Meta/Facebook: a real ameaça à descentralização

É rezar para não acontecer com o Bitcoin o que aconteceu com o mIRC

Jean Prestes
Onirika
7 min readJan 28, 2022

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No início dos anos 2000 o que dominava o bate-papo, tanto na minha cidade quanto em muitas outras do Brasil, era o mIRC.

mIRC.

O mIRC era (na verdade é, ele ainda existe) um software voltado para bate-papo, mas também com outras aplicações, que usava um protocolo aberto, conhecido como IRC (Internet Relay Chat), e tinha uma linguagem de programação própria, o mIRC Scripting, semelhante à Linguagem C. Isso tornava o mIRC muito interessante, porque ele poderia ser editado livremente. Inclusive, minhas primeiras experiências com programação vieram daí. Então, a partir do mIRC surgiram vários Scripts (que eram esses “mIRCs personalizados”) com diversas funcionalidades diferentes, cada um voltado para uma preferência/necessidade, e mesmo esses scripts também poderiam ser editados pelos usuários. Eu mesmo cheguei a modificar completamente o famoso script Full Throttle e criei o meu próprio Faulk Script.

Era muito legal. Dentro do servidor da BrasNET (existiam vários servidores de IRC, mas a BrasNET era de longe o mais usado no Brasil) você poderia criar seu próprio canal (saudoso canal #Midnight, que eu gerenciava junto com meus amigos) utilizando o Chanserv, registrar o seu nick para que só você pudesse ter acesso a ele (saudoso ‘faulk’) através do Nickserv, deixar mensagens gravadas para seus amigos através do Memoserv etc. Ao criar canais de bate-papo você poderia definir suas próprias regras, eleger os @Operadores, dotá-los de variados níveis de poder no canal, e em geral esses operadores poderiam kickar ou mesmo banir aqueles que não estivessem se comportando de acordo com as regras. Enfim, o ponto é:

Os usuários tinham bastante poder e liberdade de atuação e personalização dentro do mIRC.

Mas aí veio o MSN Messenger.

MSN Messenger.

O “problema” do mIRC era principalmente sua interface não muito intuitiva e muito menos esteticamente agradável aos olhos convencionais. Quem realmente se interessava por computação, programação, ou mesmo quem já estivesse há um bom tempo usando o mIRC, não se importava e já estava bastante adaptado. Mas o MSN trouxe uma interface muito mais bonitinha ao usuário comum, com emoticons já prontos (no mIRC nós criávamos emoticons através dos caracteres puros, por exemplo: :) :( :/ =~ ;\ >/ e eles ficavam assim mesmo, não se transformavam numa bolinha amarela com a face toda bonitinha e desenhada não), com sonzinhos específicos para as diferentes ações no programa e outros floreios. Porém, agora sem nenhuma possibilidade do usuário editar nada, nem criar canais, nem colocar suas próprias regras, registrar nicks, nada.

A estética venceu a funcionalidade.

E o que isso tem a ver com o Meta/Facebook e o Bitcoin?

Photo by Dima Solomin on Unsplash

O Bitcoin me lembra o mIRC nos seguintes termos: é aberto, editável (o código do Bitcoin é completamente público e acessível, de modo que você pode inclusive editá-lo e criar sua própria criptomoeda), empodera o usuário, envolve uma abstração matemática em termos de conhecimento computacional mínimo para realmente entender a estrutura de seu funcionamento. Ao mesmo tempo, não é tão intuitivo para o que a maioria dos usuários de internet de hoje estão acostumados. Tudo bem que você pode fornecer o poder a uma corretora deixando seus bitcoins com ela, mas todos sabemos que isso não é o mais adequado. Para realmente ter posse dos seus bitcoins ou quaisquer outros ativos tokenizados é necessário ter as palavras-chave da sua carteira virtual. São 12 palavras. Caso você esqueça essas 12 palavras ou alguém as acesse, pronto, você perdeu seus bitcoins. Termos como blockchain, NFT, DeFi, Proof of Work, Proof of Stake, mineração, ainda são difíceis de serem abstraídos pelo usuário comum da internet, assim como IRC, Script, Brasnet, Nickserv também eram. Existem diversas blockchains, diversas criptomoedas, diversas carteiras, diversas formas de validação, assim como existiam diversos servidores, diversos scripts, diversos canais, até que veio simplesmente um programa centralizando tudo: MSN Messenger.

O Meta/Facebook pode ser o novo MSN, e isso precisa estar no radar.

Apresentação sobre o Metaverso.

