Cá estou eu de novo

Jean Prestes
Onirika
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5 min readNov 20, 2021

Na frente de uma tela em branco para escrever

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Destaque para esse “eu” que ainda me persegue.

Há um tédio pesado localizado exatamente na parte central do fronte da minha cabeça. Se minha cabeça fosse um navio, teria naufragado para frente. Queria ser um João-Bobo, que quando alguém bate volta para o centro, de pé. De bobo ele só se faz. Sempre sorrindo. Mas sempre apanhando também, né? Por que eu queria ser um João-Bobo? Por que eu digo que queria ser um João-Bobo? Por que eu queria ou digo que queria ser algo ou alguém? De onde a gente tira tamanha estapafúrdia?

Dizem que o ser é absoluto e não exige complemento. Mas isso é tão diferente de tudo que me foi ensinado desde que nasci, que eu não sei se tento encaixar nesse caminho mais real ou me rendo ao caminho de sempre. Esse próprio tipo de pergunta já é coisa do caminho antigo, já sou eu rendido. Quem me rende? Quem constantemente me rende?

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Essa noite sonhei que era capturado por policiais. Que era algemado e seria preso. No sonho isso era um plano meu. Eu fiz algo bastante errado — que eu não lembro o que era — justo para ser preso porque por algum motivo eu precisaria viver a experiência da prisão. Quando colocaram a algema em mim e eu senti, tão real quanto qualquer sonho, o frio metálico nos meus pulsos, foi o auge da adrenalina. Depois, fiz questão de olhar nos olhos de um dos policiais que ali estava. Com a transparente cara da mais pura inocência. Como que querendo mostrar “Eu não sou um criminoso”. Eles foram um pouco mais bruscos do que esperava que seriam, embora eu não esperasse nada. Então comecei a pensar que, de fato, eu iria para uma cela. Uma cela, de verdade. Com outros presos. Pessoas perigosas e tudo isso. No sonho parece que eu não havia pensado nessa possibilidade. Pensei que poderiam querer abusar sexualmente de mim. Tudo se tornou assustador. E eu me arrependi profundamente daquele plano, o qual eu nem lembrava qual era. Quando acordei e me vi deitado, na minha cama, com meu filho ao lado, senti um inebriante alívio. Que alívio maravilhoso. Obrigado, semipesadelo, por um breve momento de felicidade real.

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Durante a semana faço questão de encher meus dias com métodos, rotinas e disciplinas. Mas a própria lógica me diz que é importante ter um momento sem rotinas, então eu guardo rotineiramente esse momento para os fins de sábado e domingos inteiros. E por não ter nada programado para fazer, por estar tão acostumado a viver as programações que eu mesmo me imponho durante a semana, esqueço o que é viver desprogramado. Estou numa relação de total ausência com a espontaneidade. Espontaneidade essa que brilhava em mim numa época em que eu não era pai e o máximo que poderia acontecer comigo seria a maravilha do mistério da experiência da morte. Foi meu filho nascer e tudo isso deu espaço ao desejo por entender o mercado financeiro e a economia, mexer com planilhas, ganhar dinheiro, investir com inteligência. Eu que seguia preceitos de filosofias orientais passei a seguir Bruno Perini e até Primo Rico. Isso parece uma decadência. Ou é uma alma curiosa experimentando todas as possibilidades da vida? Ou sou eu imitando o que meu pai foi pra mim? Agora que eu tenho um filho, não posso morrer. Muito menos ele. E aí viver se tornou engessado. É isso o que o medo da morte faz.

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Aí abro o whatsapp pra ver se alguém respondeu. Não, ninguém responde ao whatsapp aos sábados e domingos. Nada acontece nas redes aos sábados e domingos. Nada acontece no mundo aos sábados e domingos, pois provavelmente todo mundo está fazendo algo interessante. E eu estou perdendo mais um pedaço de momento que eu separo para fazer o que quiser fazendo nada. Um nada tenso. Um nada pesado. A cabeça aperta, mas o navio não naufraga. É um tipo de navio-bobo sim, embora ninguém esteja me batendo. Ou eu mesmo me bato. Sem querer, querendo. A vida é tão simples, mas descomplicar é complicado. Fácil é tirar nó de marinheiro. Mas navio-bobo não tem nó elaborado não. É tudo embolado. Vai parar para desembolar tudo isso, vai. Deve ter um jeito mais fácil. Deve ter um jeito mais simples. Ou não, viver é isso. Certamente a saída não é vir aqui escrever mais um texto. Isso é um vício mental que gera uma dopamina menos tóxica do que a social media. Mas aqui estou. Morto. Misturado a letras pretas num papel branco que não existe. Excrementando conceitos. “Excrementando conceitos” daria um bom nome de alguma coisa. Talvez desse texto. Mas eu sempre começo pelo título e o título já está lá. Mais uma ideia que se perde, que não serve para nada. Meu Deus do Céu, que tanta melancolia é essa? Alguém me ajude e me inspire um último parágrafo que salve pelo menos a cabeça de quem está lendo. Vai:

Ainda bem que as coisas externas, ciclos ou outros, se tornam entediantes. Como mergulharíamos no que verdadeiramente importa se sempre estivéssemos entretidos com algo aqui fora? De um jeito ou de outro eu escolhi conhecer o sutil, o mistério, o invisível. Se você quer conhecer esse tipo de coisa, o mercado financeiro não vai te ajudar muito. A única maneira de conhecer o invisível é sendo cegado pelo resto, mas ninguém quer viver a dor de se tornar cego. Mas, se o desejo de conhecer o real, o verdadeiro, o absoluto, é deveras grande, o infinito te cega, quer você queira quer não, para que assim, não podendo ver a ilusão, fique claro o que antes não era. A resposta está no escuro. No escuro.

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Jean Prestes
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