Como é a minha experiência escrevendo um zine de RPG

Carlos Silva
Old is Cool
6 min readJul 12, 2018

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Meu grande amigo Caleb me pediu que eu escrevesse esse texto e não tive como recusar o pedido desse cara, mas na hora me deu um nó na garganta. Eu ia ter que ser transparente acerca das minhas intenções que são muito menos nobres do que o amor pelo RPG, do que a vontade de divulgar o Lamentations ou de qualquer outra coisa ligada ao hobby. Eu comecei a escrever um zine que já vai para sua segunda edição por questão de sobrevivência mesmo. Vou ter que entrar em diversos temas pessoais que me perturbam para explicar isso, tentarei ser sucinto e mostrar como isso se desencadeou.

Como surgiu a necessidade de escrever

Em 2015 eu me mudava para São Paulo, vim sozinho, mas tinha um par de amigos aqui. Eu tenho transtorno de ansiedade, depressão e autismo e é a primeira vez que eu comento publicamente sobre isso, muitos dos meus amigos próximos não sabem disso, nunca senti necessidade de revelar.

Esses amigos me receberam bem nos meus primeiros dias, marcaram para eu sair com eles e eu me senti muito acolhido. Até que alguns meses depois resolvi convida-los ao meu aniversário que seria num show gratuito em lugar publico em SP. Com tudo combinado eu espero essas pessoas e nada delas aparecerem, mandei uma mensagem, mas meu amigo disse que tinha tido um problema e estava super ocupado. Fiquei triste por passar meu aniversário sozinho, mas assisti ao show e resolvi fazer o melhor com o que eu tinha em mãos naquele momento, no dia seguinte meu amigo publica fotos dele em uma festa no facebook, ok entendi o recado, o cara não quer mais se relacionar comigo.

Após isso foram 2 anos onde eu vivi em quase completo isolamento da sociedade, trabalho casa, casa trabalho e uma eventual reunião com meus amigos de Niterói que a cada quantidade de tempo vinham ver como eu estava, às vezes preocupados com meu estado atual.

Vocês devem estar se perguntando que caralho isso tem a ver com a zine, parece totalmente não relacionado, mas não é bem assim e eu vou chegar lá.

Neste período eu estava sem jogar RPG a bastante tempo, vomitava meus desgostos e minha depressão escrevendo musica, textos em geral, escrevendo um diário. Eu dava um jeito de por as coisas para fora para não surtar. Apesar das minhas doenças e da minha timidez e falta de habilidade social latentes eu amo estar entre amigos, amo conversar com eles e em niterói minha segunda casa era o bar que eu frequentava com meus broders mais chegados.

Não sei o que bateu em mim num dia. Eu tava num ponto da depressão meio lamentável que me fez pedir ajuda as mesmas pessoas que me deram bolo no show no dia do meu aniversário, simplesmente precisava sair com alguém, fazer algo, a rotina já estava me matando e eu não tinha mais a quem recorrer. Engoli o orgulho e falei com os caras.

Pois marcaram comigo, comecei a fazer parte de um grupo de amigos, estava feliz, voltei a ter vida social depois de quase 3 anos de isolamento. Parei de escrever, não sei muito bem o motivo, mas para mim felicidade, bem estar e escrita nunca caminharam juntas.

Passado algum tempo, essas pessoas que antes me chamavam para tudo começaram a parar de me chamar para seus encontros. Quando eu os chamava às vezes um ou outro aceitava, mas se chegava todo o grupo no local existia uma animosidade no ar. Sentindo isso minha companheira e eu nos afastamos, sem saber o que eu ou ela fizemos. De novo em São Paulo as pessoas me descartaram como se eu fosse um saco de merda. Ninguém conversou comigo para falar sobre algo que eu pudesse estar fazendo errado (que até hoje não sei o que é), não recebi nenhum toque sequer, meu corretivo se é que fiz algo foi a exclusão crua e seca. De novo eu sinto a maldade do ser humano em seu estado bruto e volto a escrever como única alternativa para a sanidade.

