Nosso problema imaginário com o peso

Marcos Roberto
Olho Gordo
Published in
4 min readFeb 25, 2016

Não é surpresa sabermos de relatos de pessoas gordas que saem dos consultórios ouvindo de seus médicos que precisam emagrecer para melhorar sua saúde. Acontece que não é raro que este “diagnóstico” seja dado antes mesmo da conferência dos exames.

Situações como essas são comuns e perigosas, já que o médico traça um causador de problemas de saúde baseado em impressão, e não no cruzamento de dados. Além disso, há uma crença quase que absoluta de que pessoas acima do peso possuem mais problemas de saúde única e exclusivamente por causa do peso.

O fato da comunidade médica possuir grande prestígio torna o questionamento de suas práticas quase impossível. Esta é uma crença que precisa ser desfeita tanto por pacientes quanto pela própria comunidade, que precisa estar alerta a esses falsos diagnósticos. É preciso lembrar também que médicos, em sua maioria, fazem parte de classes privilegiadas e, por consequência, perpetuam preconceitos dominantes dessa camada da sociedade.

Um recente artigo no jornal The New York Times apresentou um estudo que cruzou diversos dados de saúde de três milhões de pessoas de diversos países que desmentem a crença de que pessoas acima do peso possuem uma taxa de mortalidade maior, mostrando o quão exagerada e não-científica é esta afirmação.

O estudo constatou que todos os adultos considerados com sobrepeso e a maioria das pessoas classificadas como obesas têm um risco de mortalidade mais baixa do que os indivíduos considerados com peso normal. Portanto, se órgãos de saúde fossem redefinir peso normal como aquele que não aumenta o risco de morte, cerca de 130 milhões dos 165 milhões de adultos americanos atualmente classificados com sobrepeso ou como obesos seriam reclassificados como tendo peso normal.

Além disso, o estudo encontrou uma redução de 6% no risco de mortalidade entre as pessoas classificadas como excesso de peso e uma diminuição de 5% em pessoas classificadas com Grau 1 de obesidade (o nível mais baixo do grau, no qual a maioria dos obesos se enquadram).

Isso significa que as mulheres que medem cerca de 1,62m e que pesam entre 50 e 65 quilos têm um maior risco de mortalidade do que as mulheres de mesma altura, mas que pesam entre 66 e 93 quilos. Os homens com estatura de 1,78 e que pesam 59 e 78 quilos têm um risco maior mortalidade do que aqueles que pesam entre 79 e 110 quilos e possuem a mesma estatura.

Se fossemos empregar a lógica das autoridades de saúde pública, que tratam qualquer correlação entre o peso e aumento do risco de mortalidade como um bom motivo para incentivar as pessoas a tentar modificar o seu peso, deveríamos incluir 75 milhões de adultos americanos que atualmente ocupam categoria de “peso saudável” para que ganhem peso para diminuir o risco de mortalidade.

Mas é claro que uma afirmação como essa é exatamente igual àquela que os médicos dão quando dizem que você deve emagrecer porque está acima do peso. Nós só percebemos o quão absurda ela é quando a aplicamos inversamente. O que o estudo questiona, é que o peso não é um fator decisório ou tão influente como costuma-se acreditar.

Isto porque estudos observacionais apenas registram as correlações estatísticas. Nós não sabemos em que medida a ligeira diminuição no risco de mortalidade observada entre as pessoas definidas como acima do peso ou obeso moderado é causada pelo aumento de peso ou por outros fatores.

Da mesma forma, não sabemos se o pequeno aumento no risco de mortalidade observada entre as pessoas muito obesas é causado por seu peso ou por qualquer número de outros fatores que podem incluir aspectos socioeconômicos, dietas e o efeito sanfona que as acompanham, a discriminação social, o estigma ou estresse.

Em outras palavras, não há nenhuma razão para acreditar que as variações triviais em risco de mortalidade observada realmente têm a ver com o peso ou que o ganho ou perda de peso afetaria o risco de mortalidade.

Como chegamos a esta situação absurda? Isso é uma história longa e complexa. Ao longo do século passado, os americanos tornaram-se tão obcecados pela magreza que ela se tornou tanto um símbolo de status de classe quanto um reflexo dos ideais de beleza que trazem algum tipo de privilégio.

Além disso, categorizar pelo menos 130 milhões de americanos — e centenas de milhões de pessoas no resto do mundo — como pessoas em necessidade de “tratamento” para a sua “condição” serve aos interesses econômicos da indústria da perda de peso e grandes empresas farmacêuticas, ambas multibilionárias, que têm investido uma grande quantidade de dinheiro em receber apoio daqueles que determinam a regulamentação da próxima geração de drogas da dieta.

Por isso, não espere daqueles que fizeram carreira em instaurar o pânico do peso a compressão de que a nossa atual definição de “peso normal” não faz absolutamente sentido algum.

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