Veículos tendem a ficar presos em bolhas durante a cobertura das eleições 2018

Mais do que a mensagem, circulação de reportagens e artigos depende da percepção dos usuários nas redes sociais

Gabriela Zago
O jornalismo no Brasil em 2018
4 min readDec 11, 2017

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O que esperar do jornalismo e das conversações políticas nos sites de rede social em ano de eleições? Uma grande polarização do debate, em parte devido ao modo de funcionamento das próprias redes.

Como se sabe, sites de rede social como Twitter e Facebook se baseiam principalmente no poder de espalhamento — é possível curtir e compartilhar conteúdos que poderão, por sua vez, ser vistos pela rede de seguidores de um determinado usuário. Ao discutir temas controversos, tendemos à formação de grupos ideológicos distintos. Há ainda uma tendência natural a seguirmos pessoas com quem temos afinidade, o que apenas reforça os posicionamentos semelhantes.

As ferramentas não são neutras. Para além das escolhas pessoais, nas redes sociais na internet também entram em cena os múltiplos algoritmos que regulam o que vemos nas nossas linhas do tempo. Cada vez que curtimos algo, estamos enviando ao Facebook um recado indicando que gostaríamos de ver mais daquilo. Cada vez que deixamos de curtir algo, mandamos um recado que indica que não queremos mais ver conteúdos similares. Como resultado, acabamos vendo mais daquilo com o que nos identificamos, e menos do que não compartilha do nosso ponto de vista.

É nessa combinação entre escolhas pessoais e escolhas tecnológicas que emergem os filtros-bolha. Se não nos expusermos a conteúdos contrários ao que pensamos, passaremos a achar que todo mundo pensa como nós, criando uma falsa sensação de consenso. E esse cenário é o ponto de partida para a circulação de informações falsas que prejudiquem um determinado candidato de oposição, ou discurso de ódio contra adversários no outro lado do espectro político.

As conversações em rede são marcadas por essas bolhas. E o próprio jornalismo se vê entranhado nesse processo. Para que suas mensagens circulem, os veículos dependem das ações dos usuários nas redes. Conforme os termos utilizados ou a forma como são percebidos dentro do espectro político, os veículos jornalísticos têm sua circulação prejudicada pelos filtros-bolha e tendem a permanecer “presos” dentro de grupos com a mesma posição ideológica. Uma análise das redes de conversação no Twitter ao longo do tempo durante o processo de impeachment de Dilma Roussef revelou que veículos apareciam consistentemente em grupos de apoio ou contrários ao impeachment, com praticamente nenhum trânsito entre os grupos. Mesmo quando tratavam de assuntos factuais, determinados veículos eram replicados mais frequentemente dentro dos mesmos grupos, com raras exceções. Ou seja, mais do que a mensagem, a circulação dos materiais jornalísticos nas mídias sociais depende da percepção dos leitores.

Em termos práticos, isso significa que, mesmo que os jornais não se posicionem diretamente, as práticas de replicação do público vão fazer com que certos veículos circulem em bolhas durante o processo eleitoral de 2018, com pouca movimentação entre os grupos distintos.

Além das bolhas de conteúdo, bots estarão presentes nestas eleições, replicando conteúdos contrários ou favoráveis a determinados candidatos, o que pode ajudar a criar uma falsa aparência de consenso por conta do volume inflado de replicações. Notícias falsas também devem aparecer e serem altamente replicadas, o que vai fazer com que se faça cada vez mais necessário investir em uma checagem de fatos rápida e eficaz para separar notícia de boato.

O jornalismo pode combater esse fenômeno desmentindo informações falsas, ou apresentando todos os lados de um debate, como uma forma de, potencialmente, circular em mais de um grupo e penetrar em mais de uma bolha. Os mesmos canais e estratégias empregadas para a circulação de notícias falsas podem ser utilizadas pelo jornalismo tradicional para desconstruir boatos e promover o debate sobre temas controversos. A rede é formada pelo espalhamento, logo, investir em conteúdo em um formato adaptado para ser compartilhado nas redes é um caminho para aparecer em mais timelines. Iniciativas como a do Washington Post, que oferece aos leitores artigos com opinião diversa daquele que foi lido, também mostram que é possível "furar" essas bolhas.

Educar o leitor sobre o funcionamento da rede é outra forma de tentar contribuir para o debate público. É preciso fazê-lo compreender que nem tudo que ele vê — ou deixa de ver — nas timelines do Facebook ou Twitter é verídico e que ele deve questionar a veracidade de determinadas publicações. Além disso, embora possa parecer óbvio para alguns, pode não ser tão evidente para todos que cada um vê uma linha do tempo diferente não só devido às escolhas quanto a quem seguir, mas também em função dos conteúdos com os quais interage e das decisões da própria ferramenta.

Em síntese, o prognóstico é pessimista. Entender os filtros é um caminho para ir além deles. Mas a solução não virá a curto prazo.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2018. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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Gabriela Zago
O jornalismo no Brasil em 2018

Doutora em Comunicação e Informação. Pesquisadora na área de cibercultura.