Ana Cuentro
O futuro é acessível
4 min readDec 28, 2016

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Eu uso aparelho auditivo desde sempre ― desde sempre não. Comecei a usar com dois anos de idade quando descobriram que perdi boa parte da minha audição. Ou foi antes? Nunca lembro a idade correta, mas o que sei é que uso aparelho a vida inteira. Então, é como se fosse uma parte, um órgão que existe em mim desde que nasci, mesmo que eu tenha nascido com ouvidos intactos. Mas aconteceu algo, de ouvinte para surda bilateral, perda auditiva profunda e severa, como escrevem no audiometria. Não existe essa história de porcentagem de audição, é impossível definir uma perda com número tão específico. Identificam como tipos de perda auditiva, são 4, de menor para maior: Leve, Moderada, Severa e Profunda. Sempre falo aparelho no singular, porque apenas uso um, no lado esquerdo que é do tipo severo. ― Mas por que não usa no outro? ― Já tentei usar, acredite, dei duas chances e as experiências foram horríveis. Zumbidos, falta de atenção, incômodo e dor de cabeça. Ficava muito atordoada. É… realmente não deu.

Ter um aparelho auditivo não cura a surdez, apenas dá um up no som. Sem ele, não consigo ouvir o ventilador e com, consigo reconhecer o barulhinho. Então, amplifica os sons do lado de fora pro meu ouvido. Já usei earphones pra escutar música (sem aparelho) e é totalmente diferente quando escuto com aparelho. Consigo ouvir os sons, as batidas, os gritos, mas as vozes não são muito claras, nítidas. Tenho feito isso há pouco tempo e tem sido uma experiência diferente, porque sempre escutei com aparelho. Fiquei um tempo refletindo sobre isso ― Por quê só comecei a escutar assim agora? ― Não sabia que eu era tão apegada à ideia que pra escutar alguma coisa, você TEM que usar o aparelho pra tudo. Cresci com pessoas ouvintes, sou única surda na família, não tive amigos surdos ― eu tinha, mas não falavam em Libras ―, não tinha essa noção como era ser uma pessoa surda numa comunidade surda, até porque nunca tive convivência com pessoas surdas. Isso está mudando há menos de dois anos. O que iniciou foi uma ideia inesperada no meio do festival de música, ficar na frente do palco e tirar o aparelho, pra ver se escutava algo. E como era alto! Depois de alguns dias desse momento magnífico, fui testar ouvir música no meu notebook. Fiz isso porque meu receptor bluetooth tinha quebrado há meses e estava com saudade de ouvir no trabalho. Que achado do ano.

Mas, Ana, você usa um aparelho tão foda que deveria escutar tudo ― Não, não, não. É impossível ter audição 100% (a não ser que apareça uma cirurgia milagrosa, não falo de implante coclear, visse?), apenas o som fica muito mais nítido. Antes de 2014, só usava aparelho analógico e o que uso agora é digital, o que de fato é um dos melhores aparelhos que já usei. Já utilizei tantos aparelhos que perdi a conta. A transição de analógico para digital foi bem imprevisível. Um dia fui à loja de aparelhos auditivos com o objetivo de trocar meu molde de silicone que estava meio endurecido de tanto usar e excesso de cera de ouvido, o que era normal, era hora de fazer troca. E saí de lá maravilhada e decidida a ter esse aparelho auricular digital que oferecia o som muito nítido. ― Ah, só porque era digital, coisa mó tecnológica. ― Não só isso! Eu havia me apaixonado perdidamente pelo acessório que tinha lá, uma espécie de controle e receptor com conectividade bluetooth. Usei tanto que ele quebrou. Está meio complicado para consertar porque a assistência técnica fica em SP. Meh.

Vou explicar como ele funciona, parece um ipod genérico de anos 80. Mostra 4 programas de som (Padrão, Conforto, Cinema e Música), cada tem um som diferenciado. Uso Conforto para tudo, porque o som fica menos ruidoso, é o ideal para todo momento. O meu favorito é Música que uso para escutar músicas, séries e filmes no notebook. Quando estou ouvindo ou assistindo, aperto um botão cuja funcionalidade é desligar o som do ambiente externo, apenas escuto o que eu quero. Genial, né? Depois disso, dei meus headphones e minhas orelhas nunca mais ficaram vermelhas.

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Ana Cuentro
O futuro é acessível

Accessibility Product Designer. Aqui escrevo sobre Acessibilidade e crônicas. https://anacuentro.com.br/