IMC: As aparências enganam

Marcos Roberto
Olho Gordo
Published in
5 min readJul 15, 2016
Reprodução de Naked Man, de Lucian Freud

O Índice de Massa Corporal é um cálculo que relaciona a proporção de altura e peso de uma pessoa para medir o quando de massa ela tem. Você provavelmente deve ter ouvido falar dele, embora não tenha o hábito de fazer o cálculo com frequência. E você não precisa fazê-lo, porque ele não foi criado para indicar se você é uma pessoa saudável ou não.

O IMC foi originalmente concebido para estimar as porções de comida que os exércitos iriam precisar quando eles estavam em campanha. No entanto, hoje em dia, é utilizado por órgãos de saúde e médicos como se fosse um indicador de saúde.

Além de não ter sido criado para este propósito, o cálculo ignora diversos outros fatores, como a distribuição de gordura pelo corpo e não diferencia, por exemplo, o peso de massa muscular. Desta forma, pessoas gordas e musculosas podem ser classificadas na mesma categoria simplesmente porque apresentam o mesmo número no cálculo.

Claro que em casos assim seria improvável que médicos considerassem pessoas musculosas como obesas, porque se baseariam também em aspectos estéticos. Este seria um tipo de diagnóstico tendencioso que é prejudicial tanto para o paciente tido como visivelmente saudável quanto para o paciente que está acima do peso, que precisa arcar com o discurso constrangedor da preocupação com a saúde.

O senso comum que nos faz crer que que pessoas magras são saudáveis (e pessoas gordas não) prejudica ambos de formas diferentes. Pessoas consideradas como saudáveis só por serem magras inibe que pessoas desse tipo físico se atente à própria saúde sobre problemas como diabetes, doenças cardiovasculares ou hipertensão. Muito diferente da vigilância que acontece com pessoas gordas.

Pegue, por exemplo, esses mesmos problemas de saúde citados acima. Eles são constantemente relacionados a nós como se esses problemas fossem exclusivos de pessoas gordas. Embora haja estudos que correlacionem peso e saúde, não há evidências de que comprovem que a gordura é a causadora delas, mas infelizmente a falta de provas não impede que estereótipos se espalhem, mesmo dentro do meio científico.

Além disso, há uma grande quantidade de evidências contraditórias que não são divulgadas. Por exemplo, as pessoas magras também têm todas as mesmas doenças que as pessoas gordas, mas a perda de peso não cura qualquer uma dessas doenças com que a gordura está associada, mas há relatos de que mudanças de comportamento dessas pessoas ajuda na melhora do quadro de saúde delas sem precisarem perder peso. E se o IMC pode ajudar em algo nessa discussão, é provar que as aparências enganam.

Um estudo recente (em inglês) que examina a validade do IMC para predizer a saúde cardiometabólica observou que cerca de 30% das pessoas consideradas com “peso normal” não estão com a saúde em dia, enquanto cerca de 50% de quem é considerado acima do peso estão saudáveis.

O estudo vai além e comenta que o uso em grande escala do IMC acontece por pura conveniência, já que se trata de um cálculo simples, rápido e barato para as operadoras de planos de saúde. Enquanto para os médicos exige pouco treino e é mais rápido que a conferência da circunferência do paciente com uma fita métrica, por exemplo (que também não é um método de qualidade para indicar o quadro de saúde).

Sendo assim, um dos usos do IMC se deve por ser conveniente para médicos e planos de saúde, não tendo nada a ver com o quão adequado ou preciso é o índice, já que o estudo mostra que as imprecisões do cálculo fazem com que cerca de 75 milhões de pessoas nos Estados Unidos não sejam classificadas corretamente, prejudicando o diagnóstico correto e a atenção com a saúde.

Além da má classificação de pacientes, o problema pode ser considerado muito maior quando vemos que as organizações de saúde continuam a instruir médicos a monitorarem o IMC dos pacientes, mesmo sabendo que se trata de um dado fraco. Em 2015, uma força-tarefa financiada pelo governo canadense emitiu um relatório recomendando que os médicos monitorem o peso e a altura de seus pacientes e calculem seu IMC a cada vez que ele visitar o médico, mesmo reconhecendo que não há evidências para exigir o cálculo do IMC (também em inglês).

Muito além do peso

Semelhante aos problemas e preconceitos que pessoas gordas sofrem, o problema com o IMC não é apenas uma questão que se restringe apenas à saúde do indivíduo, estendendo-se a questões sociais e econômicas também.

No caso do IMC, o índice afeta principalmente mulheres pobres, que têm mais chances de ser classificadas como obesas por terem estatura menor do que mulheres ricas. Isso se deve ao fato de que o cálculo sofre alteração maior na pontuação em relação à altura, e mulheres com poucas condições financeiras tendem a ser menores do que mulheres de níveis sociais mais altos.

Sendo assim, o aumento de 1% no peso eleva proporcionalmente o IMC em 1%, mas uma alteração de 1% na altura causa uma mudança de 2% no cálculo do IMC, mostrando que além de impreciso, o Índice de Massa Corporal também serve como ferramenta de diferenciação de classes socioeconômicas e gênero.

Como lidar com tudo isso?

Os esforços que o Olho Gordo faz em buscar dados como estes servem para que possamos ver as informações que chegam até nós com olhar mais crítico. Como é possível ver, uma das barreiras que enfrentamos é a da linguagem, já que os dois artigos que foram usados como inspiração para este texto estão em inglês.

O IMC é um índice muito popular, principalmente em reportagens na TV e revistas. Essa popularidade é a primeira razão para a desconfiança. Devemos nos perguntar qual o interesse dos meios de comunicação em nos bombardear com esse tipo de informação. Também precisarmos ir além e perguntarmos se as intenções desses veículos são realmente a de resolver um problema, ou apenas tornar nosso sofrimento rentável.

É revoltante saber que existem setores da sociedade que não estão nem aí para nós. A medicina é uma delas, cujos médicos optam por métodos rápidos para eles no momento em que precisamos de atenção.

Nós podemos mudar isso combatendo estereótipos, questionando verdades universais e até mesmo o que a ciência nos diz. Infelizmente, a produção acadêmica não está isenta de preconceitos ou se abstém de interesses por parte dos autores das pesquisas.

Exigir melhor qualidade e respeito por parte da sociedade e dos profissionais que cuidam de nossa saúde é uma forma excelente de mostrarmos que temos interesse verdadeiro sobre o funcionamento do nosso corpo, e que a única coisa que não aceitamos é o desrespeito.

--

--