Onde o amor é ilegal: Omar, Arkan e Nurlan

Bruno Ferreira Botelho Lopes
oh, great! it’s bruno
6 min readFeb 8, 2018

Where love is illegal” é um projeto da ONG Witness Change, que busca documentar e compartilhar histórias LGBTI de discriminação e sobrevivência ao redor do mundo.

OMAR / Sudão

Meu nome é Omar e sou um rapaz sudanês de 21 anos, meus hobbies são nadar e escrever. Sou famoso entre meus amigos pelo riso solto e especialmente pelas minhas risadas.

Frequentei a escola primária num colégio apenas para garotos, o lugar era bastante religioso e rígido e cheguei a apanhar pelos motivos mais banais. Quando atingi a terceira série, meu primo da Arábia Saudita veio morar conosco. Ele era bem educado e cinco anos mais velho do que eu. Aos 9 anos de idade, eu cursava a quarta série, meu primo começou a agir de uma maneira muito estranha. Tirava notas ruins no colégio e trazia uns rapazes estranhos pra casa. Um dia, ele me pediu para dar um beijo em seu rosto e eu o ignorei e fui tomar uma ducha. Ao sair, ele me abordou e disse “você está muito bonito, vem cá, eu amo pessoas limpas”. Eu o ignorei de novo, mas dessa vez ele pulou em cima de mim na frente dos meus irmãos e me deitou na cama à força, prendendo-me com suas pernas e segurando minhas mãos por trás com uma mão e com a outra na minha cabeça. Ele não podia tirar minhas roupas, senão eu correria, ele mal conseguia me segurar e eu sentia sua ereção nas minhas costas. Então ele tentou me beijar e eu balançava a cabeça para os lados para evitá-lo, mas meu irmão segurava minha cabeça e meu outro irmão apenas assistia enquanto meu primo começou a me beijar. Eu me senti muito vulnerável, imaginei que meus irmãos fossem me ajudar de alguma maneira, mas mas eles não o fizeram, ao invés disso, eles ameaçaram contar aos meus pais sobre o que tinha acontecido e eu tinha muito medo.

Tanto o meu pai quanto a minha mãe eram bastante rígidos e religiosos e eu achava que me matariam se soubessem, então eu tive de obedecer ao meu primo. Não, o meu primo não parou. Ele continuou me assediando por quase um mês. Nos meses que se seguiram eu fui assediado sexualmente por 5 dos meus primos e pelo meu professor de Estudos Islâmicos (diversas vezes).
Eu já fui assediado repetidamente e por muitas vezes, mas nenhum deles realmente transou comigo ou me “violou”.

Essa parte da minha vida com certeza foi a mais difícil, porque eu me sentia inseguro mesmo perto da minha família e também porque meus pais costumavam me bater muito.

Aos 16 anos de idade, comecei a me atrair por caras. Eu tinha muito medo de me expor, então comecei a pesquisar no Google por soluções do tipo, “como eu posso virar hétero? O que eu devo fazer?” E me lembro de ler inúmeros artigos sobre pessoas gays que queriam ser heterossexuais e fiz tudo o que era mencionado, mas não consegui nenhum resultado. Ainda me sentia da mesma maneira. Lembro de tentar assistir pornografia hétero, mas focava mais na figura masculina do que na feminina.

Passado um tempo, me mudei para a Arábia Saudita com minha família, onde eu costumava ir ao “Al-Kaaba”, que é o lugar mais sagrado na religião para os muçulmanos irem. Pedi a Deus muitas coisas, mas parte delas era que ele consertasse meus sentimentos, “me fizesse hétero”, acabasse com a minha vida se ela fosse ser maléfica, para não ser nunca descoberto por ninguém e é claro, para não ter de viver minha vida com nenhuma restrição.

Depois de algum tempo morando lá, eu baixei o Grindr e aproveitei pra conversar com varias pessoas. Na semana seguinte eu já sabia que não iria mudar. Eu não seria hétero e nunca havia sido. Me entristeci muito, lembro de chorar sozinho pois ali estava um segredo que eu carregaria para toda a vida e ninguém nunca poderia saber disso.

Sentia-me oprimido, sozinho e que nunca poderia experimentar amar de verdade. Sentia raiva por ter pedido a Deus em seu lugar mais sagrado para que me curasse e ainda assim, nada havia mudado.
Há um mês eu fui para a Europa de novo. Encontrei um rapaz gay lá e ele me levou a um bar gay. Foi a minha primeira vez dentro de um bar gay, e eu estava até dançando. Não muito confortavelmente, mas estava dançando.

Todos estavam me convencendo a ficar na Europa, a pedir por asilo e por um minuto eu realmente pensei sobre isso, porque lá lhe é dado o direito de você ser quem você quiser ser. Mas eu não podia, porque realmente amo o lugar em que nasci, eu amo o Sudão, então porque eu sou obrigado a abandonar minha nação e começar minha vida toda de novo? Por que meu país não pode simplesmente acabar com essas leis estúpidas? Por que não dão liberdade a todos para ser o que quiserem? Enquanto eu estiver pagando meus impostos, não machucando nem causando sofrimento a ninguém e não cometendo crimes, como é possível que eu esteja te incomodando? Estou profundamente triste, porque se eu decidir viver a minha vida como homem gay, eu provavelmente sairei do Sudão para morar fora, porque pessoas como eu são trazidas a essa vida apenas para sofrer e eu estou cansado de sofrer. Eu só quero descansar.

ARKAN / I

Avida no Irã é impossível por muitas razões”. Arkan, do #Irã, foi ameaçado pelo pai e pela família quando descobriram que ele se identificava como homem transgênero. Ele fugiu pra Turquia. “Quando cheguei na Turquia, estava severamente danificado mentalmente. A Turquia não é um ambiente seguro pra mim, não por conta da sociedade turca mas por conta dos outros refugiados iranianos que estão aqui. Eu me sinto seguro em meio aos outros refugiados LGBT que estão vivendo aqui, mas outros tentam abusar de mim enquanto garota.”

Arkan diz que tentou suicídio 6 vezes enquanto estava na Turquia aguardando reassentamento. Ele agora vive no Texas, EUA.

NURLAN / ssia

Olá. Me chamo Nurlan e sou da Rússia, São Petersburgo. Tenho 20 anos de idade. Eu vivo em uma família muçulmana. Meu pai me bateu e me humilhou quando eu era uma criança, mas ele continua fazendo isso até agora. Ele quebrou o nariz da minha mãe na frente de mim e minha irmã. Ele é perigoso e assustador.

Eu prefiro meninos, mas existe algo a mais…quando eu me olho no espelho, eu não gosto de como aparento. Eu não gosto dos pelos em meu rosto, no meu corpo, eu odeio esportes, não tenho amigos homens e eu uso maquiagem. Eu não me amo, mas eu preciso viver, independente de quão difícil isso seja para mim, eu tento viver plenamente da melhor forma que consigo.

É claro que as outras pessoas “normais” fazem bullying comigo o tempo todo.

Eu vivo com medo. Eu não posso ser eu mesmo em minha família, eu temo e odeio meu pai… Mas eu tento viver. Infelizmente, nós somente temos uma vida, infelizmente, mas me assusta muito pois quanto mais eu vivo mais eu percebo que não estou aproveitando a vida, que não vivo a minha vida, mas a vida de alguém. Eu me odeio e espero que algum dia eu viva a vida que sempre sonhei viver, em um lugar seguro e com pessoas gentis…

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Esta é uma tradução dos testemunhos recebidos pelo projeto “Onde o amor é ilegal” da ONG Witness Change. As traduções foram realizadas por Júlia Caetano, Igor Rosa e Bruno Ferreira.

This is a translation of the testimonies received by Where Love Is Illegal, a Witness Change project. Follow them on instagram.

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