Chris Pratt e a falsa dicotomia entre ser gordo ou magro.

Marcos Roberto
Olho Gordo
Published in
4 min readMar 13, 2016

Sabemos bem o quanto a indústria do entretenimento valoriza os corpos magros e tonificados. Também não é surpresa para ninguém que são as mulheres que mais sofrem com essa padronização. Porém, no que diz respeito aos homens, um fato recente ajuda a ilustrar como corpos masculinos também são afetados por ela:

Chris Pratt, que antes de ser conhecido por dar vida a Star Lord em Guardiões da Galáxia, era conhecido por interpretar Andy Dwyer na série Parks and Recreation, passou por uma transformação física pública. A reação da indústria do entretenimento, da mídia e das pessoas servem como exemplo dos vários problemas que rondam pessoas gordas, principalmente sobre a vigília que fazem sobre nossos corpos.

Chris Pratt viu sua carreira decolar não só porque integrou um filme da Marvel, mas porque teve que ser fisicamente moldado para o papel. O gordinho Chris Pratt deu lugar a uma versão tonificada do ator, que começou a ilustrar revistas de moda e estilo de vida para homens.

Em pouco tempo ele se tornou o pôster da esperança de uma vida “melhor” para homens gordos. Quem sonha com um corpo padronizado vê em Chris Pratt a esperança de conquistar a mesma forma física (e consequentemente receber a mesma atenção que ele recebe).

Muito além de destacar os benefícios de viver como magro, a mensagem implícita dessa transformação é de que o corpo esculpido de Chris Pratt é alcançável. Porque é fácil ignorar que o ator possui profissionais à disposição trabalhando para manter a forma física de Pratt.

Para reforçar a campanha hollywoodiana, a indústria da moda também se faz presente ao fornecer roupas que destaquem seu porte físico e instiguem o desejo de homens e mulheres, tanto pela admiração do físico quando sexualmente.

E como nós, pessoas normais lemos transformações como essa? Alguns interpretam as duas versões do ator como polos negativo e positivo, no qual Andy Dwyer é a versão que precisa de ajustes; enquanto Star Lord é o ápice da forma física e o modelo a ser seguido por homens gordos.

Diz o meme: “Se você não me aceita quando Andy Dwyer, você não me merece quando for Star Lord”

Esse tipo de pensamento não é novo, mas ao acompanharmos a transformação de Chris Pratt há um reforço desse discurso implícito, que é inclusive tema de memes na internet. O problema está em pensar que ser gordo é sempre ruim e que você precisa fazer algo a respeito imediatamente.

E associarmos ser gordo como algo ruim e ser magro como algo bom também é problemático. Primeiro porque ignoramos que nossos corpos estão em constante transição e emagrecer raramente é a linha de chegada. Segundo porque também há todo um juízo de valor agregado.

Enquanto pessoas que emagrecem se sentem bem, pessoas que engordam entram em desespero não por estarem ganhando peso, mas por se verem sendo tragadas pelo estigma.

O caso de Chris Pratt também mostra aspectos que poucos refletem: emagrecer — ou estar magro — não é uma condição apenas estética. Para o ator manter seu porte físico ele precisa de personal trainers, nutricionistas, alimentos de qualidade, dentre outras coisas. Todas elas exigem dinheiro que os contratos que ele assina certamente cobrem, mas para pessoas comuns, manter o mesmo padrão de vida exige poder aquisitivo, revelando que em nossa sociedade a magreza é celebrada tanto pelo seus aspectos estéticos quando por seus aspectos socioeconômicos.

Ser magro é um símbolo de poder. A magreza não teria poder algum se fosse alcançável por todos. É uma espécie de meritocracia sobre a figura de nossos corpos que diversas indústrias sustentam porque lucram alto com ela.

É por isso que há um enorme dano em imaginar que o estilo de vida de Chris Pratt é algo possível de ser alcançado simplesmente porque ele conseguiu. Da mesma forma, encarar que ele está melhor agora simplesmente porque ele é magro é um pensamento precipitado, porque ignora todo o esforço de vários setores da indústria do entretenimento para fazermos pensar exatamente isso.

Temos a indústria do cinema que raramente oferece papeis relevantes para pessoas gordas. No geral, quando não são coadjuvantes, atores gordos precisam se contentar com papeis que na maioria das vezes são cômicos e debocham da própria aparência do ator (e o próprio Parks and Recreation é prova disto).

Já a indústria da moda, não se interessa por vestir bem pessoas gordas. No geral as peças possuem cortes simples e não se preocupam em se adequar à silhueta, o que por vezes reforça o estigma de que o gordo é desleixado. Mas ser diferente quando lojas de departamento raramente possuem tamanhos grandes e lojas especializadas cobram caro para nos vestirmos bem?

O fato é que somos constantemente podados de mostrar que temos orgulho de nossos corpos como eles são. Do contrário, de que valeria o esforço de quem se emprenha para emagrecer se fossemos simplesmente felizes com nossos corpos?

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