Queremos a mesma coisa

Temos caras, ocupações e inclinações diferentes, mas compartilhamos a mesma vontade, palmilhamos espaço no mesmo barco — o problema é de todos

Fabio Rodrigues
o lugar (blog aberto)
4 min readApr 12, 2017

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Se olhamos ao redor e vemos o que as pessoas estão fazendo, o tipo de vida que levam, as coisas que priorizam e valorizam, vai parecer que estamos todos buscando coisas diferentes, que nossos interesses não coincidem e andamos em direções variadas, oscilantes e quase sempre conflitantes.

Agora, pelo meio dessa movimentação caótica, também é possível enxergar uma motivação que seja comum a todos nós, em qualquer tempo e lugar, uma aspiracão tão essencial que fica quase escondida, como os fundamentos enterrados de um arranha-céu: queremos todos, sem exceção, encontrar e estabilizar uma experiência de satisfação, e num mesmo movimento evitar o desconforto, a insegurança, o sofrimento. De uma forma resumida: buscamos respirar aliviados em uma condição que podemos chamar de felicidade genuína.

É como um compromisso original e irresistível que compartilhamos, é como se nem tivéssemos outra opção, a não ser dar o nosso melhor, momento a momento, pra saciar essa aspiração fundamental. É porque ficamos insatisfeitos que nos coçamos ou saímos de férias para a Europa. Sentimos frio, fome, coceira ou cansaço, e tentamos dar jeito nisso. Sentimos carência, tédio, inadequação, tristeza, raiva, ciúmes, medo, solidão, e tentamos dar jeito nisso.

E num certo sentido, é como se habitualmente esquecêssemos dessa aspiração mais original, e começássemos a confundir essa felicidade genuína com as coisas nas quais já tivemos satisfação, ou com o que as pessoas e mensagens ao redor nos apontam como causa de satisfação — aí arranjamos empregos, compramos, casamos, separamos, brigamos, pacificamos, construímos casas, máquinas, religiões, políticas, nações e sentidos para a vida, cuidamos, matamos ou machucamos aos outros e a nós mesmos. Todos nós, milionários, pobres, monges, estupradores, professores, ladrões, sábios, drogados, cada um dando o seu melhor para encontrar e estabilizar alguma satisfação.

E nesse processo, se entramos em competição ou sentimos que os outros nos atrapalham, é natural que comecemos a enxergar oponentes. Criamos, com o olhar, um mundo onde existem inimigos. Esquecemos que a maldade não é algo inerente às pessoas, como a gripe não é inerente ao doente. Somos vítimas não exatamente uns dos outros ou de agentes do mal, mas da nossa própria inabilidade em criar causas e condições para uma satisfação mais genuína e perene.

Se formos capazes desse ponto de vista, pode ser que ocorra um insight poderosíssimo: todos precisamos de ajuda, e talvez os mais “maus” sejam exatamente os que mais precisam — porque não são maus, mas mais inábeis, tem a vida dificultada pela própria confusão. Enfim, temos caras, ocupações e inclinações diferentes, e compartilhamos uma só vontade, palmilhamos espaço no mesmo barco. O problema é de todos.

Nosso chão comum

Se começamos a entender de fato que buscamos todos a mesma coisa (ainda que estejamos confundindo essa felicidade com coisas variadas) então começa a ficar plausível a possibilidade de fazermos movimentos que sejam mais e mais em favor dos seres ao redor, sem colidir em termos absolutos com ninguém — ainda que colisões relativas possam surgir. Desse modo começamos a não mais ver as pessoas como oponentes, que não desejam nosso bem-estar. Mesmo em criminosos é possível ver pessoas que precisam ser mais cuidadas do que atacadas.

O aprendizado e a estabilização dessa visão está diretamente relacionado com o desenvolvimento de um melhor equilíbrio de conação — dos processos mentais de formação da vontade e da intenção, e, por consequência, das nossas noções de ética e moralidade. Ou seja, a própria base a partir da qual nos colocamos no mundo, nos relacionamos com as outras pessoas, com as dinâmicas sociais, o trabalho, as finanças, a educação, os conhecimentos, e mesmo com os animais, o ambiente e os recursos naturais.

É este processo que começa a reorganizar as nossas prioridades, sem esforço, que faz as relações se pacificarem, e nos habilita para ver a compaixão não como uma coisa boazinha e bonitinha, mas como uma inteligência vigorosa, capaz de enviezar positiva e completamente a nossa experiência de realidade. E daí pode vir um interesse natural de aprender como andar ainda melhor, treinar uma atenção melhor, desenvolver mais compaixão, diminuir erros cognitivos, potencializar causas e condições mais verdadeiras de felicidade e florescimento humano.

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Um tema como este abre muitas questões, assuntos, dúvidas, ideias sobre as quais vale muito a pena falar e pensar. Este artigo é mais como uma chamada, pequena parte de uma série de ações encadeadas que estamos começando a fazer pra explorar mais a fundo cada um dos principais eixos dos quais depende o nosso equilíbrio emocional e uma felicidade mais genuína, perene e compartilhada.

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