Esse título não será encontrado pelo Google

Esse subtítulo também não.

Jean Prestes
Onirika
5 min readJul 15, 2020

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Sem foco.

E nem esse texto como um todo. Ah, mano, estou bastante cansado. Antigamente sim que era bom (risos, risos). A época de ouro do surgimento dos blogs, lá nos idos de quê… 2004, 2005? As pessoas tinham disponibilidade para ler, porque… basicamente não havia muito o que se fazer na internet. Não tinha YouTube, Instagram — em verdade, uma foto poderia demorar uma quantidade de tempo expressiva sendo “baixada” para que fosse visualizada por completo. Não tinha TikTok, não tinha Android. Palavras são bytes. Um vídeo é, sei lá, uns 20 megabytes pelo menos? Boa era a época dos bytes. Não tinha SEO. Era só escrever ali e pronto. Saudades do meu blog “Fichado!” que tantas vezes esteve no Blogs of Notes do Blogger, chegando até a marcar presença no “What’s up”, uma sessão específica que destacava os blogs que chamaram mais a atenção de, enfim, alguém lá de dentro, e além da indicação do blog vinha um pequeno parágrafo fazendo a descrição. Foi o meu auge como escritor. Hoje, quem quer ler na internet? Nem eu quero, direito.

Mas gosto de escrever. E aí vem a segunda coisa chata, que é existir no sistema capitalista da Terra. A gente fica gastando energia em encontrar respostas para perguntas do tipo“Como posso agregar valor ao mercado fazendo o que gosto?”, “Como posso monetizar minhas paixões?”, “Como posso viver de escrever?”. É osso. Essas perguntas acabaram me direcionando para o Marketing Digital, em especial para a Produção de Conteúdo para Web. E aí eu descobri que eu precisaria ter um público-alvo. Que chato, no Fichado! eu não tinha público-alvo, eu só escrevia. E depois, pior, eu descubro que meu público-alvo tem que ser… robôs. Sim. Meu público-alvo é o Search Engine do Google e para isso eu devo estudar Search Engine Optimization, o famoso SEO. Então, tenho que cuidar dos títulos, das palavras-chave etc, etc, etc. “Foco nas listas”, “Crie títulos com perguntas”, me dirão os cursos de Inbound Marketing e Produção de Conteúdo para Web. Que saco, eu não quero escrever um título pensando no que o Google vai pensar de mim. Eu quero ser criativo e deixar a minha espontaneidade fluir. Não dá para ser feliz nesse planeta?

Google Earth… brinks.

Eu já cheguei ao ponto mais fundo possível do minimalismo. Eu realmente só quero comer saudavelmente e ter onde dormir. Sério. Já passei um ano e meio da minha vida vivendo em barraca de camping e tudo. Eu não sei plantar. Não sei construir casas com as coisas que a natureza dá. Isso me coloca num estado de dependência em relação ao paizão capita. Num modelo perfeito de organização social, eu não precisaria me preocupar com o que eu comeria porque certamente alguém que sente muito prazer trabalhando com hortas estaria plantando os alimentos que a humanidade precisa. Alguém que curte muito bioconstrução estaria construindo as casas para a humanidade morar. E eu poderia escrever um texto com um título que não fosse uma pergunta nem uma lista para nada, sabendo que eu teria o que comer e onde morar. E sabendo que eu poderia apreciar as pinturas de quem gosta de pintar, as receitas de quem gosta de cozinhar, e as descobertas científicas de quem gosta de descobrir. Sem banqueiros, sem bancos centrais, sem famílias detendo 1% de toda a riqueza do mundo. Será que o que eu preciso é de um coach que me ensine a não culpabilizar o mundo e encontrar motivação para monetizar minhas paixões?

A condição é só querer.

“Você precisa transmutar as suas crenças limitantes em relação ao dinheiro”. Sério? Será que preciso mesmo? Como? Enxergando o dinheiro como o que ele não é? “O dinheiro é uma energia neutra, pode ser utilizado para o bem ou para o mal”. Sério? Você já viu o sistema no qual o dinheiro está inserido? Eu realmente preciso fazer um esforço para ver o dinheiro como uma entidade à parte, desconectada do poder exercido pelos bancos centrais e todo o sistema financeiro? Pedir dinheiro pelo que se oferece como serviço e produto, para mim, é deprimente. É brochante mesmo. Dinheiro é um título, um documento que comprova que aquilo ali tem um valor qualquer. Um papel estranho, feio, com animaizinhos desenhados, normalmente sujo ou amassado. Que sistema arcaico esse, gente. Sim, eu sei que o dinheiro não é o mal do mundo. Os bancos centrais sim o são. E os bancos centrais usam o dinheiro para girar o sistema de quem os controla. E eu não sei como destruir os bancos centrais ou ajudar a mudar o sistema. Na verdade, esse é o máximo ato de rebeldia que eu consigo alcançar, no momento: escrever um texto sem SEO que não será lido por ninguém. O Inbound Marketing não vai controlar o único patrimônio que eu tenho: a escrita espontânea.

De resto, fazer o quê? Quem sabe? É bom liberar minhas lamúrias aqui. E torcer, como sempre, para que nesse parágrafo surja algum elemento que me permita pelo menos encerrar esse texto com alguma coerência. Torcer, enquanto eu escrevo, enquanto eu martelo as teclas com os dedos. Venha, venha, conclusão. Será que eu deveria começar a escrever textos mais planejados? Eu não anulo essa possibilidade. Eu não anulo nada. Eu não anulo nem a possibilidade de me tornar um especulador financeiro e ganhar dinheiro com o mercado de ações. Assim como eu já gostei de Banco Imobiliário, The Sims e até de Capitalism Lab, posso olhar tudo como se fosse um jogo, e me divertir jogando, sem me preocupar com a vida dos demais players. Posso fazer como me recomendou o livro “Pai Rico, Pai Pobre”: sair da corrida dos ratos. Ele só não diz que a gente tem que continuar fazendo parte da exploração dos que continuam sendo ratos. É possível um sistema sem ratos, mas aí não haveria o 1%. Enfim, por hora, editar esse texto. Enfeitar um pouco essas palavras. E pensar numa estratégia de transição para a minha vida. Aprender a plantar e a construir biocasas. Acho que é o segredo desse jogo. Ou, pelo menos, para sair dele.

Será que aquilo é uma casinha?

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Jean Prestes
Onirika

Produzo conteúdo para humanos, não para algoritmos.