Rio [de Janeiro], Eu Te Amo. Mesmo Se Nada Der Certo.

Guilherme Braga Alves
5 min readJul 17, 2016

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Nos últimos dias, dois textos sobre o Rio batalharam na internet: um que dizia que “A Vida É Muito Curta Para Morar no Rio” e o outro, que afirmava que “A Vida É Muito Curta Para Falar Mal do Rio”. Ambos obviamente equivocados no título, mas ambos também equivocados nos argumentos. Vale ressaltar que estes textos foram escritos por duas pessoas não-cariocas. Não que isso realmente importe, o Rio adora ser admirado e explorado por quem é de fora.

Como eu. Nascido em Bangu, passei quatro anos na Baixada, mas a maior parte da vida foi em Campo Grande, de onde não pretendo sair. Tu já viu onde fica CG no mapa do Rio? Conhece? Tá dando mole. Se tu acha que tijucano e insulano é chato e bairrista, é porque tu nunca conheceu campograndense.

Não sou do Rio. Sou do De Janeiro. Uma cidade que às vezes é muito perto do Rio, que anda de trem todo dia, que perde horas da vida na Brasil. Uma cidade que faz o Rio existir, porque, sem a gente, o Rio não seria é nada.

Não adianta mandar esse papo de que não é pra dividir, que é tudo uma cidade só. Será que é mesmo? Ipanema e Penha são uma cidade só? Pavuna e Botafogo? Gávea e Barros Filho? Campo Grande e Barra da Tijuca? Raramente geral consegue se juntar, mas não é a mesma cidade. Todo mundo vê RJTV, o prefeito continua sendo do PMDB, no mapa tá tudo misturado, mas é diferente. Anda no ônibus amarelo, depois no vermelho e me diz se é a mesma coisa. Ou, se tu gosta de números, compara os números: tem lugar no Rio com o IDH mais alto que o da Noruega. E tem Costa Barros, onde o IDH é menor que o da Tunísia. Tipo o do Suriname. Sabe onde fica Costa Barros? E o Suriname? Pois é.

Na minha infância no De Janeiro, o Rio era mais longe que o Suriname. Era tipo em Nova Iorque, Paris, sei lá. Aparecia todo dia na televisão, mas era inatingível. No De Janeiro, até criança já aprende segregação espacial. Só não tem esse nome esquisito.

O tempo passou, a vida mudou e tive a oportunidade de conhecer o Rio e o de Janeiro. O pôr-do-sol no Arpoador e o açaí de Marechal Hermes. Urca e Tubiacanga. Tijuca e Bangu. O que posso dizer é que conhecer o Rio de Janeiro faz você se apaixonar. E perceber que talvez, por incrível que pareça, tudo isso possa mesmo ser uma cidade só.

Não que seja fácil. A mobilidade é uma tragédia. Trens, ônibus, metrô e BRTs são micronavios negreiros. A desigualdade é um constante tapa na cara. A insegurança é onipresente. Assaltos e facas no asfalto, tiroteios e fuzis nas favelas. Crianças executadas na porta de casa. Jovens metralhados pelas forças do Estado. No nosso Velho Oeste, traficantes e milicianos vivem em constante guerra, sob o olhar leniente do Estado. Os hospitais não dão conta. Muitas praias e quase todas as lagoas são um desastre ambiental inaceitável. Os pobres, que não são sujeitos de uma política de moradia decente, sobem os maciços e arrancam árvores para ter onde morar. Os ricos, que fazem uma política egoísta de habitação, passam sobre florestas, restingas e Vilas Autódromos para garantir seu metro quadrado exclusivo. O público passa a ser privado — vai, Porto Maravilha! — e o privado é exclusivo.

Mas, acima de tudo, eu amo o Rio de Janeiro. Amo esse povo que consegue fazer festa no trem, amo essa gente que sofre, que vê o quão desigual é essa cidade, mas que sorri. Que é verdadeiramente feliz com o que tem. Gente que faz festa toda semana, porque sobreviver o Rio por uma semana é motivo de festa. Amo o Maior Espetáculo da Terra, que, embora engolido pelas cervejarias e pelos xampus, expulsando o povo de ver sua própria festa, é a maior expressão cultural dessa cidade. Feito no De Janeiro, por Marias e Joãos que sobem morro, descem morro, andam de trem e vivem o samba todos os dias.

Você já viu o pôr-do-sol no Rio de Janeiro? Na Mauá ou na Linha Vermelha, na Urca ou em Campo Grande? No Arpoador ou na Barra de Guaratiba, de dentro de um trem no Méier ou num ônibus na Lagoa-Barra? Já vi todos esses. Honestamente, nunca seria capaz de escolher o melhor.

O Rio de Janeiro é uma cidade partida, contrastante, desigual, injusta. Agride seu povo todos os dias. Mas, qual delas não tem um pouco disso também? É verdade, o Rio de Janeiro tem um muito. Precisa reconhecer e transformar isso imediatamente. Mas também tem uma gente incrível, uma música fascinante, cenários quase irreais. Aqui, nesta cidade, existem vários espíritos e várias fés, muitos estilos e sotaques.

É muito fácil detestar o Rio de Janeiro, se você quiser. Também é moleza se apaixonar, evidente. Mas sabe, quem só detesta o Rio de Janeiro, ou quem só o ama, ainda não o conheceu de verdade. Porque aqui, é Rio e também é De Janeiro. É ódio e também é amor. É beleza e caos, é tristeza e alegria, é festa e luto. Quando você percebe isso de verdade, quando se deixa de ser maniqueísta, quando se é Urca e Santa Cruz, Madureira e Ipanema, então você é carioca.

Eu sou carioca. E, daqui a menos de um mês, o maior evento esportivo do planeta pousará no Rio de Janeiro. No Rio da Lagoa, no de Janeiro do Engenho de Dentro. Em Deodoro e na Glória. Nestas Olimpíadas, parte da cidade fica de fora. O Mapa Olímpico não tem Bangu, Campo Grande, Santa Cruz. Azar o deles.

Mas, com muito rancor e com muito amor, eu vou te dizer: venham, Jogos Olímpicos. Vocês foram uma tragédia de planejamento, uma série de erros, uma latrina de dinheiro, “uma oportunidade perdida”, como disse o prefeito. E, não tenham dúvidas, critico e vou criticar por muito tempo tudo que foi feito de errado nos últimos sete anos. Fazer o Parque Olímpico na Barra foi uma estupidez, não despoluir as lagoas foi inaceitável, remover a Vila Autódromo foi um crime.

Só que, no Rio de Janeiro, é possível criticar e aproveitar. Nessa cidade que é Rio e que é De Janeiro, ser carioca é saber que as Olimpíadas são uma tragédia e uma bênção. O estrago, meus amigos, está feito. Mas o mundo tá chegando aí, e a gente pode, sem esquecer todos os erros já feitos, mostrar pra eles que o Rio de Janeiro sabe fazer festa como ninguém. A gente pode mostrar pra eles porque a gente ama esse lugar.

Porque é a nossa cidade. A gente ama. A gente odeia. A gente ama odiar, odeia amar, ama amar e odeia odiar. Ou, como já disse o cinema uma vez, “Rio [de Janeiro], Eu Te Amo. Mesmo Se Nada Der Certo”.

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Guilherme Braga Alves

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