Minari ∣ A Vontade de Chegar a Casa

Maria Pinto
oitobits
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3 min readJun 19, 2021

Minari é uma espécie de salsa coreana utilizada em inúmeros pratos tradicionais, que se adapta facilmente a qualquer solo e temperatura. Em 2020, “Minari” é também um filme de Lee Isaac Chung que conta a história de uma família coreana, Yii, que tenta prosperar no mundo rural da América dos anos 80. Enquanto o pai da família, Jacob, se sente confiante em relação a este novo começo, Monica, a mãe, está mais reticente, preocupada em ter dinheiro suficiente para a possível operação ao seu filho mais novo, David, que sofre de problemas de coração.

Durante todo o filme assistimos à luta desta família pela descoberta do seu novo lar. O sentimento que permanece o tempo inteiro é aquele inexplicável das saudades de casa. Nesta nova atmosfera de sobrevivência, as personagens debatem-se com os seus desejos interiores, ao mesmo tempo que tentam estabelecer uma entidade coletiva como família na sociedade americana onde agora vivem.

Com isto estabelecido, a família tem de lidar também com diversas divergências que poderão estar mais percetíveis graças à mudança que fazem. Podemos reparar em vários conflitos internos bastante presentes desde o início: Monica é religiosa enquanto Jacob parece ser mais pragmático, David e Anne (a sua irmã) entram em conflito geracional com a sua avó (que falarei mais à frente) e também podemos reparar mais subtilmente no conflito cultural entre os Yii e os restantes habitantes. O verdadeiro mote será o conflito entre os dois pilares da família, Jacob e Monica, pois a descrença inicial e permanente de Monica em relação ao futuro e o poder de Jacob em contornar e omitir os problemas criam desde cedo uma ideia de tragédia iminente. Monica diz nos momentos iniciais do filme, no final de uma grande discussão acompanhada por um tornado que poderá destruir a sua nova casa: “Se este era o novo começo que querias, se calhar nós não temos hipótese”.

O desconforto e a impossibilidade de sentir aquela casa como a “sua casa” levam Monica a convidar a sua mãe, Soonja, para ir viver com eles. A avó adapta-se, criando alguns conflitos geracionais com Anne e David que insistem que ela não é uma verdadeira avó, pois não sabe fazer biscoitos. Uma das primeiras ações de Soonja é plantar minari num riacho perto da casa onde vivem, relembrando assim Monica e Jacob, e ensinando pela primeira vez a David, que minari planta-se e cresce em qualquer solo, em qualquer país. Esta avó é também a figura principal que vai despoletar todos os problemas escondidos, o que acaba por ser o gatilho inicial para a sua resolução. “As coisas que estão escondidas são mais perigosas” diz a avó a David impedindo-o de afugentar uma cobra que encontram enquanto plantam minari.

Contudo, os problemas não se resolvem, apenas estão à superfície. Jacob e Monica continuam em desentendimento em relação ao futuro, David e Anne recusam-se a aceitar a avó, a primeira colheita da quinta acaba por ser recusada pelo comprador, e o sistema de rega que Jacob articulou acaba por não funcionar durante muito tempo. O presságio de tragédia mantém-se, e o filme faz um bom papel em enganar-nos em relação ao rumo que irá seguir. A tragédia que pensamos ser a maior não é. E quando o final chega, somos assoberbados pela surpresa. Afinal uma tragédia pode ser bela.

Minari é um filme que invoca o verdadeiro papel da família. É um filme que parece dizer que afinal o dinheiro não é o mais importante, por muito que o mundo esteja a tentar convencer-nos que sim. “Não podemos salvar-nos um ao outro mas o dinheiro pode?”, diz Monica completamente magoada. O dinheiro pode ser uma salvação. Mas, de repente, quando essa é a única solução, será que o dinheiro acaba por salvar seja o que for? O que resta depois dessa salvação?

É um filme de baixo orçamento, elenco pequeno, sem efeitos especiais, filmado em apenas 25 dias. E de repente está lá tudo o que precisamos. Como temos saudades de ver mais filmes assim…

O filme termina com uma nota de esperança e de aceitação da incerteza que faz parte da existência humana. David conseguiu correr sem morrer, Jacob aceitou um mecanismo para detetar água no solo que parece ser bastante falível. E assim continua a vida.

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