Em 2018, a área de produto vai receber a atenção que merece

As ideias mais inovadoras devem vir dos novos negócios digitais

O jornalismo no Brasil em 2018
5 min readDec 11, 2017

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A metáfora da criação de produtos para buscar receita incremental no Jornalismo é resumida à história da conexão de internet: enquanto companhias de tecnologia caminham a passos de altíssima velocidade, conquistando cada vez mais espaço (virtual e dos negócios), as publicações — que deveriam pensar em tecnologia constantemente — se arriscam por movimentos lentos, similares a uma conexão discada.

Com o lema de fornecer comodidade por meio de tecnologia, a Apple bateu recorde de receita no terceiro trimestre de 2017, com 16% vindo de serviços (Apple Music, Care, Pay, App Store, entre outros), a segunda maior fonte — mais do que a venda de iPads, Apple Watchs e outros aparelhos. Mas as empresas de mídia parecem ouvir pouco do barulho que a gigante da tecnologia faz no universo dos negócios. A história precisa — e deve — ser diferente em 2018.

Clayton M. Christensen, professor de Administração da Universidade de Harvard, nos ensina que “as empresas estabelecidas tendem a ser boas na melhoria do que elas vêm realizando bem durante longo tempo e que as empresas estreantes parecem adequadas para explorar radicalmente as novas tecnologias”. A obra "O Dilema da Inovação: Quando as Novas Tecnologias Levam Empresas ao Fracasso", escrita em 1997, faz sentido no cenário brasileiro: é dos novos negócios que devem surgir as ideias mais promissoras em 2018. O movimento deve ser mais tímido entre as grandes empresas de mídia. Isto porque os nativos digitais apostam fortemente em inovação e operam com uma lógica de experimentação rápida, segundo a qual apenas ideias que logo se mostram promissoras recebem mais investimentos. Exemplos não faltam: Jota, Poder360, Brio, Lupa e Nexo.

Concebido em 2014, o Jota é um dos símbolos de como é possível criar projetos jornalísticos que solucionam uma necessidade de mercado — no caso deles, o jurídico. Seu modelo de negócio é fatiado, principalmente, em quatro ofertas e baseado em dois valores nada desprezíveis: o cuidado com conteúdo e serviço. Seus produtos são subsidiados para públicos distintos e distribuído de acordo com o desejo de seus clientes — redes sociais, WhatsApp com informações pontuais e urgentes para rápidas tomadas de decisões, relatórios mais aprofundados para determinados clientes, entre outros.

A participação de uma área de Produto, concebida em 2017, é essencial. Diz Laura Diniz, cofundadora do Jota: “A chegada de uma gerente no núcleo (Patricia Gomes) mudou completamente nossa atuação. A Patricia tem uma real liderança multidisciplinar, que inclui responsabilidades analíticas, de aperfeiçoamento de produto e construção de novos serviços, além da responsabilidade direta dos recursos (pessoas e orçamento) da área.” No Jota, a área de produto tem o valor que merece: “Temos muitos serviços na prateleira e uma infinidade de ideias na cabeça do time. Então, precisávamos de alguém para nos ajudar a avaliar e priorizar as ideias novas”, finaliza.

Ter profissionais multidisciplinares com foco na criação de serviços e em executar missões cruciais para ampliar a comunicação entre as áreas de tecnologia, editorial e marketing é o que une dois dos negócios que melhor se adequam à nova realidade digital e financeira no exterior e devem ser inspiração para os brasileiros: The Washington Post e The New York Times. A estratégia é nobre: dar valor a um negócio, hoje, desvalorizado, e, principalmente, obter receitas alternativas e ampliar o atendimento ao consumidor final.

O caso do The New York Times é o mais representativo — um dos poucos a ser sustentado por números. Desde que lançou em dezembro de 2015 um documento para expor aos olhos do mundo suas estratégias nos anos que estavam por vir, a publicação se movimenta na tentativa de manter a excelência de seu jornalismo. Para tanto, começa a colher frutos por meio de seu robusto investimento de mais de 30 milhões de dólares ao The Wirecutter — guia que recomenda os melhores produtos a serem adquiridos que, em 2015, produziu 150 milhões de dólares de transações financeiras — e, seu coirmão, The Sweethome. Em menos de um ano, o item relativo a “outras receitas” cresceu exponencialmente, com acréscimo de 5 milhões de dólares, graças ao rendimento proveniente por suas novas estratégias, segundo relatório trimestral entregue ao mercado e visto por uma lupa por ávidos investidores em novembro.

A notícia veio acompanhada por mudanças, como o recente anúncio da expansão do The Wirecutter a outros assuntos e categorias, casos de guias especializados em bebês, animais domésticos e conselhos financeiros. Para 2018, não seria uma surpresa a replicação do modelo pela concorrência, com afiliações e divisão de receitas. Já há interessados.

Para que tais inovações virem realidade no setor nacional, é preciso o amadurecimento de dois movimentos indissociáveis: maior atenção dedicada ao público para, quem sabe, tornar esse cuidado uma moeda de negociação para a sustentação de um projeto. Assim, a área de produto ganha maior importância nas empresas de mídia. Uma das estratégias para monetizar essa atenção é o recrutamento de especialistas em comércio eletrônico, que, na prática, são profissionais que geralmente sabem ganhar dinheiro na internet.

Readequar a área de produto é um meio, portanto, de combater o excesso de ofertas gratuitas no mercado jornalístico, um problema que, conforme “O Paradoxo da Escolha”, do psicólogo Barry Schwartz, perturba a capacidade de escolha. Pior: não paga a conta. Que 2018 seja o período para refletir sobre quais formatos serão adotados aos conteúdos e pensar que é sempre possível transformá-los em serviço, assim como os desenvolvedores israelenses que conceberam o Waze — uma atividade, por essência, jornalística. Trata-se de uma tarefa da profissão com a responsabilidade do tamanho do desafio que terá pela frente: a busca agressiva por novas receitas para manter o maior e mais nobre valor do jornalismo — o de contar histórias com compromisso com a verdade.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2018. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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O jornalismo no Brasil em 2018

Journalist, Digital Product Manager at @CartolaFC (@RedeGlobo) and Fantasies Games, Business Model And Digital Journalism Professor at @FAAP and @CasperLibero