Zorro (2024)

Rodrigo Quintino
OFFHistory
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4 min readJun 5, 2024

A mais recente reinterpretação de Zorro, série original Amazon disponível no Prime Vídeo, traz consigo elementos interessantes que enriquecem a mitologia do tão consagrado personagem.

Zorro (2024).

Vou começar falando de algumas coisas na obra que me incomodaram. Duas se destacam: a primeira é sobre a personalidade do protagonista, um pouco séria demais em relação a outras versões, sobretudo a célebre versão de 1957, disponível no Disney+, em que Diego de La Vega era vivido por Guy Williams. Claro, isso foi uma escolha narrativa que condiz com o tom mais sério da nova versão e pode agradar outros espectadores, principalmente aqueles que, eventualmente, entrem em contato com o personagem pela primeira vez por meio desta obra.

Zorro (1957).

O segundo ponto de incômodo é o excesso de subtramas, que, sobretudo na segunda metade da série, acabam ficando um pouco corridas em seu desenvolvimento. A narrativa parece dar muita atenção a tramas que não se desenvolvem completamente, criando expectativas altas para histórias que, no fim, não se concluem, servindo de ganchos para as próximas temporadas. A sensação é que esses ganchos poderiam ser colocados de forma um pouco mais sutil, abrindo espaço para um maior desenvolvimento dos arcos que, de fato, conduzem a trama principal.

Outra questão que merece atenção é a abordagem com relação à representatividade indígena. O personagem Zorro é, e sempre foi, um exemplo da típica narrativa do homem branco salvador. Isso faz sentido se colocado em perspectiva o contexto histórico de criação do personagem, mas não parece algo totalmente adequado para os dias atuais. A série percebe a problemática e tenta trabalhar nela.

Aqui, o Zorro não é uma mera criação de Diego de La Vega, mas sim um manto tradicional indígena, passado de geração em geração entre os membros de uma etnia. Tal ideia tenta se afastar da narrativa tradicional do mascarado, colocando Dom Diego não como o grande herói salvador, mas como uma ferramenta em busca da sobrevivência dos nativos.

É claro, Diego de La Vega, vivido por Miguel Bernardeau, ainda é Diego de La Vega, e a série não consegue se desvencilhar totalmente do fato de seu protagonista ser um homem branco europeu, embora se esforce para mostrar que está atenta aos debates atuais sobre representatividade.

Toda construção do arco de rivalidade com Nah-Lin (Dalia Xiuhcoatl) caminha nessa corda bamba entre a representatividade indígena e a narrativa tradicional. O motivo do espírito da raposa ter escolhido Diego e não qualquer outro nativo, justificado pelo fato de ser alguém que seria capaz de compreender os dois mundos e lutar internamente na sociedade branca pelos nativos, não é tão convincente, mas funciona para equilibrar a narrativa na corda sem deixá-la cair, embora em alguns momentos haja um pequeno desequilíbrio.

Zorro (2024).

É ainda no núcleo envolvendo os personagens nativos que estão alguns detalhes que podem até passar despercebidos, mas enriquecem em muito a história e a mitologia do Zorro: os momentos de puro realismo mágico. A inspiração no gênero literário latinoamericano é clara, e a série constrói cenas em que a realidade e o fantástico se misturam de forma tão orgânica que tornam críveis aqueles elementos aparentemente irreais ou fantasiosos demais.

Tá, mas onde estão os duelos e lutas? Você deve se perguntar. Se você espera uma série com lutas de espadas em todos os episódios e ação frenética, talvez vá se frustrar um pouco, a narrativa aqui caminha em um tom mais sério, com foco maior no desenvolvimento das tramas políticas e dramas familiares. Mas não se engane, a ação e os duelos de espadas estão lá, dentre eles destaco a, já tradicional em séries de ação, sequência do corredor; os embates entre Zorro e Monastério, e, principalmente, o desafio no círculo de fogo. Os últimos episódios entregam mais ação, e podemos ver o herói em ação de forma mais próxima da que temos em nosso imaginário.

Sobre imaginário, outro grande ponto de destaque é o episódio intitulado “O Mito”, que presta uma bela homenagem as versões antigas do herói, sobretudo aquela já citada da década de cinquenta, brincando, por meio de um uso de fotografia muito cirúrgico, com a construção de um mito imaginado pela população. Se a série busca um tom mais sério e político, esse episódio nos lembra que Zorro é, e sempre será um herói pulp de capa e espada.

Em suma, Zorro não é uma série perfeita, longe disso, tem seus vários defeitos, mas diverte, e faz um trabalho competente ao atualizar a lenda do herói mascarado para uma realidade contemporânea, em tom sério, mas sem deixar de lado o fantástico e as tradicionais lutas de espadas.

Série: Zorro

Direção: Javier Quintas, Jorge Saavedra, Jose Luis Alegría

Distribuição: Prime Video

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Rodrigo Quintino
OFFHistory

Professor, mestre em História Social. Crítico de cinema e RPGista nas horas vagas.