Do escritor de diarinho às aventuras de RPG

No meio dessa tempestade o Gustavo me convida a criar uma zine, eu nem o conhecia. Fiquei receoso e juro por Deus que a primeira coisa que eu fiz quando ele me chamou foi ver no facebook dele se ele morava na cidade de São Paulo, eu não ia aceitar sofrer mais uma porrada dos habitantes deste lugar que eu aprendi a odiar. Gustavo era do interior e eu topei, peguei algo que eu já tinha escrito e ajustei e juntos fomos escrevendo e revisando a toque de caixa para lançar o primeiro volume do Cachorro Preto. Escrever essa zine me faz cuspir tudo que eu tenho entalado, é um processo amargo e duro, mas que me ajuda muito a sobreviver. É estranho como muita gente nos picos da depressão não consegue fazer nada, em mim o efeito é contrário, me torno um viciado em trabalho e através dele vou suprimindo todo o mundo que parece cair ao meu redor.

Quanto mais eu escrevo e converso mais eu me aproximo do Gustavo, encontrei nele uma pessoa inquieta assim como eu. Tivemos a ideia de chamar o Diego para ilustrar o material o que se provou ser uma boa ideia, as ilustras ficaram excelentes. O Diversão Offline chegava e com isso o dia do lançamento da zine.

E é chegada a hora de distribuir o material

Imprimimos umas 50 cópias e fomos juntos ao Diversão Offline, os 3 desenvolvedores de um material não desejado, ninguém quer ler uma zine sobre um jogo polêmico que não tem versão em português e que quase ninguém daqui joga.

Minha ansiedade estava a 1000. Eu tenho uma dificuldade extrema de conectar-me e de falar com estranhos e estava cheio de zine pra distribuir, felizmente o Gustavo e o Diego fazem isso com uma leveza sem fim. Passei boa parte do evento tentando chegar nas pessoas, me comunicar e entregar o material para elas. Fui muito bem recebido por todos, apesar da minha estranheza social. Aquilo para mim me marcou, o fato de todos estarem de braços abertos para ouvir o que eu tinha a dizer enquanto entregava o material, foi a primeira vez em muito tempo que eu não me senti rejeitado. Sofrer um trauma com pessoas é uma parada foda, você cria casca, fica arisco, da medo de passar por tudo aquilo de novo. Considerei o zine um sucesso, não porque as pessoas leram e gostaram, mas sim porque o receberam de bom grado.

Escrevendo a segunda edição

Estamos no processo de lançar a número dois agora, sinceramente tenho andado tão mal que se eu quisesse eu vomitava uma zine por dia, mas decidi focar em um conteúdo bem feito, uma aventura que já fiz play tests e já ajustei um sem fim de vezes, estou confiante de que o conteúdo terá qualidade. Diogo Nogueira revisou para mim e não creio que exista ninguém mais indicado para fazer isso do que ele. Juntamos ao time o Bassinello e o Balbi e isso nos vai trazer uma puta qualidade de dois gênios em suas áreas.

Me inspirei em todas as pessoas que conheci em São Paulo, cada uma delas está retratada ali por um personagem ou por uma situação. Acho que foi minha maneira de lidar com tudo o que eu passei e esse texto está sendo o ponto final.

O alívio que eu sinto enquanto escrevo isso está fazendo uma alma antes pesada flutuar e cantar canções felizes. Eu passei muitas noites em claro pensando em tudo que eu escrevi aqui(antes de escreve-lo), inclusive pensando se eu deveria escrever isso, se as pessoas que eu menciono poderiam acabar lendo isso, o que é improvável, pois elas nada tem a ver com RPG.

Caso elas leiam ao menos vou dar um pouco de alegria para elas enquanto me ridicularizam e me humilham tomando cerveja. Parece bom, ganho minha leveza em troca de ser ridicularizado sem saber que fui.

Concluindo

Para fechar eu gostaria de dizer que eu tenho convicção de que este material nunca terá destaque no cenário nacional de RPG, é um excelente material, é original, é engraçado e por vezes intenso, mas nos falta a rede de relacionamentos para fazer ele acontecer. No RPG, como em toda cena do mundo ter relacionamentos é fundamental e por tudo que escrevi neste relato, relacionamento não parece ser o meu forte, espero que seja o forte do Diego e do Gus.

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