Caso não saibam, eu sou GAY

Felipe Soares
marmita
Published in
8 min readOct 8, 2018

Em pleno 2018 ainda fico receoso em dizer essa frase nas redes sociais. Minha homossexualidade é um misto de indiretas e incertezas para quem me vê ao longe, quando deveria ser orgulho diário.

Semana passada, após uma aula de 4 horas voltei de metrô para casa. Sempre pego o ônibus até a estação de Antero de Quental e sigo para a outra ponta na Pavuna. Descendo as escadas ouço uma discussão vinda do banheiro da estação. Minha curiosidade me fez ir até lá.

A cena era a seguinte: havia um segurança na porta com um ar debochado e uma tia da limpeza, dentro do banheiro um homem gay olhando para o espelho e ajeitando o cabelo. Entrei no box rápido e fiquei ouvindo a discussão. O homem gay reclamava dizendo que não havia nada lá, que não precisava aquela cena toda. O segurança por sua vez falava agora mais alto (de modo que eu pudesse ouvir) “Quero só ver, espera só”, até que ele soltou uma frase que me arrepiou e me assombra até agora:

“Eu quero só pegar, quando isso acontecer não vem reclamar que é homofobia.” — segurança Metrô Rio

Eu gelei. Aquela frase era uma ameaça. Naquele mesmo instante meu sangue ferveu, meu coração acelerou e tudo o que senti foi ódio. Não por aquele segurança apenas, mas por saber que a vida de um LGBTQ+ pode ser ameaçada como se fosse nada.

Não estou aqui colocando em questão o fato de ser certo ou não fazer sexo num banheiro público. Estou colocando em questão o fato de existir pessoas que tratam de forma diferente quando um hétero ou um homossexual fazem alguma coisa.

Vamos ser sinceros, se fosse um homem hétero com uma mulher dentro do banheiro, aquele segurança só ia expulsar, falar “Meu bom, aqui não é lugar para isso!” e depois comentar com os amiguinhos se a mulher era gostosa ou não. Agora se for um gay a agressividade é a forma mais comum de se tratar e isso acontece porque na mente dessas pessoas ser homossexual é um desvio de caráter.

NÃO SE NASCE HÉTERO, AS PESSOAS QUE TE ENGANAM

É engraçado como desde pequenos somos induzidos a pensar que vamos ter que procriar, gostar do sexo oposto e casar com o bebê mais próximo que nasceu na mesma época. É como se me condenassem a 100 anos de prisão antes mesmo do crime cometido.

Minha infância foi marcada com as constantes brincadeiras de namoro, desenhos e filmes com personagens héteros, uma mãe gritando que se tivesse um filho gay ele não seria mais seu filho. Claro que também teve aquele livro marcante chamado ‘Bíblia’ que tinha uma frase bem especifica em dois livros sobre homens que se deitam com outros homens. A palavra que usavam foi “abominável”. Imagina uma criança lendo aquelas frases e perdida, pois mal entrou na puberdade e já estava condenada ao fogo do inferno.

Se me perguntarem em que momento soube que era gay, digo com segurança 11 anos. Me lembro que foi na mesma época que me percebi como ser humano pensante, que possuía desejos e nenhum deles era direcionado a menina que gostava de mim.

Eu ficava até tarde esperando o irmão dela chegar e nunca rolou nenhum beijinho. A turma até tentou forçar o beijo, mas me fiz de tímido. Ela acabou ficando com outro menino, o que me deixou aliviado. Em nenhum momento eu senti atração ou vontade por alguém do sexo oposto, o contrário acontecia quando um menino bonito se aproximava. Infelizmente eu não podia falar, eu fui condenado a uma solidão que ninguém entendia, todos eram “normais”.

Eu poderia ser essa criança.

Olhando para trás é até engraçado que minhas atitudes sempre foram bem claras de que minha orientação seria essa. Com 4 anos de idade eu queria fazer balé (lógico que ninguém nunca atendeu esse pedido), meus desenhos favoritos eram fofos, eu sempre fui jogar queimado com as meninas e odiava futebol. Eu sei que isso não define uma pessoa gay, mas são características fortes por ser o padrão de muita gente.

E em todos esses anos nunca ninguém parou para falar comigo. A diferença que faria na minha vida se minha família falasse: “Felipe, do que você gosta?” e eu pudesse ser sincero seriam enormes. Talvez um Felipe mais confiante, mais leve, menos neurótico. Talvez eu não pensasse tantas vezes em acabar de vez com aquela dor.

A REGRA É CLARA

Eu tenho uma regra de vida: se algo é capaz de fazer uma outra pessoa pensar em se matar para aliviar a dor, esse algo se torna impensável de existir.

Por isso eu tento sempre ser o mais justo, respeitoso e tolerante possível. Tento entender os motivos para cada ação e tento não reproduzir o que pode tornar a vida de alguém pior. Eu sei a dor que é ser diferente.

Quando você é um menino da igreja gay, o pensar no suicídio é algo natural (mesmo meu lado antropológico falar que nada é natural). Por todos os lados você é travado, questionado e imposto a ser um certo padrão: homem que procura uma mulher para casar, ter filhos e ensinar seus filhos a gostarem do sexo oposto e de Deus.

A todo o momento eu era o errado. Eu era ameaçado. Eu era crucificado.

Na minha jovem cabeça o que me fazia ser assim era um demônio, algo que entrou dentro de mim. A cada domingo eu ia lá na frente pedir para Deus libertação. Quando iam pastores famosos, eu tinha certeza que era naquele momento. Eu falava sozinho com Deus em casa para poder tirar isso de mim. Não foi por falta de tentativa, mas minhas orações nunca foram atendidas. Perdi a conta de vezes que essa oração foi acompanhada de uma faca ao lado.

Companheira de orações. Sorte que o único liquido que ela sentiu, foram das minhas lágrimas. Foto retirada da internet.

Aquele sofrimento só ia acabar com minha morte. Era isso que eu pensava dia e noite. Só que eu não entendia que meu sofrimento não vinha do fato de eu gostar de homens, ela vinha do fato de que me ensinaram desde pequeno que isso era errado.

Jesus falou que o amor é o maior mandamento de todos e eu amava homens, porque isso era errado? Eu crescia na igreja e só via como não fazia sentido o que eu sou ser errado. Ainda existem momentos em que penso naquela faca novamente, mas ela é tão rara que não tem mais efeito. Isso porque eu descobri a definição de amar e ela não estava dentro de uma igreja.

O AMOR SEMPRE VENCE

O dia que eu contei para minha mãe foi bem traumático. Ela veio me perguntar “Felipe você é gay?” e eu disse “Sim”. Ela parou de respirar e perguntou novamente, eu reafirmei e disse que não tinha mais o porque esconder.

Ela chorou, eu chorei, ela disse que devia ter me abortado e falou outras vezes mais. Ficamos assim nessa briga por pelo menos um ano, mas hoje ela me pediu um adesivo do #ELENÃO e eu fiquei orgulhoso de ver como ela cresceu. O amor na minha casa tinha vencido, aquele era um claro reflexo de que eu ser gay não importava mais para a minha mãe.

Olha que mulherão da porra! Ela saiu toda orgulhosa domingo com #ELENÃO.

Era para eu estar morto, era para eu ter usado aquela faca. Só que eu descobri pessoas maravilhosas na minha vida que me disseram “Felipe eu já sabia, qual o problema disso?”. Amigos que me fizeram ter coragem suficiente para usar o mesmo vestiário. Ser gay não me tornava diferente, ser gay não queria dizer que e ia querer pegar no pau de todo mundo, ser gay não significava que eu não podia conversar sobre as mesmas coisas.

Meus amigos não tem problema em abrir meu aplicativo e escolher em quem dar match, já me conhecem e sabem meus gostos. Eles também me pedem ajuda em suas conquistas, me contam quando gostam de alguém e eu posso fazer o mesmo. Meus amigos me mostraram que eu posso ser eu mesmo.

Meus amigos basicamente me salvaram. Toda vez que eu penso na faca, eles surgem logo em seguida para me impedir.

Então quanto minha mãe perguntou, eu respondi com naturalidade. Eu tenho pessoas que me amam por ser assim, não posso aceitar menos que isso. Atualmente quase todos sabem, mas existe algumas pessoas que não perguntaram por medo ou por não perceberem, até porque para elas eu ainda continuo omitindo. E isso me faz muito mal.

A CONCLUSÃO OU ‘PORQUE ISSO AGORA?’

Naquele banheiro do metrô eu poderia sair calado. Só ir embora e cuidar da minha vida, mas isso eu fiz durante toda a minha vida. Eu sempre me calei para que outros ficassem bem, mas o quanto isso realmente funcionou? E que outros são esses? Eu então dentro daquele box tomei uma decisão histórica na minha vida: enfrentei quem me oprime.

Enquanto saía do banheiro falei para o segurança “Toma cuidado com o que você fala. Outros estão escutando e pode não acabar bem para você!”. Claro que andei rápido e nem escutei resposta, mas fiquei tão bem por não deixar ele ter a última palavra. Me senti leve, por poder lutar pelo o que eu sou. No caminho para casa pensei em como eu ainda me prendia por meia dúzia de pessoas e se a mulher que me gerou, criou e fez tantos sacrifícios por mim estava bem com isso, por que as outras não iam ficar?

Eu quero levar meu namorado para as festas de família, eu quero falar no gênero masculino quando me perguntarem se estou saindo com alguém, eu quero fazer stories e postar fotos com letras grandes: “EU SOU VIADO”.

Meu poderes foram ativados, cuidado transformarei o mundo num grande arco-íris.

Claro que declarar isso publicamente também é um ato de resistência. Uma forma de mostrar que somos muitos contra quem pensa que somos errados, nascidos do uso de drogas, desvirtuados, degenerados e outros xingamentos que um certo candidato a presidência profere no que ele chama de boca (mas parece esgoto).

Então bem-vindos a uma nova era. Se não gosta do jeito que sou faça o favor de me excluir, se não sabe o que fazer pense com carinho e depois conversamos, se me ama e não gosta disso, pelo menos me respeite e se me ama do jeito que eu sou vem me dar um beijo e um abraço apertado.

Agora sim, eu estou mais leve.

Assinado: O MESMO FELIPE DE SEMPRE, mas agora você sabe que ele beija meninos (e gosta muito de beijar meninos).

--

--

Felipe Soares
marmita
Editor for

Cientista, publicitário e escritor. Curioso até demais.