escolhas do passado e a consciência que já é tarde demais para muda-las (evidenciada pelo personagem Laurie), são temas inerentes a qualquer ser humano, sobretudo os que, como eu e Jo, acabam de entrar na vida adulta.

O filme nos ensina que a vida nunca vai andar da maneira que desejamos, e está tudo bem nisso; que o amadurecimento trás novas necessidades, responsabilidades e alegrias, mas, mesmo sendo difícil, é possível telas sem abrir mão dos sonhos antigos; que pessoas diferentes têm objetivos diferentes, e também tá tudo bem, pois cada um sabe o que vai te fazer feliz; e que o passado pode ser um lugar de refúgio, mas o futuro, tão incerto, deve ser encarado de peito aberto.

Filme: Adoráveis Mulheres

Direção: Greta Gerwig

Ano: 2019

País: Estados Unidos da América

Distribuição: Columbia Pictures.

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Rodrigo Quintino
OFFHistory

Professor, mestre em História Social. Crítico de cinema e RPGista nas horas vagas.