O que aprendi em 1 ano trabalhando remoto

Moacyr Viegas
olist
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7 min readApr 23, 2019

Há pouco mais de um ano embarquei em um processo seletivo para uma vaga de trabalho remoto, cuja proposta era fazer parte de um time de 10 PMs(9 presenciais em Curitiba) em uma empresa em que todo o time de tecnologia estava espalhado pelo Brasil.

Lembro de conversar com alguns PMs na época e receber muitos comentários de descrença sobre o modelo, como em uma frase ‘a única vantagem de trabalhar remoto é que seu funcionário vai trabalhar de cueca, fora isso é só preguiça’.

Muitos pontos sobre foco, liberdade,individualidade, custos ,entrega ser mais importante que a presença -entre outros- são constantemente discutidos como defesa do trabalho remoto. No entanto, 365 dias depois de começar, fazendo um balanço, posso trazer algumas questões diferentes que trabalhar remotamente me fez refletir e aprender constantemente sobre…

1. Sua comunicação precisa se adaptar

Nosso processo de comunicação consiste em observar diversas manifestações do outro: respiração, tom da voz, direção do olhar, movimentos constantes, gestos, toques, pausas no texto, entre outros que juntos complementam a mensagem em si.

Diferente de reuniões presenciais, as reuniões constantes somente por áudio nos tiram a percepção de alguns destes tópicos, de forma que acabamos por pesar mais nos únicos instrumentos que temos: voz, texto e a tela!

Além de escolher bem as palavras, é preciso entender quem é o receptor dessa mensagem, o quanto ele conhece do contexto e como ele pensa e entende: mais visual ou auditivo? Seria melhor um texto bem detalhado ou um fluxo simplificado e objetivo? Faço uma call por áudio, vídeo ou mando um ppt?

Podem parecer perguntas constantes do dia-a-dia(e deveriam ser…), mas quando se trata de eliminar os ruídos de um time remoto, é imprescindível cuidar de como a mensagem é gerada para que o tópico não vire um longo chat que precise se tornar uma reunião que na verdade deveria ter sido um email bem escrito.

Um aprendizado ‘curioso’ foi o de esperar o outro terminar de falar para que você emita sua opinião. A educação preza por certo respeito, mas constantemente somos interrompidos durante nosso raciocínio porque alguém resolveu se pronunciar com mais urgência. Em vídeo/áudios com muitas pessoas, aprendemos que cada um tem a sua vez de falar e por mais que isso leve mais tempo que o ‘normal’, ainda sim é construtivo e agregador.

2. Se conhecer e calibrar sua rotina é importante

O barulho do escritório pode enlouquecer muita gente e gerar diversas reclamações, mas o silencio da sua casa o dia todo pode ter o mesmo efeito. Além disso, sua casa possui diversos objetos que te levam daquele momento presente para algum afazer pendente ou uma lembrança do passado, que prejudica seu foco.

Existem dezenas de razões para discutir se é bom ou não estar em casa ou no escritório, se isso te deixa mais focado ou não e assim por diante. Contudo, ao aceitar ser remoto, deve-se entender o quão aderente seu psicológico é a esse tipo de rotina.

Alguns rituais como almoçar, aquela pausa para o café acompanhado do colega e até o ‘feliz’ Happy Hour pós expediente fazem falta no dia-a-dia e podem impactar seu bem-estar geral: pessoas que costumam gostar do movimento e da bagunça precisam achar formas de compensar essa ‘solidão’ de estar o dia todo em casa sozinho ou até mesmo nos coworkings da vida. Para os introspectivos, a vida segue feliz nesse tópico…

3. Respira e espera

Você não consegue cutucar o seu colega por qualquer coisa, ou caminhar até a mesa dele, olhar pra ver onde ele esta e porque não esta respondendo algo urgente. Às vezes as pessoas não respondem e era aquela informação extremamente relevante pra uma discussão que está ocorrendo naquele momento.

Durante a última Black Friday, ao ficar alguns minutos sem receber notícias, eu não sabia se as pessoas estão felizes ou desesperadas com o nosso resultado até então e isso me deixou extremamente preocupado e ansioso até que fiz o óbvio e perguntei para algumas pessoas que fizeram um tour pelo escritório contando como a vida seguia por lá.

Claro que esse exemplo é um tanto quanto exagerado, mas às vezes seu colega está no banheiro, ou acabou a energia, ou um dinossauro apareceu por lá e está dando trabalho. E você não vai saber disso a tempo! Aceitar que você não vai saber de tudo e não tem controle sobre tudo é importante para não se estressar à toa.

