Onde o amor é ilegal: Devon, Emily, Ibrahim

Bruno Ferreira Botelho Lopes
oh, great! it’s bruno
5 min readFeb 8, 2018

Where love is illegal” é um projeto da ONG Witness Change, que busca documentar e compartilhar histórias LGBTI de discriminação e sobrevivência ao redor do mundo.

DEVON / Estados Unidos

Desde que eu era uma garotinha eu sabia que não era como as outras pessoas. Lembro de quando a minha tia trazia para casa suas amigas e eu não conseguia pensar em outra coisa senão em poder ser mais velha e estar com elas. Eu não sabia o que era ser bissexual até os 7 ou 8 anos. Depois de um tempo, com 11 anos, me assumi para o meu pai, que sempre demonstrou muito apoio. Eu também me assumi para minha mãe — homofóbica — pouco tempo depois. Ela não ficou muito contente e logo começou a me insultar, especialmente quando estava bêbada o que, pensando bem, acontecia em grande parte do tempo. Desde os 10 anos eu sofri com depressão, ansiedade e tive problemas com autolesões. Nem tudo foi causado por não ser aceita como LGBTQ+ pela família da minha mãe, mas isso certamente fez as coisas serem muito piores. Agora estou tentando conseguir ajuda e estou num relacionamento feliz com um namorado trans (que não é aceito pela minha mãe). Apesar de ainda não ter enfrentado tudo, só quero que os LGBTQ+ de todas as etnias, gêneros e religiões saibam que em algum momento as coisas vão melhorar. Pode ser que leve muito ou pouco tempo — eu não sei — mas você vai superar esta tempestade. Você não está sozinho.

EMILY/ Estados Unidos

Durante a minha infância meu pai dizia, com orgulho, a todos que podia que “se algum dos meus filhos vier pra casa e me disser que decidiu ser gay, eu vou rir e expulsá-lo de casa até que ele volte, peça desculpas e diga que mudou de ideia”. Ele não percebeu que, na verdade, falava sobre mim e não sobre seus filhos homens. Meus irmãos já tinham me rejeitado quando denunciei os abusos do meu pai durante minha infância e também quando contei que era lésbica. Contei por e-mail para evitar ouvir as reações deles, sabendo o quanto seriam cruéis. Meu pai não falou comigo por um ano e meio, e fiel a sua promessa, só me deixou participar da vida dele novamente depois que pedi desculpas pela denúncia, disse que estava errada e que estava vivendo num “estilo de vida heterossexual” e quando continuei a praticar a religião deles enquanto morássemos juntos.

Durante a faculdade, depois de ter me assumido, fui obrigada a informar a todos as minhas colegas de quarto que eu era gay, caso elas quisessem pedir uma troca de colega de quarto. Durante o ensino médio, surgiu um boato de que eu era gay porque minha colega de quarto no internato era gay. Neguei vigorosamente os boatos para fugir das surras que sofriam os que eram gays no Sul. Meu avô ainda hoje insiste que eu “ainda não encontrei o homem certo para me fazer heterossexual” e minha avó escolheu gritar o quanto pode que eu não sou gay e que ela não iria ouvir nenhuma outra palavra sobre isso. Meu irmão me chama abertamente de sapatão. Meu outro irmão disse que, desde então, estou morta para ele. Minha igreja tentou me excomungar por apostasia quando informei que estava me desligando da religião e que gostaria de ter meu nome retirado da lista de membros. Hoje estou noiva de uma mulher maravilhosa, que me trata de forma muito melhor que o meu ex-marido, com quem eu havia casado para agradar o mundo e agir como se fosse heterossexual.

Enquanto meu ex-marido me estuprava e abusava de mim, minha noiva me ama mesmo com todas as situações ruins em que a vida tem nos colocado. A família dela é ainda pior que a minha e quando ela fala sobre ser gay, fica confinada em casa até que peça desculpas. Eles ainda não sabem sobre nós, porque temos medo de que ela fique presa dentro de casa sem qualquer forma de me contatar ou, ainda, de que seja internada numa instituição psiquiátrica. Ninguém das nossas famílias e quase nenhum dos nossos amigos irão ao nosso casamento. Minha irmã gostaria de ir, mas ela só tem 15 anos e meus pais não permitiram, porque ela ainda é menor e eles acham que isso influenciará sua sexualidade e a fé na religião. Mas nós continuamos vivendo, uma com a outra, porque, apesar de todo o ódio, nos amamos.

IBRAHIM / NIGÉRIA

Minha experiência com a discriminação começou quando tinha 12 anos. Na escola onde estudei, todos meus colegas de classe me odiavam tanto, que sequer brincavam comigo e, toda vez que eu tentava ir pra perto deles brincar, eles me rejeitavam e diziam que não iriam brincar com uma garota (se referindo a mim). Eles me afastavam todas as vezes que eu os seguia. Eles me chamavam de “Madam”, que significa “mulher”. Meus professores não ficavam atrás. e me humilhavam muito durante as aulas. Eles não se importavam com a minha infância. Eu me sentia triste e assustado. Para mim, foi muito difícil estudar naquelas condições. Eu tinha medo de reclamar com os meus pais, porque não sabia as consequências daquilo tudo. Eu acabei conseguindo terminar os meus estudos daquele jeito, mas a cada vez que lembro do preconceito, me sinto só e abandonado. Eu desejo que isso não aconteça com ninguém no mundo, ainda mais com crianças. Eu sou gay, tenho orgulho disto, e também sou um cidadão nigeriano, mas, o mais importante, sou um ser humano que merece todos os direitos. Tenho o direito de viver, de me relacionar e de me misturar com qualquer pessoa na sociedade, independentemente de gênero ou orientação sexual. Tenho esperança em uma sociedade onde todos serão aceitos independentemente de orientação sexual e identidade de gênero.

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Esta é uma tradução dos testemunhos recebidos pelo projeto “Onde o amor é ilegal” da ONG Witness Change. As traduções foram realizadas por Ramon Mariano.

This is a translation of the testimonies received by Where Love Is Illegal, a Witness Change project. Follow them on instagram.

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