O arrastão que nunca aconteceu
A foto, muito parecida com a realidade do Rio de Janeiro durante o verão, mostra jovens negros correndo na praia. Até aí, terror nenhum, certo? Errado. Em 2005 os jornais portugueses noticiaram, alarmados, a notícia de um arrastão na praia de Carcavelos, em Cascais. Uns diziam de 40 a 50 assaltantes, outros diziam 500 pessoas assaltando na praia. Foi um festival de sensacionalismo para todos os lados.
De um lado, pessoas assistiam. De outro, a polícia chegava de armas em punho e causava ainda mais confusão. Os noticiários permaneceram dias falando do assunto, criando teorias da conspiração. O suposto arrastão deu margem a manifestação de grupos de nacionalistas de extrema direita contra imigrantes e pedindo “Portugal para portugueses”, denotando racismo e xenofobia pelo grande número de africanos e descendentes de africanos no país.
Aparentemente, quem começou o boato foi o gerente de um café à beira da praia, que chamou a polícia e deu entrevistas aos jornalistas, dizendo tratar-se de um arrastão “à moda brasileira”. Todos ficaram estarrecidos. O país parou, o Alto Comissariado para as Migrações e movimentos sociais se manifestaram sobre os absurdos que estavam sendo ditos na mídia, a PSP (Polícia de Segurança Pública) deslocou grupamentos para policiar as praias, os cidadãos assustados cobravam mais segurança.
Uma semana após o ocorrido, apenas uma queixa de roubo havia sido feita e as pessoas que estavam no local — na praia em si — começaram a se manifestar. O ARRASTÃO NUNCA ACONTECEU. As aulas acabaram, os jovens estavam de férias e corriam e brincavam pela areia. Pelo grande número de pretos na praia, correndo, quem passava e não estava “acostumado” com a cena, se assustou e chamou a polícia. Quando a polícia chegou, a confusão estava armada. “12” em punho, truculência já conhecida por nós cariocas e neste momento os jovens começaram a correr.
A mídia cumpriu um papel fortíssimo na reprodução do racismo e da xenofobia do caso, isso sem contar na veiculação de matérias sensacionalistas para ganhar audiência que acabam por estigmatizar e confundir a percepção das pessoas sobre as populações que habitam o espaço português de uma forma geral. Estou falando de um país que faz parte da União Européia, com livre circulação de pessoas e saldo migratório negativo — ou seja, tem mais gente saindo do que entrando. Curioso é que naquele ano em específico, o saldo migratório de Portugal foi positivo e entrou mais gente do que saiu.
Portugal tem um alto número de imigrantes e isso é muito visivel no dia a dia. Caboverdianos, indianos, chineses, ingleses, brasileiros que vem em busca de trabalho, estudo, melhores condições de vida e diversos outros motivos. Na conversa com portugueses — em Lisboa — é comum falarem palavras em inglês recorrentemente porque o tempo todo lidamos com pessoas das mais variadas nacionalidades (e eles não aportuguesam as coisas rs).
O tempo passou e o caso morreu. Nunca mais se ouviu falar em outro “arrastão” e ficou provado, posteriormente, que Carcavelos foi um misto de racismo, xenofobia, precipitação, criminalização da pobreza e tudo aquilo que o Brasil vem reproduzindo historicamente.
Seja em Copacabana ou em Cascais, quem tem direito ao espaço público?