5 passos para ser um aliado das pessoas intersexo

Bruno Ferreira Botelho Lopes
oh, great! it’s bruno
7 min readJun 4, 2018

Nós precisamos parar com o apagamento intersexual na comunidade queer.

Mutilação genital e clitorectomias infantis estão acontecendo em todos os 50 estados (dos Estados Unidos). Estes procedimentos são realizados diariamente em crianças intersexuais, que nascem com características sexuais que quebram a compreensão social do sexo como algo binário. Alguns de nós nascemos com genitais saudáveis ​​e funcionais que um urologista ou cirurgião pode querer “corrigir” porque eles não possuem uma aparência “tipicamente masculina” ou “tipicamente feminina”. Outros (de nós) têm diferenças cromossômicas, gonadais ou hormonais que aparecem mais tarde na vida. Há muitas maneiras de ser intersexo, mas todos nós estamos unidos pelos perigos que enfrentamos: Nascer intersexo é experimentar a violência nas mãos de um sistema médico determinado a apagá-lo, literalmente cortando suas partes intersexuais por causa de uma “normalidade.”

Embora nem todos os intersexuais se identifiquem com a comunidade LGBTQ +, em virtude de seu status intersexual, o “I” começou a aparecer no acrônimo LGBTQ +. Para alguns de nós, a proximidade com a sigla é uma questão de segurança. Quando lidamos com membros conservadores de nossa família,com governos conservadores e médicos que forçam nossos corpos a se transformar pela heteronormatividade, a distância às vezes é necessária. Ainda assim, nossa luta contra a vergonha e o sigilo por sermos uma minoria sexual nos dizem que as comunidades intersexuais e LGBTQ + têm mais em comum do que diferente. 75% dos atuais membros do InterACT Youth, o único centro de jovens ativistas intersexo do país (Estados Unidos), também identificam-se como LGBTQ + além de serem intersexuais.

A questão é: os espaços queer estão prontos para nós? Eu sou um intersexo não-binário queer, e ainda estou procurando um lugar para pertencer. Eu existo em uma área cinza em algum lugar entre cis e trans que eu não sei como nomear ou navegar. Mesmo morando em São Francisco, muitas das minhas interações em espaços queer e trans não-intersexuais têm sido decepcionantes, me isolando ou, na pior das hipóteses, me fetichizando. As narrativas intersexuais são pouco reconhecidas em muitos espaços queer. Quando reconhecidas, arriscamos que nossas identidades sejam cooptadas.

Os espaços queer são maravilhosos e reconhecidos pela empatia e abertura emocional de seus membros. Eu tive muitas experiências positivas também, mas a ignorância dói. Nunca esquecerei o meu primeiro festival de zines queer quando uma pessoa não-binária se aproximou de mim para dizer: “Oh, você é intersexual? Esse é o meu argumento favorito”.

Claro, muitos de nós adoramos destruir o binarismo, mas pessoas intersexuais não existem para serem argumentos. Temos o suficiente para lutar pelos nossos direitos humanos básicos. Não estamos aqui para validar a identidade de outra pessoa. Você é válido com ou sem nós!

Em outro momento, eu ouvi uma pessoa trans não-binária dizer que desejava ter “genitália ambígua” como o livro Middlesex, que foi escrito por um autor cis não-intersexo sem nenhuma contribuição da comunidade intersexual. Este comentário doeu. Muitas pessoas que realmente nasceram com tais diferenças genitais enfrentam estresse pós-traumático, violência sexual, cicatrizes, incapacidade de orgasmo e infertilidade forçada pelas mãos da indústria médica.

Pessoas intersexuais, especialmente aquelas que carregam traumas de tratamentos de normalização forçada, herdam a ansiedade. Os parceiros queer estão prontos para nossos corpos e os traumas que eles carregam? As perguntas e comentários que nos mantêm acordados à noite geralmente vêm de outras pessoas da comunidade queer. Meus amigos e colegas intersexuais já ouviram tudo.

“Você é realmente lésbica se você é intersexual?”

“Você é intersexo e não-binário, então seu corpo combina com o que você sente, então você é cisgênero.”

“ Você precisa adicionar um trigger warning para o ódio ao corpo ao discutir seu corpo.”

“Você é masculino e não-binário e tem seios? Quem você vai namorar?”

A indústria médica nos diz que somos nossos diagnósticos; que nossos corpos precisam ser alterados. A sociedade nos diz que nossos corpos não são nossos. Muitos de nós nos perguntamos: quem eu namoro? Quem vai me amar? Precisamos desesperadamente de espaço na comunidade queer para explorar, curar e nos identificarmos.

As comunidades intersexuais, trans e queer podem ser os melhores aliados delas mesmas. Temos muito em comum e muito a aprender um com o outro. As identidades de gays, lésbicas e transgêneros têm sido historicamente patologizadas como transtornos mentais pelo setor de saúde. O intersexo é patologizado como um distúrbio físico. Nós enfrentamos dois lados da mesma moeda.

