A diversidade pode salvar o jornalismo da falência e da irrelevância

Coprodução entre veículos e mudanças nos processos de seleção descentralizarão a imprensa e tendem a aumentar a audiência

O jornalismo no Brasil em 2018
6 min readDec 11, 2017

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Texto escrito em coautoria com Simone Cunha

Quando o YouTube lançou seu primeiro aplicativo para upload de vídeos, a equipe tomou um susto. Cerca de 10% dos vídeos estavam sendo publicados de ponta-cabeça. Descobrir a origem do problema e refazer o código custou milhões de dólares à empresa. A resposta para o mistério: os uploads errados eram publicações de pessoas canhotas. Uma solução simples, como criar uma funcionalidade que rotacionasse automaticamente, não havia sido pensada porque todos da equipe de desenvolvedores eram destros.

Buscar diversidade no ambiente de trabalho encurta os caminhos para a inovação. As pessoas veem e julgam o mundo a partir de um acúmulo de experiências pré-existentes. Exigir variedade de soluções e resultados quando se tem uma equipe homogênea é rodar em círculos.

Apesar de ser difícil discordar dessa afirmação, o que vemos nas redações hoje ainda é mais do mesmo. A imprensa brasileira continua composta por profissionais com condições sociais e econômicas muito parecidas (o percentual de negros entre os jornalistas é inferior à metade da presença de pretos e pardos no Brasil, por exemplo), tem fontes de financiamento semelhante e transmite uma sensação de que a agenda pública é a mesma para todas parcelas da sociedade.

Por entender a questão como um problema central da profissão, a Escola de Jornalismo da Énois, um programa que forma anualmente jovens das periferias de São Paulo e outras regiões em jornalismo, criou colaborativamente o Manual de Diversidade no Jornalismo. O guia é aberto e sugere formas para ocupar a imprensa tradicional e independente com pautas que reflitam as maiorias: mulheres, pretos e pardos, pobres e moradores de periferias, como é o caso de projetos como o Entreviste uma Mulher e Entreviste um Negro.

Abaixo, selecionamos três tendências que, acreditamos, veremos com mais frequência nas redações em 2018:

1. Mudanças nos processos seletivos

A norte-americana ProPublica, com 70% de brancos na equipe, criou um fundo pago para não-brancos fazerem estágio remunerado (os estágios na agência são todos não remunerados e acabavam atraindo sempre o mesmo público). No Brasil, a agência Widden+Kennedy está no segundo ano de seu programa de trainee voltado para jovens das periferias de São Paulo que envolve, além do trabalho, um processo de formação e capacitação que contrata, inclusive, quem não tem diploma universitário.

Diversas redações e empresas de comunicação em São Paulo estão questionando seus processos seletivos, exigências de currículo e contrapartidas oferecidas no intuito de serem mais atrativas para jovens de outras classes sociais e experiências. É o primeiro passo que deve ser acompanhando com cautela, para que não se isole a diferença ou, no caso de selecionar um grupo “diverso”, crie-se um gueto dentro do espaço de trabalho.

2. Diversificar o comando

Elaine Welteroth, diretora de redação da revista Teen Vogue americana, foi a segunda mulher negra em 107 anos a ocupar o cargo de Editora Chefe na Condé Nast — e também a mais jovem no cargo. Rapidamente começou a fazer mudanças estruturais no projeto editorial da revista, trazendo questões sociais e políticas para o debate. O resultado: o site da revista pulou, em um ano, de 2,9 milhões de visitantes para 7,9 milhões. E a seção de política agora ultrapassa a seção de entretenimento em número de views.

Em 2016, a imprensa nacional cobrou diversidade da composição de ministros do governo Temer, mas poucos jornais se questionaram sobre a configuração de quem manda nas redações. Com a pressão das redes sociais nos casos recentes de racismo e machismo praticados por jornalistas, esse é um dos temas que não escapa da fila. Uma vez que se muda quem entra, é preciso pensar em quem fica. Ter mulheres, homossexuais, transgêneros, negros e outros grupos minorizados em cargos de chefia são caminhos para repensar a cobertura jornalística de um veículo e impactam diretamente na audiência e nas fontes de financiamento.

3. Coproduções entre veículos deve aumentar

Outras ações apontam para soluções de coprodução, como a que a Énois tem com o UOL TAB para a produção mensal de reportagens por jovens das periferias, com o objetivo de alcançar um público específico que não acessa o canal. A primeira delas, sobre balada jovem, teve a segunda maior audiência do UOL TAB de 2016.

Vimos também se consolidar nos últimos anos parcerias como a do Mural — agora uma agência de jornalismo das periferias de São Paulo — com a Folha de S. Paulo e experiências como a do Periferia em Movimento com o NEXO Jornal. É uma tendência que se justifica não apenas pelo fator econômico (de redações mais enxutas que não conseguem cobrir questões locais), mas também porque esses veículos chancelam o conteúdo, dando a ele um selo de autenticidade: é a periferia falando sobre a periferia.

É importante notar que 2018 será um ano de eleição. Nos EUA e na Alemanha, a cobertura e a disseminação de informações falsas pelas redes sociais criaram condições para que veículos concorrentes trabalhassem juntos para checar informações. Por isso também, cria-se o cenário propício para que o movimento de coprodução ganhe força por aqui.

Caminho sem volta

A busca por representatividade parece ser um caminho sem volta. Quer queira, quer não, a sustentabilidade do jornalismo no futuro irá depender da sua diversidade de equipes e de pautas. Primeiro porque a homogeneidade das redações afasta o jornalista de um retrato próximo da realidade. Ou seja, de largada, deixamos de cumprir nossa função social. E depois, porque deixamos escapar oportunidades de financiamento e alcance quando falamos apenas da menor para a também menor parcela da população. É a diversidade que diminui nossos pontos cegos.

Se ainda não estão convencidos, um estudo feito pela consultoria Mackinsey, em 2015, com 366 instituições de ramos diferentes no Canadá, América Latina, Reino Unido e Estados Unidos constatou que empresas com diversidade de gênero são 15% mais propensas a ter melhores performances financeiras. Da mesma forma, empresas com diversidade étnica são 35% mais predispostas a aumentarem a lucratividade. Nos EUA, a cada 10% de aumento na diversidade racial de uma empresa, o EBIT (lucro antes de juros e taxas) sobe 0.8%, dizem os dados da Mackinsey.

Claro, não é mágica. Como uma pesquisa de 2014 dos EUA (American Press Institute and the Associated Press-NORC Center for Public Affairs) mostrou, a elevação da diversidade étnica nas redações de lá não se traduziu necessariamente num retrato mais fiel para as comunidades negra e hispânica. Para que o impacto seja, de fato, o aumento do público, pautas novas e formatos inovadores, é preciso um certo grau de horizontalidade nos processos de produção. É preciso criar espaço e método para o diálogo. Caso contrário, quem manda vai continuar decidindo — sem uma escuta amorosa e atenta — o destaque na home e a manchete da capa.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2018. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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O jornalismo no Brasil em 2018

jornalista e co-fundadora @enoisconteudo | Escola de Jornalismo | #RedaçãoAberta. bolsista @ICFJ . pesquisa ecossistemas de informação local.