Análise a ‘The Assistant’

Guilherme Martins de Freitas
oitobits
Published in
4 min readDec 6, 2020

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Entre a força da mensagem e o aborrecimento da personagem

★★★☆☆

The Assistant, filme escrito e realizado por Kitty Green, tem, muito provavelmente, umas das avaliações mais polarizantes do website de críticas de cinema, Rotten Tomatoes. Até ao dia de hoje, observam-se 92% de aprovação dos críticos contrastados por uma mísera anuição de 25% por parte da audiência geral. Vale o que vale, obviamente. Estas avaliações, embora ligeiramente indicativas da qualidade do filme, muitas vezes estão longe de rotular uma obra como um sucesso ou um falhanço. Além disso, os gostos variam, bem como a forma como um indivíduo observa uma narrativa e os seus elementos constituintes. Ou seja, vale pela subjectividade de cada um, pelo prisma que escolhemos analisar. Porém, não deixa de ser curioso esta discrepância.

Não é caso único, no entanto. Vários filmes como The Witch, de Robert Eggers, Ad Astra, de James Gray, ou King Kong, de Peter Jackson, são outros exemplos de quão divergentes podem ser as opiniões de críticos — maior consciencialização artística — e da audiência — em busca de entretenimento e, julgo, um pouco de acção. Porém, nenhum revelou uma diferença tão acentuada quanto The Assistant. Todos estão entitulados a uma opinião, é uma lei máxima que o ser humano deve procurar respeitar. No entanto, a meu ver, parece existir um ligeiro exagero em ambas as partes no que toca às avaliações da narrativa liderada por Julia Garner (célebre pelo seu papel como Ruth Langmore em Ozark). Irei tentar estabelecer uma espécie de meio-termo.

No lado da audiência, são apontados defeitos à lentidão da narrativa, falta de desenvolvimento das personagens, inexistência de clímax ou, por palavras mais simples, um aborrecimento geral no filme. Para os críticos, aplaude-se a execução de uma sufocante rotina, da misoginia, dos abusos de poder e do privilégio como meio para atingir um fim, ou seja, o teor contemporâneo e relevante. Contudo, nem a maioria das críticas da audiência mencionam a forte mensagem de The Assistant, nem a generalidade dos críticos aborda a inércia da trama. Esta ofuscação não me parece ajustada e quem se basear nas avaliações do Rotten Tomatoes para decidir que filme ver (não façam isso) acaba por cair num duplo engano. Nem o filme é assim tão mau, mas nem é assim tão bom.

Estamos perante um filme tépido. Acompanhamos um tediante dia, cuja clausura sufocante se mascara com uma semana, quiçá um mês, de Jane, a mencionada assistente numa produtora de cinema em Nova Iorque. Esta representação metafórica parece-me prepositada por parte da autora Kitty Green, mas embora se ajuste ao ambiente da narrativa, acaba por prejudicá-la com a sua lentidão exacerbada. Identifiquei-me, definitivamente, com as sensações de reclusão emanadas pela cinematografia e o silêncio ensurdecedor em algumas cenas, porém, reconheço ser um factor que me levou em certos momentos a distanciar-me do interesse no filme.

A questão das personagens, pese embora estas realmente não possuam tanto relevo, não me parece ser o maior problema de The Assistant. O cerne do enredo vai mais além de estabelecer elos emocionais ou divulgar o caminho percorrido pelos protagonistas até ao presente momento da acção. Estes são utilizados como ferramentas para provocar inquietude na audiência, seja pelas razões proferidas anteriormente, seja para reforçar o sentido da mensagem transmitida. E é precisamente neste ponto onde se encontra uma das virtudes da obra comandada por Julia Garner, altamente contemporânea, e reveladora do privilégio e da sobranceria do homem.

Muito provavelmente inspirada nos recentes escândalos de Harvey Weinstein e de tantos outros indivíduos que abusaram do seu poder, The Assistant realça a relevância do movimento #MeToo, bem como a fragilidade e impotência dos hierarquicamente inferiores num culto empresarial. Vemos também como a indiferença e o sigilo são perigosas armas para perpetuarem tais comportamentos e como essa mentalidade facilmente se difunde pelos ramos corporativos.

Um filme de Hollywood, sobre Hollywood, e provavelmente também sobre muitas outras histórias que estão por contar. Aquilo que falta em termos de emoção é equilibrado pela agonizante mensagem, à qual é impossível ficar indiferente. Portanto, não me parece sensato olhar para The Assistant como uma péssima obra — há muita mais riqueza para lá da sonolenta acção e maçantes personagens. No entanto, é igualmente importante avaliar de todos os prismas e certamente a ubíqua letargia não abona muito a favor de quem procure uma narrativa envolvente. É, portanto, tépido, ameno, assim-assim, uma balança equilibrada num mundo cada vez mais polarizado.

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