As Crónicas do J-Horror: Episódio XIII — Especial ‘Sweet Home’ (1989) — O Filme e Jogo Que Inspiraram o Resident Evil e o Survival Horror
★★★★☆
Este artigo foi escrito em colaboração com o Tiago Rafael. Obrigado!
Capítulo 1: Kiyoshi Kurosawa
Conhecido atualmente como um dos maiores e mais influentes cineastas japoneses, Kiyoshi Kurosawa possui uma filmografia particularmente singular. Os seus clássicos Cure (1997) e Pulse (2001), obras de peso no centro da explosão mundial do J-Horror, marcaram a sua ascensão internacional, com uma abordagem distinta e assinatura particular em slow burns centrados na psicologia humana, atmosfera e um suspense sugestivo.
Em 2008, numa aposta inesperada que o levou ao pico da sua carreira, Kiyoshi Kurosawa lançou a obra pela qual é (provavelmente) mais conhecido, o drama familiar de Tokyo Sonata. O vasto sucesso desta longa metragem no circuito de festivais arrecadou ao cineasta variados prémios, incluindo o Prémio do Juri Un Certain Regard em Cannes, mas não ficaria por aí. Explorando os mais variados géneros, a consistência da sua filmografia mantem-se, tendo em 2020 arrecadado o Leão de Prata no Festival Internacional de Veneza pelo seu romance histórico, Wife Of A Spy.
No entanto, o reconhecimento na indústria que veio a partir de Cure tende a ocultar o seu trajeto prévio. Antes de nos surpreender com um dos melhores thrillers de terror alguma vez concebidos, enquanto jovem realizador, Kurosawa passou vários anos a trabalhar em V-Cinema, tendo, desde cedo, começado a desenvolver uma pequena audiência de culto. Contudo, há um filme da sua autoria que parece ter ficado esquecido nos cofres dos estúdios Toho — Sweet Home!
Capítulo 2: Sweet Home, A Obra Esquecida
Não é um acidente Sweet Home ser uma obra esquecida. Apesar de escrito e realizado por Kurosawa, o produtor executivo Juzo Itami decidiu, conforme a sua visão, reeditar e filmar novamente algumas partes, lançando a sua versão do filme no mercado sem o consentimento do primeiro, o que levou a uma disputa legal e à subsequente deserção da obra por parte do realizador. Estima-se que a versão de Kurosawa continua nos estúdios da Toho, mas de qualquer forma, o Sweet Home de Juzo Itami nunca foi oficialmente lançado fora do Japão, há apenas versões legendadas na posse de empresas que vendem internacionalmente filmes raros de culto, ou dependendo da data em que leiam este artigo, poderá haver no Youtube. Mesmo no Japão, nunca houve uma versão HD ou remasterizada pelo que se torna ainda mais difícil para esta película ganhar a audiência e o reconhecimento que merece.
Para quem conhece o trabalho de Kurosawa, Sweet Home poderá revelar-se uma surpresa. Abstendo-se do estilo de storytelling a que nos habituou nas suas obras futuras, esta conta uma história comum de casa assombrada repleta de ação, com a pegada típica de filmes de terror que imortalizou o género nos anos 80, remontando a elementos de Poltergeist e Evil Dead, mas surpreendendo-nos com os seus efeitos práticos e realização (mais sobre isso à frente).
Uma equipa de reportagem viaja a uma zona remota do Japão em busca das obras do falecido artista de pinturas a fresco (pinturas em paredes ou tetos), Ichiro Mamiya, cuja obra prima permanece abandonada na sua mansão há mais de 30 anos. A equipa de Kazuo Hoshino (Shingo Yamashiro) pretende restaurar o trabalho de Ichiro e desenvolver um documentário sobre o tema, e para isso Kazuo conta com o apoio da sua filha adolescente, Emi (Nokko), a produtora Akiko, interpretada por Nobuko Miyamoto (esposa do produtor executivo Itami), Asuka (Fukumi Kuroda), repórter e restauradora profissional de arte, e Taguchi (Ichiro Furutachi), o operador de câmara.
Ao chegarem, deparam-se com uma gigantesca mansão poeirenta e não demora muito até eventos inexplicáveis começarem a interferir com o seu trabalho, começando por Asuka, que tem ataques de pânico espontâneos e comportamentos atípicos que incluem escavar o pátio da mansão dos Mamiya, precisamente no local onde se encontra o caixão de um bebé; de seguida surgem pinturas estranhas e mórbidas nas paredes, e como se não bastasse, sombras começam a perseguir as personagens que, quando apanhadas, derretem literalmente como se lançadas na lava de um vulcão.
O método visceral de ataque do espírito é o reflexo do suicídio da esposa de Ichiro Mamiya, que se atirou para a gigante fornalha da casa após o mesmo destino ter acontecido ao bebé do casal, por acidente. O acontecimento é-nos explicado pelo Sr. Yamamura, personagem interpretada pelo próprio produtor Juzo Itami, que segue Akiko de volta à mansão após esta parar na sua bomba de gasolina para abastecer combustível, e revelar-lhe o motivo da sua presença naquela zona remota.
