As pessoas que defendem RuPaul estão apenas defendendo o patriarcado

Bruno Ferreira Botelho Lopes
oh, great! it’s bruno
5 min readMar 15, 2018

Aqueles que defendem RuPaul à custa de seus críticos transgêneros, estão enfraquecendo a comunidade LGBTQ+ como um todo.

Por Phillip Henry

Primeiro de tudo: RuPaul Charles é um ícone queer e uma lenda. Seu trabalho e sucesso na comunidade LGBTQ+ e para além dela fez mais pela visibilidade e aceitação de homens gays do que a maioria esperaria alcançar durante a vida. Ele tem carisma, singularidade, coragem e talento de sobra!

Mas apesar de RuPaul ter realizado tantas coisas boas, ele não é infalível. Ele sabe disso também, já que na segunda, RuPaul fez algo que eu nunca havia visto — ele se desculpou, em resposta à reprovação por parte de drag queens, ativistas da causa trans e globalmente pela comunidade LGBTQ+ após dizer ao jornal The Guardian que ele “provavelmente não” aceitaria participantes que se identificam como mulheres em seu programa.

Como criador de RuPaul’s Drag Race, Drag U e da DragCon — para não mencionar sua riquíssima carreira como cantor, ator, modelo, escritor e mais — Ru mudou a cara do drag para sempre. Ele trouxe representatividade e grande investimento para um gueto da subcultura queer, mas essa ascensão não foi totalmente sem controvérsia. Em 2014, Drag Race enfrentou uma crítica amplamente divulgada pelo uso da frase “You’ve got she-mail” (um trocadilho com a tradução de um termo ofensivo, como “traveca”) para um segmento do programa, bem como um desafio em que as participantes precisavam identificar se as pessoas eram “mulheres” ou “travecas” a partir de fotos. Críticos transgênero e outras participantes chamaram a atenção dele e sua resposta foi menos comportada. Mas aquilo foi em 2014, e o programa tem se esforçado para ser mais sensível sobre a questão, incluindo a primeira participante abertamente trans, Peppermint, na última temporada.

Era de se esperar que a atitude de RuPaul mudasse com o passar do tempo, assim como o programa mudou. Então, quando ele tuitou “você pode tomar drogas para melhorar sua performance e ainda ser um atleta, mas não nas Olimpíadas” na Segunda, uma terrível indulgência ao relacionar terapia hormonal com esteróides anabolizantes, aqueles que não estavam cientes dos seus primeiros comentários ficaram em choque — e o resto de nós só sacudiu a cabeça. Mas, sem ser realmente uma surpresa, muitas pessoas (a maioria homens gays cisgêneros que não conseguiriam andar sobre saltos se suas vidas dependessem disso) começaram a se alongar enquanto preparavam formas de defender o erro de RuPaul.

Em outras palavras, os RuPaulogists estavam a todo vapor, vindo em comitivas de defesa de Ru. Mas quem essas pessoas estavam realmente defendendo? RuPaul ou eles mesmos? Certamente, não a comunidade LGBTQ+ como um todo.

Alguns trouxeram a ideia de que há inimigos maiores para a comunidade queer se preocupar que Rupaul — sobretudo em nosso contexto político e social atual — e eles têm toda razão sobre isso. Mas a razão para por aí. O lema “nós contra os de fora” nos leva à acreditar que a comunidade LGBTQ+ é homogênea e unida contra ameaças externas. Isso nos desestimula à pensar sobre nossas discordâncias internas, porque nós achamos que, fazendo isso, enfraqueceremos nossa habilidade de lutar contra qualquer tirania heterossexual que nos ameace de fora.

Há mais diversidade dentro da comunidade queer (e eu argumentaria que, por design, ESPECIALMENTE dentro da comunidade queer) que fora dela. E na comunidade LGBTQ+, assim como em qualquer comunidade diversa, há estruturas de poder hierárquicas. E quando as pessoas cujo poder não é tão grande pede para que os detentores do poder os defendam, esses tem duas opções:

Eles podem ignorar, que é essencialmente a mesma coisa que condenar aqueles indivíduos à lutar por si mesmos e viver sem uma comunidade que os reconheça, acolha e os celebre.

Ou eles podem ouvi-los, o que significa fazer espaço para que seus pares expressem suas preocupações sem se sentir ameaçado de que os indivíduos que não têm sua quantidade de capital social (e provavelmente tiveram que trabalhar mais para conseguir o que já possuem) sejam bem-vindos em sua comunidade.

É dito às vezes que quando esses indivíduos se levantam para criticar comentários como os de RuPaul, eles estão agindo vagamente e “não sabem o bem que já foi feito”. Mas se você acredita que é “vago” para a comunidade transgênera o reconhecimento e validação de seu trabalho por um ícone LGBTQ+ internacional, então é você que, de fato, está por fora da comunidade. Quando pessoas queer levantam sua voz, isso significa que toda nossa comunidade está ficando mais forte. É algo que devemos encorajar, não sufocar. É o oposto de ser vago — é progresso.

A definição mais pura de conservadorismo é a crença que direitos e representatividade devem ser limitadas àqueles que “merecem”. É uma ideologia que sempre operou nas bases do privilégio. Sufocar as preocupação de nossos colegas transgênero é traiçoeiro para a comunidade LGBTQ+ e as pessoas estão ouvindo.

Para muito de fora da comunidade LGBTQ+ (e também de dentro), RuPaul representa o que o drag tem a oferecer de melhor. Para muitos outros, ele mesmo é o rosto da cultura drag. E a cultura drag é integralmente da comunidade LGBTQ+, tendo esse sido o motivo, talvez, por RuPaul trabalhar com tanto afinco durante sua carreira para defender e louvar isso. E a cultura drag deve ser protegida — ela significa muito para a cultura e comunidade queer. Entretanto, nós podemos perfeitamente defendê-la sem expulsar e invalidar o direito das mulheres trans que, cabe ressaltar, foram profundamente importantes para a liberdade gay e tem sico parte crucial da cultura drag desde sua origem.

Nós podemos continuar amando e adorando RuPaul após seus comentário e nós podemos continuar apoiando seu progresso — mas também podemos, ao mesmo tempo, criticar suas pontuações públicas e dolorosas. Nós podemos manter ambas as ideias em nossa cabeça e não precisamos correr para defendê-lo da responsabilização apontada pelas mulheres trans. Eu prometo que nós podemos. Não confundam solidariedade com a comunidade transgênera com uma condenação de RuPaul. Permita que as pessoas expressem seu descontentamento sem querer silenciá-las.

A comunidade LGBTQ+ precisa garantir que aqueles de nós que conseguiram acessar a porta da oportunidade irão deixá-la aberta para o resto de nós, não fechá-la em nossa cara. Quando fazemos isso, enfraquecemos nossa comunidade como um todo. E é isso que os defensores de RuPaul erram em não entender.

Phillip Henry é escrito, comediante, ativista e performer em Nova York. Seus escritos podem ser lidos em várias publicações, como a Teen Voche e Mic. Ele apresenta um programa de comédia LGBTQ semanal chamado “The Tea Party” em Hell’s Kitchen, Manhattan.

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Esta é uma tradução do artigo “RuPaul’s Apologists Are Only Upholding the Patriarchy” , de PHILLIP HENRY, para a them.

This is a them. original content

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