Análise a ‘Sound of Metal’

★★★★★
O que acontece quando o teu trabalho requer apurados níveis de audição mas, de um momento para o outro, deixas de ouvir qualquer barulho e mais algum? Pois, é esta a premissa na qual assenta o filme Sound of Metal, realizado pelo relativamente desconhecido Darius Marder e brilhantemente protagonizado por Riz Ahmed, disponível no catálogo da Amazon Prime.
Numa recente entrevista, Marder relata a longa espera de cerca de 13 anos desde o surgimento das primeiras ideias até ao corolário das gravações da obra. Foi quase uma década e meia de desafios para garantir o desenvolvimento do filme, onde a ambição do realizador chegou inclusivé a ser posta em causa, quase levando à desistência do projecto. Porém, por mais que o convencessem de contrário, Marder lutou contra tudo e todos, nunca desistindo até concluir o seu sonho. Por mais escaramuças nas quais participou, estas culminaram em, provavelmente, um dos melhores trabalhos independentes do ano.

A abordagem da temática da surdez em Sound of Metal é, tal como também aparenta o seu criador, bastante arrojada. Foca-se no caminho percorrido por um baterista a procurar lidar com a sua crescente perda de audição, impedido de garantir o seu sustento para uma vida já ela demasiado atribulada. Pois, além de ter de saber aceitar a sua incapacidade, Ruben Stone (Ahmed) também enfrenta a necessidade de manter-se sóbrio após ter saído de uma clínica de reabilitação por consumo de drogas.
Embora visivelmente recuperado, Ruben é colocado numa comunidade de ex-viciados surdos pela sua namorada e também vocalista, Lou (Olivia Cooke), como forma de prevenção e de adaptação à sua nova realidade. Aqui, o filme dá-nos a entender estar longe de querer representar a perda de audição ou surdez como deficiências, mas sim como uma característica marcante de um indivíduo. É com este mantra em mente que as actividades deste grupo decorrem no dia-a-dia. Ademais, todas as personagens presentes neste campo — exceptuando, claro está, a de Riz Ahmed — são surdas por natureza, adicionando algumas camadas de realismo a Sound of Metal, para além de lhe carimbarem com uma marca de inclusividade e relevância social.
Todavia, o mais considerável é o percurso do protagonista. Não se denota uma clara evolução usual dos filmes genéricos de Hollywood, onde este aprenderia a viver com a sua surdez e acabaria por conquistar uma paz interior ou um feito hercúleo fomentado pela força da sua limitação. Pelo contrário, Ruben mantém-se convicto de se tratar de um obstáculo temporário e recuperará a sua audição após colocar um (caríssimo) implante coclear. Por mais que o demovam dessa ideia, por mais que comece a sentir-se incluído na comunidade, a meta está traçada e todos os esforços de Ruben estão virados para concretizar esse fim.

Decerto que o protagonista sofre e passa por desconfortos até poder encontrar o nirvana da sua condição. Mas, ao contrário do que se pensaria, não acaba por retomar a vida normal que tanto ambicionava, nem olha com desdém para a possibilidade de vir a ser conotado como um deficiente. O desenvolvimento de Ruben sofre vários contratempos imprescindíveis para moldarem um desfecho onde este encontra paz com a sua surdez e perde-se na calma do seu agora mundo silencioso. A originalidade moral de Sound of Metal permite traçar uma viagem com objectivos muito semelhantes a outras estórias — mas graças aos seu toque personalizado, permite oferecer uma narrativa verossímil e altamente ressonante.
Comandado pelo melhor Riz Ahmed a interpretar uma personagem com a qual rapidamente nos entrelaçamos, Sound of Metal é um dos destaques desta atípica e habitualmente agitada época cinematográfica. Trata-se de mais um certificado de qualidade do cinema independente — e que há uma pletora de talentos espalhados pela indústria à espera do momento certo para se destacarem. Se há filme a recomendar para este final de ano, então que seja Sound of Metal.