O ano da união de forças entre mídia e Academia

Enquanto o governo prevê cortes em ciência e tecnologia, investimentos privados trarão oportunidades para jornalistas

O jornalismo no Brasil em 2018
5 min readDec 11, 2017

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Vamos mirar alto. Se os jornalistas científicos cumprirem um bom papel em 2018, a Terra deixará de ser plana, as vacinas voltarão a funcionar, a humanidade, enfim, pisará na Lua e as alterações climáticas não serão mais uma falácia. Antes de tomar a frase acima como 100% irreverente, lembre-se: milhares de pessoas acreditam nestas inverdades, conforme atestam os vídeos no youtube e a eleição de Donald Trump.

É que na rede proliferam interpretações equivocadas do que é ou não um fato científico, como bem sabe Charles Darwin. O naturalista britânico é o favorito dos negacionistas, para quem a Origem das Espécies é “apenas uma teoria”. Acontece que, em ciência, teoria não se refere à defesa apaixonada de uma ideia, mas sim a um entendimento do mundo natural que pode ser repetidamente testado por método rigoroso. Robustas, as teorias científicas incorporam conhecimento e sobrevivem a um escrutínio severo.

Mas o que a Terra plana, a Casa Branca e Charles Darwin tem a ver com as perspectivas para o jornalismo ambiental no Brasil em 2018? Fique comigo.

Em 2011, foi com um arcabouço de informações originadas na exigente metodologia da mesma ciência moderna, que pesquisadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC) redigiram um documento para contestar a flexibilização do Código Florestal promovida pelo Congresso Nacional. Foram sumariamente ignorados, afinal, eram “apenas teorias”. O imbróglio se arrasta até hoje e está nas mãos do Superior Tribunal Federal (STF). Ouviremos a respeito em 2018.

As mudanças no conjunto de leis que deveriam proteger as florestas do Brasil tomam proporção ainda maior nos dias de hoje. Michel Temer tem perigosamente utilizado o meio ambiente como moeda de troca para sua sustentação no poder, valendo-se dos interesses da bancada ruralista. Via de regra, prospera o que passa despercebido das redes sociais e o governo retrocede nos pontos mais polêmicos. Este roteiro vai manter ocupadas as redações na primeira metade do ano.

Outra pauta certa é a do corte de investimentos em ciência e tecnologia. No final de outubro, o governo federal propôs reduzir em 25% os investimentos no setor, que já foram os menores da história em 2017, conforme tem reportado o jornalista Herton Escobar, do Estadão. Os líderes das entidades representativas falam em desastre e estão certos: o desmantelamento de grupos de pesquisa que melhorariam ou salvariam vidas e a fuga de cérebros, a médio prazo, custam muito mais caro do que a economia sugerida pela equação primária de Brasília.

Para a ciência, o cenário sugere aportes de recursos do setor privado, principalmente de organizações americanas e europeias, mas, também, de iniciativas nacionais como o Instituto Serrapilheira. Por duas razões, esta conjuntura deve abrir oportunidades para jornalistas: (i) para garantir a atenção de financiadores, será necessário comunicar para um público mais amplo os resultados dos estudos e (ii) haverá maior flexibilidade para a alocação de recursos na comunicação do que nos projetos custeados pelo engessado setor público.

Com um quadro favorável à cooperação, 2018 pode ser o ano em que veremos a consolidação de um senso de comunidade entre os membros da Academia e os profissionais de mídia, em uma união de forças capaz de ser parte da solução dos problemas estruturais do jornalismo por aqui. Temos excelentes repórteres e editores competentes, mas carecemos de multiplicidade de canais. A cobertura da temática socioambiental é insuficiente e, muitas vezes, uníssona, enquanto a divulgação científica necessita com urgência de um novo impulso.

Por sorte, há sinais de mudanças positivas, como a editoria Acadêmico, do Nexo, que oferece espaço a cientistas, além das mobilizações de jornalistas nas redes sociais que sugerem ser este o momento ideal para a retomada da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) e para o fortalecimento da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA). Um caminho pode ser o da realização de fóruns e workshops nos quais mídia e Academia se reúnam. Tais eventos poderão fortalecer o jornalismo ambiental local, em suspensão após a derrocada dos blogs na internet. No ano que passou, sites de notícias como o Amazônia Real, sediado em Manaus, demonstraram o potencial de reinvenção da cobertura descentralizada.

Outro fator capaz de promover a aproximação com cientistas é o ingresso cada vez maior no mercado de jornalistas habilitados a lidar com dados e informações de grande densidade. InfoAmazonia, Repórter Brasil, Agência Pública e Ambiental Media (da qual sou fundador) têm apostado na visualização de dados em reportagens ambientais, assim como alguns dos jornais mais tradicionais. É de se esperar, portanto, profunda simbiose entre o jornalismo ambiental e o investigativo em 2018.

Não faltarão pautas. A taxa histórica do desmatamento na Amazônia revela que mesmo um aquecimento modesto no mercado internacional de commodities, aliado ao atual contexto de redução de ações de fiscalização em função de corte orçamentário, tende a resultar em aumento das áreas desmatadas e dos conflitos por terra. E ainda teremos eleições, o que significa que o meio ambiente ocupará papel central no debate político — basta lembrar da conexão entre as propinas denunciadas na Lava-Jato e as grandes obras de infraestrutura na região Norte.

Apesar do lastro para parcerias com organizações científicas, jornalistas não podem perder de vista a essência da profissão: é fundamental ir além dos dados, questionar as conclusões dos estudos e investigar os possíveis conflitos de interesse. No Brasil, esse tipo de cobertura ainda é escassa, mas projetos baseados em análises e investigações, como o Direto da Ciência, são um sopro de esperança.

A inovação, contudo, não se dará apenas na abordagem, mas também nos formatos. Gráficos, infográficos e ilustrações para comunicar ciência e meio ambiente serão ainda mais utilizados por jornalistas em 2018 e o espaço para os podcasts segue disponível, conforme indicam os bem-sucedidos Vozes do Planeta, Fronteiras da Ciência e Dragões de Garagem.

Combater a ignorância com informações refinadas pode soar como abstração, mas é exatamente o caminho a ser tomado: respostas elaboradas, bem fundamentadas, claras e com “roupagem” atraente para contrapor argumentos descabidos e, não raro, desprovidos de boa intenção. Quem sabe assim possamos cooperar para que a sociedade compreenda que o encadeamento aparentemente lógico de um determinado discurso não torna seu teor verdadeiro. É preciso, antes, colocá-lo à prova, algo no qual o método científico ainda é imbatível.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2018. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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O jornalismo no Brasil em 2018

Jornalista e escritor. Fundador da Ambiental Media, ex-editor da National Geographic Brasil. Pós-graduado em Jornalismo Empreendedor pela City University de NY.