No caso das comunidades intersexuais e trans, os médicos criaram uma divisão entre nós. Crianças intersexuais estão sujeitas à “normalização” forçada de seus traços sexuais, enquanto adultos transgêneros consentidos têm que lutar com unhas e dentes para acessar os procedimentos de afirmação de gênero.

De forma assustadora, a WPATH (Associação Profissional Mundial para a Saúde Transgênera, em tradução livre) sugere a remoção de períodos de espera e a flexibilização dos requisitos para os tratamentos caso uma pessoa que esteja sendo vista por disforia de gênero seja intersexual. Sua razão? “A cirurgia genital [para intersexos] é bastante comum na infância e adolescência”.

“Se tivéssemos detectado ‘o problema’, você não teria se “transformado” em uma pessoa transgênero”, disseram os médicos a Dominic Luke Wolf, uma pessoa queer, intersexo, trans, não-binária, em referência aos seus traços intersexuais.

Comunicadores e manchetes transfóbicas geralmente privilegiam o status de intersexualidade no acesso aos cuidados de afirmação de gênero, então não é surpresa que vários dos meus amigos trans não-intersexuais tenham me dito que “desejam ser intersexuais”. Muitos grupos intersex recebem indagações de pessoas não-intersexuais que desejam descobrir seeles são intersexuais para obter acesso aos cuidados de que precisam. Por outro lado, a transfobia aparece de maneira feia na comunidade intersexual. Alguns indivíduos usam seus traços físicos como argumentos de que são mais “válidos”. Tudo isso quebra meu coração, porque todos nós somos válidos e todos nós merecemos autonomia corporal.

É hora de acabar com o essencialismo biológico — pelo bem de todos.

Então, o que pessoas LGBTQ + não-intersexuais e aliados podem fazer para apoiar pessoas intersexo?

Contamos com você e estamos aqui para ser seus aliados também! Aqui estão cinco passos concretos para melhor apoiar pessoas intersexo em suas comunidades:

  1. Eduque-se. Pessoas intersexuais vêm de todas os tipos de vivência. Envolva-se com tantas perspectivas quantas puder encontrar. Algumas recomendações para você começar incluem: livros de autores intersexuais como Born Both, de Hida Viloria, e Contesting Intersex: The Dubious Diagnosis, de Georgiann Davis; filmes como Intersexions e Ponyboi (em breve); e vídeos sobre tópicos intersex de criadores como Pidgeon, Emily Quinn e The Interface Project.
  2. Use uma linguagem inclusiva à pessoas intersexo. Inclua intersexo como uma opção para campos “sexuais” em formulários, além de homens e mulheres. Evite atribuir gêneros à partes do corpo, por ex. “Cromossomos masculinos” ou “genitália feminina”. Pergunte aos intersexuais como eles querem ser tratados e qual terminologia eles preferem.
  3. Descubra se o seu hospital local realiza cirurgias em crianças intersexuais. Políticas variam amplamente e geralmente podem ser encontradas em sites de hospitais. Para dicas sobre como o seu hospital local trata os bebês intersexo, procure pelo hospital + “intersexo” ou “urologia pediátrica”. Muitos hospitais também usam o termo DDS: “distúrbios do desenvolvimento sexual” ou “diferenças no desenvolvimento sexual”.
  4. Fale com seus legisladores sobre os direitos intersexuais. Coloque as questões de direitos humanos intersexo nas pautas. Até o momento, nenhum sistema hospitalar emitiu uma política clara que proíba cirurgias genitais desnecessárias em bebês, apesar dos pedidos de ação de organizações como a Gay and Lesbian Medical Association.
  5. Eduque sua comunidade. Certifique-se de que as pessoas intersexuais estão incluídas nos seus currículos e materiais de educação sexual. Reúna seus amigos para apoiar organizações de base lideradas pelo POC, como o Intersex Justice Project e The Houston Intersex Society. Espalhe a notícia de que as cirurgias genitais, incluindo as vaginoplastias e as reduções do clitóris, ainda acontecem diariamente em crianças intersexuais — nos EUA e no exterior. E não se esqueça de marcar sua agenda para divulgação e ação no dia 26 de outubro, Dia da Conscientização Intersexual.

Hann Lindahl atua como Diretor de Comunicações e Divulgação da InterACT, a única organização nos Estados Unidos que concentra vozes de jovens intersexuais em direitos humanos e trabalho político. Mora em São Francisco e gosta de desenhar quadrinhos. Ajudou a criar a campanha # 4 de intersexos e seu kit de ferramentas de educação intersexual. Fazem parte da juventude do InterACT Kī, Adele, Robyn, Jonathan Legette e Dominic Luke Wolf, que contribuíram para este artigo.

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Esta é uma tradução do artigo We Need to End Intersex Erasure in Queer Communities” de Hann Lindahl, para a them.

This is a them. original content

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