A palavra que eu mais gosto é Lucidez

E eu tenho certeza que isso está relacionado ao meu propósito.

Jean Prestes
Onirika
5 min readJan 4, 2021

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(Por mais que eu não saiba se acreditar que há um propósito seja o melhor caminho, havendo ou não caminho).

Porque eu já vivenciei uma experiência mística ou algo assim. Sim, mística mesmo. Porque foi sem nenhum psicoativo, nenhum ritual, nenhuma meditação, nada. Eu estava em 2011, em algum dos pátios da UFS, esperando minha namorada. Lembro que estava lendo um livro, “Introdução aos Principais Autores da Psicanálise”, se eu não me engano sobre o título. Havia acabado de ler sobre uma autora em especial que falava de alguma indicação psíquica de que a nossa mente carrega uma espécie de conceito relacionado a um pré-eu. Deixa eu tentar explicar melhor. Que, quando a gente nasce, a gente já vem com um eu formado, psiquicamente falando. Como se esse eu precedesse o nascimento. Eu tenho um passado, pré-2011 ainda, de interesse pelo Espiritismo. E aí, ao ler isso do pré-eu, senti aquela maravilhosa sensação de alquimia acontecendo que eu sempre sinto quando misturo dentro de mim duas coisas aparentemente distintas. Seria esse eu que já existe antes do nascimento uma espécie de vida passada, um eu que está reencarnando? Foi a pergunta que fiz no laboratório da mente para misturar as duas essências: Espiritismo e Psicanálise. Uma que eu já havia gostado muito e outra que eu estava gostando muito naquele momento. Até aí tudo bem, porque eu sempre estava lendo sobre conteúdos mais subjetivos, psicanalíticos ou não, e vivia fazendo essa alquimia dentro de mim. Mas, minutos depois, aconteceu.

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Alguma coisa abriu minha visão. Do nada. É bastante difícil explicar em palavras como eu me senti, mas, tentando, foi mais ou menos assim:

Eu senti que não havia conceitos mentais filtrando a minha experiência com a realidade. Havia uma menina tocando flauta ao meu lado. Eu não pensava em nada, mas, se pensasse, seria algo assim:

— Nossa, isso é uma mulher. Isso é uma música.

Com ênfase no “isso”.

Era como se, antes desse momento, eu jamais havia realmente olhado para uma mulher ou ouvido uma música. Como se, antes, ambas as experiências, e todas as demais, estavam sendo incomodamente intermediadas pelas minhas crenças, pelos conceitos que eu carregava. Eu nunca havia visto uma mulher antes, o que eu via era o conceito que eu tinha pré-estabelecido sobre o que é uma mulher. O mesmo em relação à música. Ali, naquele momento, eu estava sem esse óculos, sem esse filtro, sem essa rede conceitual intermediando minha relação com o mundo. Como se esse filtro houvesse caído completamente, e agora sim eu conhecia o mundo, pela primeira vez.

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Logo depois, parecia que eu estava no meu corpo pela primeira vez. Como se eu nunca tivesse estado ali. Na linguagem espírita, estava encarnando naquele momento. Então, sucedeu uma sensação de dever cumprido. “Não tenho mais nenhuma missão aqui”. Ao mesmo tempo que algo ou alguém parecia nascer, algo ou alguém parecia morrer. E aí veio o momento “bad” da experiência. Porque, quando senti isso do “missão cumprida”, foi a maior sensação de liberdade que já senti na vida. Estava livre, dever cumprido, nada mais a se fazer. Livre de deveres, de obrigações, de qualquer coisa. Livre, livre. Mas aí, uma crença pré-instalada pelo próprio Espiritismo cagou a experiência. Veio a seguinte reflexão:

— Peraí, se eu não tenho mais missão, eu vou morrer.

E aí eu simplesmente tive certeza que ia morrer. Até aí tudo bem, porque todos nós vamos. Mas eu achei que fosse morrer ali, naquele momento, naquela noite. Como se fosse insustentável viver sem uma missão. Se não fosse essa porcaria de crença espírita, quem sabe eu não estivesse naquele nirvana até hoje, sim? Mas até que aceitei bem a morte. Poderia ter evoluído para alguma crise de pânico (o que me faz perceber que a iluminação e o pânico estão profundamente próximos), mas, enfim, aceitei. Beleza. Se vou morrer, paciência. O jeito é morrer. Tudo bem, o que posso fazer? E fiquei ali, embasbacado pela situação. Pelo saber que eu iria morrer. Eu não tinha dúvidas. Ao mesmo tempo, a realidade continuava desnuda, sem filtros. Pouco antes desse pensamento sobre a morte, lembro de ter pensado algo do tipo:

— Nossa, então é assim que as pessoas normais veem o mundo?

Ou seja, quando estive o mais próximo que pude do nirvana ou da iluminação espiritual, não me achei melhor que ninguém, pelo contrário, me sentia saindo de uma doença psíquica cheia de conflitos existenciais para a percepção mais natural e ordinária que se pode ter.

O ponto é: não morri. Ou melhor, meu corpo não morreu. Mas, nunca mais fui o mesmo.

Descobri a liberdade em não ter missão, mas ainda busco uma porcaria de uma missão para poder dar sentido à vida e organizar minhas ações práticas. Para quê faço o que faço? Sem uma resposta para essa pergunta, tenho dificuldade até mesmo em andar vestido pela rua. Mentira, isso foi um exagero. Mas, sem um propósito bem estabelecido, ao redor do qual as minhas tarefas giram, dentre elas a tarefa de lavar o banheiro toda semana, sem um propósito, de preferência grandioso, eu sou tomado pela letargia. Mas aí o que eu faço? Escolho e vivo um propósito? Ou aceito que não tenho missão nenhuma e fico de boas na vida?

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De qualquer forma, lucidez me parece um bom propósito. Porque se eu me torno lúcido a ponto de perceber que não tenho missões, pronto, missão cumprida. Isso me faz pensar que meu propósito é desenvolver lucidez. Ancorar continuamente a lucidez na minha vida, no meu olhar, na minha percepção. Aquela experiência mística durou o resto da noite e os rastros estiveram presentemente vivos durante uns três dias. Depois, voltei mais ao normal, embora nem tanto. É tanta coisa que poderia falar sobre o que tudo isso disparou em mim. Mas, o texto ficaria grande demais. Por ora, só quero expressar o quanto gosto dessa palavra: lucidez. O quanto ela é boa quando estou sonhando. E o quanto quero que ela seja boa aqui também, na minha vida acordada.

Esse texto não tem propósito. A missão já está cumprida. Qual a sua palavra preferida? E o que você acha sobre o pré-eu?

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Jean Prestes
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