4. Ferramentas e mais ferramentas podem ajudar(ou não)

Pensando em substituir os gaps que a distância traz é comum inserirmos cada vez ferramentas: comunicadores(hangouts, zoom, slack, mumble, appear…), bots diversos, docs online, mapas mentais, boards online, forms pra cima e pra baixo e outras coisas…

Uma das coisas que mais me fizeram sofrer foi não poder pegar um papel, uma caneta e desenhar em conjunto com alguém enquanto discutimos algo. Por mais incrível que pareça, coisas simples como o bom papel, caneta e post-its são as mais difíceis de serem substituídas de forma prática e barata(ainda não considero um tablet com canetas eletrônicas coisas factíveis).

Tudo pode parecer uma grande confusão, mas tudo bem! No dia-a-dia, você começa a entender que cada ferramenta realmente pode ser usada para o seu propósito único de um dia específico. Você não precisa de uma ferramenta parruda de vídeo se você só precisa falar por áudio com a pessoa, assim como você não precisa de uma ferramenta gigantesca para mapas mentais se você vai fazer isso uma vez só.

Com times remotos, a tecnologia constantemente evolui para que uma nova feature surja e simplifique a distância, provando que estar próximo não tem lá tantas vantagens como pensamos.

5. Assimetria de informações não o fim do mundo

Quando pelo menos duas pessoas tem a chance de interagir constantemente enquanto pelo menos uma só interage em alguns momentos com as demais, teremos diferentes níveis de informações dentro do time. Isso é um fato!

Além disso, tomar o café, descer junto no elevador, caronas pra casa, almoçar ou fazer algo pós expediente não são somente cerimônias sociais que te fazem tirar o peso do trabalho maçante e humanizar o ambiente. Momentos assim geram tanto conversas aleatórias e divertidas como extensões de papos de trabalho, novos assuntos e até decisões importantes para o negócio como um todo.

Aliado a todo o convívio, ainda somamos toda a comunicação assíncrona que criamos: e-mails, comunicadores, múltiplos canais e mensagens chegando de vários lados que dificultam nosso processamento e absorção completa da mensagem

Deixar a assimetria por último foi proposital pois ela soma diversos itens acima: a mensagem mal pensada, escrita com pressa, em um canal errado, em um momento que seu receptor não estava disponível e sobre um contexto que ele não tinha domínio… A ansiedade cresce, o caos parece dominar o ambiente, uma reunião é criada, algumas horas perdidas e tudo que precisávamos era que a resposta tivesse sido escrita em outro momento porque quem precisava escrever estava focado em outra coisa.

É importante aceitar que nem todos tem a obrigação de saber de tudo e estar disponível à toda hora. É um tanto quanto óbvio isso, já que se todos tivéssemos que saber de tudo, gastaríamos muito tempo apenas se informando e não fazendo nada. Um detalhe importante: assimetria de informações não é desinteresse, não é a defesa de que a informação não deve ser disponibilizada e nem qualquer outra conclusão. A única coisa importante é que é preciso aceitar que você nunca vai saber de tudo, nunca vai dominar tudo e, ainda sim, você deve confiar na outra pessoa que esta do outro lado do mundo antes de achar que tudo esta desmoronando.

Trabalho remoto é….

No final do dia, “o trabalho remoto” deve ser um mindset da empresa e não de uma pessoa ou área. É um trabalho conjunto de quem está em casa, no escritório, no café, em um coworking, no mesmo fuso horário ou do outro lado do mundo.

O seu microfone deve estar funcionando, sua internet deve estar atingindo a velocidade da luz e suas entregas em dia. Mas é mais importante que todos os envolvidos saibam que a responsabilidade sobre o sucesso da comunicação é de todos e não somente de quem não está presente.

Um bom exemplo disso é que no início nossas reuniões de produto eram divididas em 2 turmas: todos os presentes em uma sala falando com um microfone aberto só e 2 remotos em locais distintos. Para quem estava na sala, tudo parecia perfeito pois sua facilidade em se manifestar era a de sempre. Para os remotos, tínhamos: o eco, o retorno do áudio, várias pessoas falando ao mesmo tempo, todos interagindo entre si e pouco espaço para participação efetiva. Aprendemos que isso não funcionava e hoje o time todo faz suas calls das suas mesas pois não somos ‘alguns remotos’ e sim ‘um time remoto’.

Foram alguns meses até que o time de produto inteiro se calibrasse na nova dinâmica. Hoje podemos dizer que temos uma cultura remota bem desenvolvida. Precisa ser aprimorada? Claro que precisa! Mas o que não precisa!?

Como se comunicar, se conhecer, ter paciência, estar aberto à tudo que a tecnologia cria e aceitar que cada um tem o seu papel foram alguns dos tópicos que essa aventura me fez evoluir. Muita gente ama e muita gente não entende, mas é preciso aceitar que o trabalho remoto já é uma realidade e pode trazer grandes vantagens(e grandes desvantagens também).

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Moacyr Viegas
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Lead Product Manager @ olist ~ economista que se perdeu nas contas e se encontrou no mundo digital.