Wandavision (2021)

Rodrigo Quintino
OFFHistory
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4 min readMar 9, 2021
Wandavision. Ep 01.

Wandavision, série protagonizada por Elisabeth Olsen e Paul Bettany, é o novo (e um dos mais experimentais) capítulo do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU).

Logo de cara, podemos dizer que a série é um ensaio sobre a História do estilo televisivo de sitcoms nos Estados Unidos, quase como uma maquina do tempo, referenciando e homenageando obras desde anos cinquenta com I Love Lucy até o século XXI com The Office e Modern Family.

Praticamente todos os elementos da linguagem audiovisual contribuem para isso, partindo da razão de aspecto que transita entre os formatos 4:3; Wildscreen (16:9) e Cinemascope (21:9); passando pelo design de produção eficiente em construir uma ambientação tangível e coerente; pela direção de fotografia, que além do uso de preto e branco e das cores, também constrói a sensação de nostalgia por meio dos enquadramentos e movimentos de câmera; até a cereja do bolo nas brilhantes atuações.

Elisabeth e Bettany dão um show, incorporando os estilos interpretativos de cada década homenageada. Além deles, os coadjuvantes também brilham nesse quesito contribuindo para a atmosfera única de cada episódio.

A própria escolha de episódios semanais com a revelação de um mistério como “gancho” ao próximo capítulo, serve para consolidar essa perspectiva, sendo uma inteligente escolha para manter o hype da série por mais tempo e, ao mesmo tempo, uma homenagem ao formato televisivo da era “pré-streaming”.

A partir do terceiro episódio os indícios apresentados anteriormente se confirmam, e a série revela seu caráter Shakespeariano de “obra dentro da obra”. A metalinguagem se intensifica com a revelação que o universo que Wanda habita não só homenageia, mas de fato é um programa de TV.

Mais uma vez, o uso de razão de aspecto ajuda o espectador a transitar entre a série dentro da série e a série fora da série, universos esses que se mesclam ao longo do desenvolvimento da trama. A diegese interna de Westview continua com suas homenagens, enquanto a diegese externa adota um estilo mais realístico e próximo das demais produções do MCU, utilizando, inclusive, convenções da típica “formula Marvel”.

Wandavision. Ep 05.

Mas não se engane, toda essa metalinguagem não é mero artifício técnico pra chamar atenção. Ao contrário, ela contribui para reforçar uma ideia apresentada pela série: a importância da memória e de se olhar para o passado. A construção de uma viagem no tempo pela história da TV evoca no espectador a sensação de estar encarando algo de outra temporalidade, mas que exerce influencia no presente, além de internamente se justificar com a revelação de serem representações das memórias da própria Wanda, que assistia sitcoms na infância.

O arco narrativo da personagem se baseia todo na dificuldade dela encarar suas memórias traumáticas. Quando confrontada com elas, Wanda age de forma furtiva e agressiva, as negando e criando sua própria realidade. A repressão de um passado traumático provoca consequências não só individualmente, mas coletivamente ao influenciar e colocar em sofrimento outras pessoas.

Mesmo a mudança nos personagens e objetos para se adequar as diegeses ao transitarem entre as duas realidades parece evocar a volatidade da memória, que pode distorcer e transformar acontecimentos, pessoas e coisas, para adequar à narrativa consciente ou inconscientemente construída naquele momento, seja individual ou socialmente por meio da memória coletiva.

Mais do que isso, ao revelar que, até o penúltimo episódio, a própria Wanda não tinha consciência de como sua realidade havia surgido, a série sugere que acontecimentos traumáticos também influenciam em nossas construções memorialísticas, podendo ser determinantes para aquilo que será lembrado, recordado ou esquecido. A definição de memórias e esquecimentos não está só no âmbito da razão, mas tem interferência também do inconsciente. Não só o que se lembra, mas como se lembra, e o que se esquece, é importante.

Além de Wanda, o arco narrativo do Visão apresenta e reforça essa perspectiva. Desde os primeiros momentos em que toma consciência de algo errado na realidade que habita até as cenas em que enfrenta a si mesmo, a relação entre memórias e identidade são suscitadas como um sintoma da série.

Tanto o Visão da realidade diegetica interna quanto o personagem apresentado no final só tomam consciência de suas identidades ao recuperarem suas memórias. As lembranças de acontecimentos passados influenciam diretamente presente e futuro, e diálogo do barco de Teseu consegue sintetizar isso estabelecendo a ligação direta entre “quem sou” e “o que sei, ou me lembro, sobre mim”.

Wandavision, além de pavimentar o terreno para futuras obras do MCU, apresenta um poderoso estudo de personagem sobre a Feiticeira Escarlate e o Visão, evidenciando as relações entre memórias, esquecimentos e identidade, e como elas influenciam diretamente o cotidiano das pessoas.

Série: WandaVision

Direção: Matt Shakman

Ano: 2021

Distribuição: Disney+

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Rodrigo Quintino
OFFHistory

Professor, mestre em História Social. Crítico de cinema e RPGista nas horas vagas.