Narrativas insubmissas — Suburburinho

Danielle Moraes
Olhar Social
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3 min readOct 19, 2020

As pessoas ficam surpresas quando eu digo que a Europa é legal, mas não existe lugar como o Rio. Aí, entra aquele papo convencimento de “lá é outro nível”, “mas tem segurança”, “aqui só tem corrupção”… e por aí vai. Quando perguntam sobre o que eu mais senti saudade lá, a minha resposta sempre foi enfática: AS CADEIRAS AMARELAS DA SKOL NOS BUTECOS DA ESQUINA. Sim, para além das pessoas, claro. Mas, andar na rua e ver essas cadeiras acompanhadas de todos os outros símbolos cariocas que orbitam esses aparadores de bumbum no momento de levantar copo, traz uma sensação de familiaridade e pertença absurdo. O coração até bate mais forte. Mas a verdade é que, se tem um livro que explique o porquê da minha saudade e amor pelo Rio, esse livro é Suburburinho.

Mas não é sobre mim que eu quero escrever. É sobre a epítome da pertença e do reconhecimento suburbano que é o livro do André Gabeh. Suburburinho é uma ode de amor ao subúrbio e às figuras peculiares que, mesmo únicas, se repetem em todos bons bairros onde a falta é maior do que a sobra.

Despretensiosamente, o autor vai te absorvendo nos personagens que pra alguns podem parecer exóticos, mas que viram fácil correlação com figuras do nosso cotidiano. E isso, numa narrativa deliciosamente suburbana que consegue juntar de pai de santo vestido de mulher maravilha a idosa gritando galinha piroca. Uma narrativa insubmissa que foi além de si e expandiu pra literatura criando reconhecimento, evocando lembranças, garantindo risadas deliciosas e fazendo um registro literário — quase etnográfico, rs — de cidadãos da melhor (ou quase) estirpe. Daqueles que se transformaram em lugares de memória também por causa dessas figuras. É exatamente essa a insubmissão que torna esse livro tão delicioso, para além do pretuguês no qual é escrito. André te seduz a entrar nesse mundo e você vai feliz.

Esse subúrbio delicioso transformou o famoso fogo no rabo adolescente em verbo e misturou família, vizinhos, passado e presente que tem até aniversário de 100 anos de Tartaruga com direito a regabofe e tudo. Me fez sofrer com o sumiço de Rebu e querer bater em Jainer.

Suburburinho é o Rio que se mantém apesar e independente de. É o Rio que ainda pulsa sintetizado em personagens que dão um quentinho no coração na sua batalha diária. Em Rosy, mulher negra que apesar dos percalços se mantém firme e exibe sua feminilidade misturado ao seu jeito no limite da faca. Em Bolota e nos Clóvis — que eu era fascinada quando nova, em Deusdemilson (eu não aguento Deusdemilson) e cada linha dessa história que traz tanto de uma coletividade que se atravessa e se confunde com o próprio território.

Vale DEMAIS a leitura. Comecei o volume dois e já estou pronta pro show do Kenny G com Rosy. To indo, mas já sei que vai dar merda.

Aproveita e lê esse texto aqui do André porque você será uma pessoa mais feliz depois disso: https://www.facebook.com/AndreGabeh/posts/2574284782607101/

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Danielle Moraes
Olhar Social

Escrevo, componho e dou uns rolé po aí. Bacharel em Serviço Social, Mestra em Migrações, Inter-Etnicidades e Transnacionalismo pela Universidade Nova de Lisboa.