Notícias falsas se multiplicarão em ano eleitoral

Polarização política da sociedade e o poder das mídias sociais favorecem fenômeno

Pablo Ortellado
O jornalismo no Brasil em 2018
5 min readDec 11, 2017

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O termo “notícias falsas” utilizado para descrever o problema da difusão de informação falaciosa apresentada como notícia nas mídias sociais é recente. Ele se difundiu em dezembro de 2016, quando a campanha presidencial americana se encerrava e foi utilizado para se referir a sites maliciosos que apresentavam boatos e mentiras travestidos de notícia com o intuito de desinformar para ajudar a ganhar as eleições.

Logo em seguida, o termo foi apropriado pelo então eleito presidente Donald Trump para designar os veículos da grande imprensa que faziam críticas a sua gestão que ele considerava infundadas. A partir desse momento, notícias falsas (“fake news”) tornou-se um termo esvaziado de sentido próprio, utilizado apenas para desqualificar adversários. Mas será que há algum conceito subjacente a essa expressão?

É preciso, antes de tudo, diferenciar o fenômeno atual das notícias falsas de outros mais antigos. A difusão de boatos com propósitos políticos e o jornalismo de combate, por exemplo, existem há muito tempo e não têm nada de novo. O que é novo no fenômeno contemporâneo das notícias falsas é a combinação da polarização política da sociedade e o papel das mídias sociais como vetor de difusão de informações.

Polarização política não é apenas antagonismo ou conflito. A política é por natureza conflitiva, porque diz respeito à disputa pelo poder. A polarização pode ser definida então como um antagonismo tão agudo que as posições se alinham automaticamente, de maneira que tudo o que um campo afirma, o outro nega.

Isso não é tão infrequente no sistema político-partidário — desde os anos 1990, por exemplo, tudo aquilo que o PSDB propõe no Congresso, o PT se opõe e vice-versa. Mas, na sociedade civil, a polarização política é bastante incomum, de maneira que a experiência de conflito acentuado que vivemos hoje é excepcional.

Estamos vendo uma polarização de toda a esfera pública, isto é, das pessoas que discutem política fora dos partidos políticos. Estamos falando das milhões de pessoas que leem jornais, revistas e blogs e debatem com alguma regularidade e interesse os assuntos públicos. Desde 2014, esse grupo, que deve ser algo como 10% a 15% da população brasileira, está polarizado em dois campos: um campo antipetista, que denuncia a corrupção, e um campo de esquerda, que defende o legado social dos governos Lula e Dilma.

A outra mudança que precisamos levar em conta é o papel crescente das mídias sociais como meio de difusão de informações. Hoje, quase 60% dos domicílios brasileiros têm acesso a internet e, entre as mídias sociais, o Facebook é utilizado por 57% e o Whatsapp por 46%. Nessas redes sociais, que hoje informam duas vezes mais do que os meios impressos, o vetor de difusão das notícias é o compartilhamento.

Cada vez que um usuário compartilha uma notícia nas mídias sociais ele a transmite à sua rede de contatos pessoais e profissionais. Todo dia, cerca de 3 mil matérias sobre política produzidas por mais de 200 sites brasileiros são compartilhadas no Facebook, 1 milhão de vezes no total. É da combinação explosiva do papel central das mídias sociais com a polarização política que nasce o fenômeno contemporâneo das notícias falsas.

Como a esfera pública está muito polarizada, uma parcela significativa da sociedade está em modo de guerra, utilizando as mídias sociais como campo de batalha da disputa política. Seja para afirmar a própria identidade política, seja para combater as alegações do campo adversário, cerca de 12 milhões de brasileiros compartilham ou interagem com as notícias políticas no Facebook.

Essas notícias não estão servindo ao propósito de informar, persuadir ou fazer refletir. Elas têm sido usadas sobretudo como arma política num ambiente de guerra de informação. Quase tudo o que é muito compartilhado hoje no Brasil reforça um dos dois discursos da polarização.

Isso acontece porque a disposição beligerante, o antagonismo contra o adversário “que quer proteger corrupto” ou que “quer defender os privilégios” é um potente motor do ato de compartilhar. É para se afirmar como alguém que “combate a corrupção” ou que “defende os direitos sociais” ou para atacar as impropriedades do campo adversário que as pessoas compartilham. Esse gesto beligerante de compartilhar para se afirmar ou atacar o adversário inunda os feeds de notícias dos brasileiros com informações de baixa qualidade que são úteis apenas ao jogo da polarização.

Esse ambiente no qual milhões de cidadãos brasileiros se veem como soldados numa batalha ideológica corrompe toda a esfera pública digital. Como as mídias sociais são hoje o meio mais importante para a informação, logo depois da televisão, todo o ecossistema produtor de notícias é afetado pela corrupção do ambiente político. Qualquer veículo que quer hoje ter um bom desempenho precisa produzir notícias que apelem a esse espírito beligerante, do contrário, as matérias não serão compartilhadas e não encontrarão um público.

O resultado não é apenas a ascensão dos sites maliciosos que produzem notícias deliberadamente falsas, buscando ganho político ou econômico, mas também que os meios mais profissionais são pressionados a reduzir o padrão editorial para atender a um público polarizado e beligerante que exige informação de combate para compartilhar nas redes.

Se isso já tem sido um componente estrutural do debate público brasileiro, ele deve ser bastante agravado no ano que vem, durante o período eleitoral, quando os esforços de campanha devem mobilizar essa disposição militante da esfera pública para difundir e combater posições políticas dos candidatos. Foi isso que vimos no referendo do Brexit e nas eleições argentina, americana e francesa — não há qualquer motivo para supor que aqui será diferente.

O fenômeno das notícias falsas não foi causado pela ascensão das mídias sociais, nem pela proliferação de sites maliciosos. Na verdade, as notícias falsas não são a doença, são apenas um sintoma. Nossa doença é a polarização e, em ano eleitoral, ela só vai piorar.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2018. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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Pablo Ortellado
O jornalismo no Brasil em 2018

Professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP. Coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital.