“Com amor, Simon” e a autoestima da juventude LGBTQ+

Bruno Ferreira Botelho Lopes
oh, great! it’s bruno
5 min readApr 5, 2018

A juventude LGBTQ+ e seus aliados clamam por representações positivas e inspiradoras com as quais possam se comunicar.

“Com amor, Simon” é a adaptação cinematográfica do livro “ Simon vs. the Homo Sapiens Agenda e chega aos cinemas brasileiros em 06 de abril.

Dirigido por Greg Berlanti — responsável por séries como Dawson’s Creek, Arrow, The Flash e Riverdale — o longa é o primeiro de seu gênero à ser protagonizado por um adolescente homossexual. E acredite, isso é incrível!

O primeiro ato do filme insiste em nos esclarecer que Simon (Nick Robinson) é um adolescente como tantos outros de sua idade. Tem sua turma de amigos, frequenta uma escola de nível médio e tem que lidar com os desafios típicos dessa fase da vida. Como qualquer adolescente, Simon também tem suas questões que decide não compartilhar (ou segredos, como ele diz), sendo o maior deles o fato de ser gay.

A descoberta da homossexualidade na adolescência já foi abordada por diversos filmes notadamente, podemos citar o fabuloso “Me chame pelo seu nome”, o belíssimo “Azul é a cor mais quente”, “Moonlight” e “Orações para Bobby”. Entretanto, a forma como foi roteirizado, produzido e distribuído quebra uma importante barreira que ainda restava intacta (e subestimada) nas produções desse tipo: os filmes acessíveis para toda a família.

Muitos dirão que “Com amor, Simon” é raso ou pouco corajoso. Tudo bem. Se houvesse uma tabela de privilégios, o protagonista cumpriria quase todos os requisitos: é um homem cis, branco, de classe média e heteronormativo. Seus pais não são apenas liberais ou compreensivos: falam abertamente sobre sexo, demonstram suas emoções sem resistência e o apoiam incondicionalmente. Ao descobrir sobre a sexualidade de Simon — pasmem!- seu pai se culpa apenas pelas piadas infames que contou na presença desse. Na escola, ele encontra suporte por parte da diretoria e do corpo docente. Além disso, seus amigos e não se importam realmente com sua sexualidade — mas com as confusões que ele os envolveu para esconder seu segredo.

Parece um cenário pouco realista para a maioria de nós, é verdade. Entretanto, isso não deveria ser visto como um erro do filme, mas como um erro da nossa própria sociedade.

Em 2014, o filme “Hoje eu quero voltar sozinho” sofreu as mesmas críticas por parte do público, embora tenha sido chamado de um “farol para os conflitos adolescentes” daqui, do Brasil.

Mesmo não contando com uma produção e divulgação em grande escala, o longa emocionou quase cem mil espectadores no país, ao abrir mão do preconceito e dos esteriótipos que usualmente cercam a representação da vivência LGBTQ+ nos cinemas.

O filme tratava a sexualidade de seu protagonista, Leonardo (Guilherme Lobo), apenas como mais uma característica de sua personalidade e constituição — o enredo se dedicava mais a discutir, por exemplo, a relação de sua deficiência visual com a superproteção da família e a dificuldade de Leo em participar de experiências típicas dessa fase da vida, como viagens entre amigos e festas, dilemas universais.

Aqui também, não se trata de um ato de omissão ou covardia. Optar por não aprofundar as possíveis adversidades e, inclusive, tragédias, que podem permear a trajetória de um jovem LGBTQ+, é uma declaração de bravura.

É preciso coragem para sair da invisibilidade dos nichos e das salas de arte e propor um diálogo e um exercício criativo com todos os setores da sociedade, sobretudo os amigos, a família e os professores de jovens gays, lésbicas, bissexuais e transgênero.

Isso porque, embora viver a juventude plenamente seja um desafio para todos, jovens LGBTQ+ encontram ainda mais dificuldades nessa seara. A ausência de modelos positivos e inspiradores, a falta de abertura familiar e escolar para conversar sobre seus medos e desejos, bem como a insegurança proveniente do bullying homo-transfóbico, acentuam os obstáculos que eles precisam ultrapassar para se desenvolverem de forma saudável e consciente.

O medo de rejeição nos ciclos de amizade faz com que crianças e adolescentes LGBTQ+ fiquem vulneráveis a episódios que podem ser extremamente prejudiciais para sua autoestima e desenvolvimento, tais como o envolvimento sexual compulsório com pessoas do gênero oposto e a reprodução de homofobia e transfobia.

Desta forma, embora cercada de privilégios e de circunstâncias que nos parecem tão utópicas, a vivência de Simon (e também de Leonardo) nos inspira à sonhar com uma outra realidade: em que “sair do armário” não seja de fato um tabu, em que possamos contar com a compreensão e o apoio de nossos pais e amigos, em que os profissionais de ensino estejam preparados para lidar com o bullying homo-transfóbico e para acolher as vivências queer.

Com amor, Simon” cumpre exatamente o que se propõe e por isso é tão importante e eficiente: mostra que existir enquanto jovem LGBTQ+não te condena à uma trajetória repleta de drama, dor e sofrimento, como muitas vezes o cinema insiste em reproduzir.

Além disso, é autoconsciente e sabe que não esgota a discussão em si mesmo. Traz em seus coadjuvantes a crítica e o reconhecimento necessário sobre os privilégios do protagonistas e abre espaço para a discussão de outras vivências marginalizadas — sobretudo na figura de Ethan (Clark Moore), jovem queer, negro e empoderadíssimo que nos faz implorar para que um spinoff sobre ele seja entregue na nossa mesa em trinta minutos!

A juventude LGBTQ+ e seus aliados clamam por novas representações com as quais possam se comunicar e Simon Spier (e seus amigos) serão muito bem recebido por todos nós.

Sejam bem-vindos!

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