Apesar de uma sinopse algo reciclada e recorrente no terror ocidental dos anos 80, onde Sweet Home brilha é de facto, na realização e efeitos práticos. Mesmo com pouca experiência na época, Kiyoshi Kurosawa apresenta desde cedo um elevado entendimento sobre como construir e apresentar um filme de terror — Sweet Home é um filme de série-B visualmente incrível, desde a realização, à montagem, fotografia, e direção de arte. O ambiente da mansão, a poeira, a forma como as sombras se deslocam nos pequenos trechos de luz é apenas superada pelos efeitos especiais práticos e maquilhagem, pela mão de Etsuko Egawa, Kazuhiro Tsuji, e Dick Smith, o pioneiro da área responsável por combinar maquilhagem e efeitos especiais em filmes como O Exorcista, e autor do visual de Marlon Brando n’O Padrinho, que permanece, até hoje, quase tão icónico como o filme em si.
Os fantásticos efeitos visuais de Sweet Home combinam elementos de body horror e exploitation, comuns no terror japonês da época, e dão uma assinatura distintiva à vertente sobrenatural de casa assombrada, que em geral, não necessita de gore para resultar. Neste caso, a imagem agoniante dos corpos a derreterem, que inclui olhos a liquidificarem-se por entre um corpo em decomposição são quase tão impressionantes como a revelação do fantasma da Sra. Mamiya — algo que é raro na atualidade, em que o CGI é geralmente, a primeira opção.
Outro elemento técnico que merece menção é o som, destacando-se nos corpos derretidos a ferver, o grito desesperado do fantasma da Sra Mamiya, e uma banda sonora intensa, psicadélica, dramática e aterradora, composta por Masaya Matsuura. No entanto, há alturas no filme em que muda drasticamente, tornando-se alegre e rítmica, como num jogo, o que não é coincidência, pois Matsuura é também conhecido pelo seu trabalho no mundo dos videojogos. Por vezes, a mudança de tom quebra a intensidade do filme.
Uma nota menos positiva em Sweet Home passa pela atuação, pouco memorável, e alguma falta de explicação em certas situações do filme — sim, ficamos a conhecer a história da mansão, mas nunca é explicado o que aconteceu a Ichiro Mamiya após a morte da sua família nem como o Sr. Yamamura tomou conhecimento do que aconteceu. Adicionalmente, este sabe como combater o espírito da Sra. Mamiya, o que nos deixa com o pressentimento de que há uma ligação antiga e profunda entre os dois, mas não é devidamente explicada, Kurosawa e Itami lançam-nos diretamente ao confronto entre as personagens e o sobrenatural.
Capítulo 3: O Marketing Inovador de Sweet Home
Sweet Home foi lançado numa época em que o J-Horror lutava por se manter relevante na indústria, e de forma a ampliar a publicidade aos filmes, os estúdios procuravam formas criativas de marketing que poderiam incluir temáticas externas ao cinema e televisão. No caso de Sweet Home, foi produzido em simultâneo com o filme, um videojogo!
O seu criador, Tokuro Fujiwara, trabalhou sob a orientação de Kiyoshi Kurosawa e Juzo Itami, que assumiram o papel de produtores e supervisores do jogo, permitindo a Fujiwara visitar a mansão onde se encontravam a produzir o filme, para ganhar inspiração e recolher ideias. Adicionalmente, Kurosawa deu total liberdade a Fujiwara para modificar a história se assim o preferisse.
Uns anos mais tarde, em 1996, Tokuro Fujiwara e o seu colega Shinji Mikami criaram um jogo que, originalmente, era suposto ser um remake de Sweet Home, mas no fim, inspiraram-se no que o tornou pioneiro e criaram algo único, que viria a tornar-se conhecido como um dos mais populares e aclamados franchises de sempre…
Capítulo 4: Sweet Home, Resident Evil e o Legado do Survival Horror– Análise por Tiago Rafael
Sweet Home foi um jogo criado a partir do filme com o mesmo nome, o jogo foi criado pela Capcom para a NES (Nintendo Entertainment System) em 1989, mesmo ano que o filme. Este é o jogo que deu origem ao famoso Resident Evil.
Sweet Home é uma viagem ao passado, com gráficos 2D e a 8 bits, apesar deste tipo de gráficos, o ambiente é fenomenal. É considerado um jogo de terror, apesar de não ser parecido aos jogos recentes. O jogo consiste em andar com as personagens, há 5 no total, em que cada um tem uma especialidade, com o simples objetivo de encontrar três quadros para encontrar a saída de uma casa assombrada.
Este jogo está repleto de puzzles, algo que vemos em Resident Evil, está também presente uma mecânica de luta, algo muito parecido aos Pokémons antigos, isto é, enquanto andamos pela mansão, de vez em quando aparecem inimigos, zombies, fantasmas, bonecas assombradas, minhocas, entre outros, e esta mecânica é igual à do Pokémon quando se encontra um inimigo, aparece um menu onde tens várias opções, é possível atacar, rezar (também causa dano ao inimigo), usar um item presente no inventário, fugir ou chamar um amigo.
É um jogo simples, mas divertido, é quase que uma mistura entre Outlast, Resident Evil e Pokémon. Se quiserem fazer uma viagem ao passado é um jogo muito bom para o fazer, ou até para ver como nasceu Resident Evil, com o novo quase a sair. É possível jogar no computador, online ou num emulador.
Tanto o jogo como o filme foram promovidos em simultâneo, com um trailer conjunto:
Sweet Home é considerado um dos maiores jogos de terror de sempre, e trouxe um design e modo de jogo que revolucionaram o subgénero de terror Survival Horror, que só viria a ser reconhecido pela explosão da popularidade de Resident Evil, mas, ainda hoje, este épico franchise continua repetidamente a homenagear o fenómeno perdido de 1989 chamado, Sweet Home!