2018: o ano das batalhas algorítmicas

No horizonte, automatização de notícias e parcerias entre redações e media labs

Daniel Magalhães
O jornalismo no Brasil em 2018
6 min readDec 11, 2017

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Dois mil e dezoito será um ano de grandes testes para o jornalismo brasileiro. Além da aguardada Copa do Mundo da Rússia, que promete trazer a cobertura jornalística automatizada em seu auge, teremos ainda uma acirrada campanha eleitoral, em que os políticos estarão dispostos a utilizar toda ferramenta ao alcance para maximizar suas presenças digitais. Será o ano das batalhas algorítmicas: de um lado, os robôs propagadores de notícias falsas, e de outro, as redações e laboratórios de mídia agindo em conjunto para transformar os dados em informações de impacto e relevância jornalística.

A boa notícia é que teremos oportunidades para estudar esta batalha pelas redes em outros cenários eleitorais. Até julho, países como Itália, México, Colômbia e a própria Rússia terão suas eleições nacionais, permitindo que observemos a evolução das coberturas jornalísticas em contextos cada vez mais afetados pelo uso de táticas e ferramentas disruptivas. Sobretudo no caso russo, poderemos observar o uso de robôs (bots) propagadores de material jornalístico, assim como as formas de combate às fake news e às tentativas de interferência externa que eventualmente ocorram.

No Brasil, o clima cáustico que envolve as próximas eleições praticamente assegura estes fenômenos. A começar pela atuação dos bots: segundo estudo recente publicado pela FGV/DAPP, contas automatizadas já têm sido capazes de motivar até 20% dos debates em apoio a políticos no Twitter. Para Marco Aurélio Ruediger, diretor da DAPP, nas próximas eleições presidenciais espera-se um “tsunami de robôs”, o que por sua vez exigirá uma maior cooperação entre centros de pesquisa e órgãos públicos como forma de monitorá-los.

Segundo o pesquisador Dan Arnaudo, a propagação de notícias falsas de modo automático se tornou um desafio para os legisladores brasileiros, uma vez que as táticas de identificação dos bots poderiam esbarrar na proteção oferecida pelo Marco Civil da internet. Um exemplo deste impasse foi observado no Projeto de Lei 215/2015 (também conhecido como “PL Espião”), que propunha exigir das empresas de internet a coleta de dados pessoais dos usuários, como nome, e-mail e RG. Embora a reação de alguns órgãos tenha conseguido estacionar o PL na Câmara, estima-se que, atualmente, mais de 200 propostas de restrição à internet e outras liberdades estejam tramitando no Congresso — nenhuma especificamente voltada ao controle e transparência no uso de algoritmos. A esperança é que, em maio de 2018, com a entrada em vigor da Regulação Europeia de Proteção de Dados (GDPR), legisladores do Brasil tenham um bom guia para lidar com a questão sem comprometer as liberdades garantidas até o momento.

No mais, enquanto se mantém o impasse, parece cada vez mais certo o papel que será desempenhado pelas tecnologias algorítmicas nas próximas eleições. Ainda mais se considerarmos a promulgação da reforma política, que embora proíba no seu art. 57-C a “veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na Internet”, ao mesmo tempo libera “o impulsionamento de conteúdos (…) contratados exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes”. Unindo estas novas regras ao modelo de financiamento aprovado pela Câmara dos Deputados, que garante o uso irrestrito de fundos pessoais, temos o vislumbre do cenário eleitoral que nos aguarda: empresas algorítmicas contratadas pelos candidatos mais ricos impulsionando material jornalístico em seu favor e contra seus adversários.

Em contrapartida, temos assistido ao surgimento de um número de ferramentas de checagem automática de fatos e um aumento no investimento das maiores redes sociais em algoritmos capazes de detectar notícias falsas e bloquear contas artificiais. Se isto funcionar a tempo e a contento, pode ser que tenhamos um ambiente digital mais protegido e civilizado. Todavia, não surpreenderá se estas ferramentas esbarrarem na própria lógica de monetização das redes, governadas por métricas insensíveis à veracidade do conteúdo.

Assim, diante da legislação inepta e da incerteza em relação a estas ferramentas, é seguro dizer que caberá sobretudo ao jornalismo a tarefa de fiscalizar e filtrar a boa informação. Para que isto seja possível, entretanto, é fundamental que as redações invistam tanto em programação algorítmica quanto na expertise dos seus profissionais para lidarem com dados. E é neste contexto que esperamos para 2018 um avanço ainda maior na cooperação entre redações e laboratórios de mídia — os chamados media labs, centros de pesquisa aplicada públicos ou privados empenhados na busca por soluções para questões como a dos bots.

Pesquisas como as realizadas pelo professor Fábio Malini no LABIC (da UFES) demonstram o potencial jornalístico dos grafos estruturados a partir do mapeamento de interações. Iniciativas como a da ESPM-SP reúnem um time de patrocinadores e parceiros que desenvolvem “pesquisas, estudos, experimentos, seminários, cursos, dentre outras atividades e produtos”.

Segundo o pesquisador Sérgio Lüdtke, alguns jornais brasileiros já têm investido em media labs com vistas à inovação na análise de dados e produção de conteúdos multimídia. Mais recentemente, o Estadão uniu-se à agência FCB Brasil e fundou o Media Lab Estadão, grupo focado na mensuração de resultados e audiência, além da gestão de mídias digitais do jornal. Isto para não falar dos laboratórios estrangeiros que chegam ao país para atuar localmente. O News Lab da Google já está entre nós e tem se dedicado a fazer a ponte entre jornalistas e os bancos de dados da empresa. O Facebook Journalism Project promete internacionalizar-se no ano que vem e logo chegará ao Brasil. Dois mil e dezoito será, portanto, o ano em que os jornais e laboratórios de pesquisas aplicadas encontrarão um cenário bastante fértil para projetos colaborativos.

Um ano decisivo para o Brasil em muitos aspectos. Com otimismo, podemos esperar eleições honestas e civilizadas, onde a verdade impere nos jornais. E com ainda mais otimismo, podemos esperar uma grande Copa do Mundo para nós: os números nos colocam como favoritos ao tão sonhado “hexa”. Se a cobertura do evento for tão moderna quanto se espera, veremos a automatização de notícias de forma ainda mais clara do que nas Olimpíadas do Rio. Algoritmos como Heliograf (do Washington Post) já são capazes de montar agendas esportivas automáticas com análises personalizadas para cada leitor. Startups como Narrative Science e Automated Insights já estão produzindo com seus algoritmos milhões de notícias esportivas e as vendendo a preços irrisórios para revistas, jornais e agências como Forbes, Comcast e Associated Press.

É de se esperar, portanto, que logo estas iniciativas passem a abastecer redações brasileiras com análises táticas, previsões de resultados, desempenhos coletivos e individuais, além de movimentações no mercado esportivo e de apostas. Se assim for, teremos na Copa da Rússia um importante marco na transição das redações brasileiras rumo a esta nova forma de fazer jornalismo, suportada pelos avanços no aprendizado de máquinas.

Teremos a cobertura esportiva totalmente automática? Seremos servidos por algoritmos em nosso evento mundial favorito? Estas são questões para muito em breve. Por enquanto, nos cabe esperar ótimos jogos para que estejamos de bom humor na hora de votar.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2018. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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