Indiana Jones e o Chamado do Destino (2023)

Rodrigo Quintino
OFFHistory
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4 min readFeb 12, 2024

Histórias sobre viagem no tempo sempre me fascinaram, e foram, sem dúvidas, grandes influências para me despertar a paixão pela História. Outra influência, tão importante quanto, foi a figura do, não historiador, mas arqueólogo mais famoso da ficção: Indiana Jones. Ouso dizer que não só para mim, os filmes do Indy foram essenciais para vários colegas de profissão. Agora, imagine se o Rodrigo de hoje pudesse voltar no tempo e mostrar ao Rodrigo de dez anos atrás que o novo filme da franquia consegue juntar essas duas coisas? Ele teria amado, como eu amei.

Quando estamos na graduação, é muito comum abandonarmos a perspectiva lúdica da História, deixando de lado coisas como a História contrafactual, a ficção histórica ou mesmo filmes de arqueólogos que pouco tem de arqueologia. Isso acontece em prol de uma narrativa acadêmica de credibilidade científica que, desde antes da Escola dos Annales, permeia o campo do fazer historiográfico. É claro, como professor e acadêmico na área, reconheço a importância de tal perspectiva, uma vez que as narrativas históricas, sobretudo nos últimos anos, têm sido objetos de disputas ideológicas, sendo necessário reafirmar os métodos e técnicas utilizados para credibilizar os fatos e discursos criados por historiadores sérios.

No entanto, jogar completamente de escanteio o lúdico me parece um erro, mesmo que ele sirva somente para encantar, como foi comigo no passado, e despertar a paixão pela área. Nessa perspectiva, Indiana Jones e o Chamado do Destino (2023) conseguiu, sem deixar o Rodrigo acadêmico totalmente de lado, trazer de volta, de forma nostálgica, o Rodrigo entusiasta e fã.

Indiana Jones e o Chamado do Destino (2023)

Sim, eu sei, estou atrasado com relação ao lançamento do filme, não sou bom nesse negócio de pegar o hype, mas admita, há um certo charme em lançar essa crítica fora de época, afinal, um dos pontos mais interessantes da obra é o fato do próprio protagonista estar fora de época. O filme começa mostrando suas aulas na universidade, já antiquadas e desinteressantes para a geração da década de 80, e, ao longo de toda a sua duração, reforça, as vezes de forma explícita, as vezes de forma sutil, o sentimento de que o personagem vivido por Harrison Ford parece não se encaixar mais no tempo em que vive, como se estivesse deslocado daquela realidade, preso em um passado que não mais retornará. Isso tudo é evidenciado na cirúrgica frase, dita em tom melancólico para seu amigo Basil Shaw (Toby Jones) de que é difícil “ficar em um mundo que não se interessa por nós”.

Indiana Jones e o Chamado do Destino é, um pouco, sobre esse sentimento de deslocamento do mundo sentido por um grupo de pessoas que já não dialoga com a realidade em rápida transformação, e não se sente pertencente à sociedade, que mudou depressa demais para que pudessem acompanhar. Isso leva justamente a principal temática da obra: a nostalgia. Tal sentimento é trabalhado tanto digeticamente, com Indy relembrando suas aventuras do passado e sentindo que não poderá às viver mais, quanto, por meio de inúmeras referências, sendo desperto em nós, espectadores. Por isso a ideia de voltar no tempo, para um tempo que não viveu, mas que idealizou e se sente nostálgico por, é tão tentadora para Indiana. A nostalgia causa isso, essa estranha saudade de épocas que não vivemos.

A nostalgia de um passado ideal, apesar de reconfortante, pode, em muitos casos, estar atrelada ao desejo de fuga do presente. Já foi dito que Indy não se sentia pertencente àquela época, o desejo de viver o ontem é, para ele, uma forma de fugir do hoje, uma época na qual, além de ser tratado como peça de museu, precisa conviver, sozinho, com a dor da perda de seu único filho, perda essa que também levou ao fim de seu casamento.

O filme todo se desenvolve de forma aventuresca, como devem ser os da franquia, e, ao final, nosso intrépido arqueólogo conseguiu uma façanha que, no fundo, todos os amantes da História, acadêmicos ou entusiastas, gostariam: ver a ela acontecer. No entanto, a obra não permite que Indiana realize o seu desejo de passar o resto de sua vida no ontem, pois o chamado do destino para si não residia em fugir para um passado idealizado, mas em viver o hoje. Ele entende que seu lugar no mundo é ali, ao lado de sua afilhada Helena Shaw (Phoebe Waller-Bridge), e reatando o casamento com sua amada Marion Ravenwood (Karen Allen).

Com esse final, agridoce, Indiana Jones e o Chamado do Destino demonstra que a nostalgia e a paixão pelo passado, embora sejam sentimentos belos, não podem impedir, ao Indy e a nós, de viver o presente, e isso, mesmo de forma lúdica e ficcional, diz muito sobre a História. Afinal, como questionam os grandes historiadores acadêmicos: para que o estudo do ontem nos serve, se não para compreendermos e vivermos melhor o hoje?!

Assim, no fim, sem precisar da relíquia do destino de Arquimedes, mas apenas contemplando o momento presente, todos vivemos a façanha de Indy: ver a História acontecer, dia-a-dia, diante de nossos olhos.

Filme: Indiana Jones e o Chamado do Destino

Diretor: James Mangold

Ano: 2023

País: Estados Unidos da América

Distribuição: Disney+

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Rodrigo Quintino
OFFHistory

Professor, mestre em História Social. Crítico de cinema e RPGista nas horas vagas.