Mesmo se você não assistiu a apresentação completa do Mark Zuckerberg sobre o Metaverso (vídeo acima, vale a pena) deve ter ouvido falar sobre alguns pontos dessa apresentação. Inclusive, pasme, alguns termos como “blockchain” e “NFT” chegam a aparecer durante o vídeo, não com muito destaque, mas aparecem. É tudo extremamente bonito, empolgante, positivo, até fácil de entender, já que ele não se aprofunda em termos muito técnicos. Certamente muito mais intuitivo e palatável para o usuário comum. Outra coisa que o Meta/Facebook tem e que o MSN também tinha quando destronou o mIRC recebe o nome de: dinheiro. Muito, muito dinheiro. O Meta/Facebook anunciou que pretende investir 10 bilhões de dólares na construção do seu Metaverso.

O que o excesso de capitalização e centralização juntos fazem é acelerar as coisas. Não precisa de consenso com a comunidade para decidir nada. O Mark decide e paga muito dinheiro para que o obedeçam e tudo acontece rápido. Diferente das mudanças no Bitcoin, que tendem a acontecer numa velocidade muito mais lenta porque toda a comunidade de mineradores precisa dar consenso a essas mudanças. Mas, por ser aberta, descentralizada e distribuída, a rede do Bitcoin fornece muito mais segurança em termos de privacidade. Ou você acha que seus dados estarão seguros na mãozinha do Mark? Justo ele.

A pergunta que fica é:

O que as pessoas valorizam mais? Estética e facilidade ou liberdade e privacidade?

Photo by Snowscat on Unsplash

Facilidade, porque certamente participar da “blockchain do Meta/Facebook” (vamos chamar assim, embora em nenhum momento ele afirma que irá utilizar a tecnologia da blockchain, mas o que mais ele poderá utilizar para criar seus NFTs?) será muito mais fácil. Aposto que você não precisará procurar uma entre as tantas carteiras virtuais de diferentes blockchains ou hard wallets, nem ter que guardar 12 palavras-chave aleatórias para cada carteira diferente para ser dono do próprio dinheiro, como se diz: ser o seu próprio banco. Nem terá que analisar os fundamentos de diferentes criptomoedas para comprar as que fazem sentido para você. Não, não, o Facebook, assim como qualquer outra grande empresa de tecnologia, nunca prezou pela descentralização. Aposto que será a blockchain do Meta/Facebook, com a moeda do Meta/Facebook e você não precisará decorar 12 palavras porque seu dinheiro estará sob posse do Meta/Facebook.

Ao mesmo tempo, uma coisa é muito clara para mim: a descentralização e a distribuição são conceitos fundamentais para a nossa evolução como humanidade em termos tecnológicos. Não que o Bitcoin vá resolver todos os problemas sociais do mundo nem acabar com a especulação ou opressão financeira por parte dos que possuem mais em relação aos que possuem menos. Não, eu não acredito nisso. Mas o que essas empresas grandes de tecnologia, da chamada “economia colaborativa” (que na verdade é uma economia acumulativa) fazem é obsceno. Os motoristas de Uber se matam de trabalhar e a Uber sem possuir nenhum carro acumula tudo. Os entregadores do iFood a mesma coisa. AirBNB… Sem falar nos próprios bancos, que lucram horrores com a nossa necessidade de fazer transações financeiras entre nós mesmos, pessoas comuns. São grandes empresas que sugam todo o potencial colaborativo da internet para elas. Com o Bitcoin e outras blockchains esses intermediários se tornam desnecessários e a possibilidade de essa riqueza ser mais distribuída é bastante real e evidente.

Porém, me preocupa a capacidade que uma grande quantidade de dinheiro nas mãos de uma empresa centralizadora como a Meta/Facebook tem de atrapalhar esse fluxo natural do desenvolvimento tecnológico humano, aliado ainda a uma, talvez, falta de motivação por parte da maioria dos usuários de internet para assumirem a responsabilidade e os desafios de serem donos do seu próprio dinheiro, da sua privacidade e da liberdade de viver sem intermediários.

E agora, onde eu invisto? Nas empresas centralizadas ligadas ao Metaverso do Facebook/Meta ou nas blockchains descentralizadas que já estão construindo seus metaversos? Qual aposta irá prosperar mais? Como eu posso ganhar mais dinheiro?

Talvez a melhor pergunta não seja essa. Talvez a melhor pergunta seja:

Qual você quer que prospere?

Photo by Bermix Studio on Unsplash

Investir é sempre um risco e seu aporte financeiro no ativo que seja, centralizado ou descentralizado, pode passar por oscilações, valorizar e desvalorizar com o tempo. De qualquer forma, há um risco de se perder dinheiro. Mas, quando você investe naquilo que você quer ver acontecer no mundo, mesmo que você perca dinheiro, pelo menos está em paz com a sua consciência e não financiou a perpetuação daquilo que você acredita não estar a favor da prosperidade humana na Terra.

Como dizem as apresentadoras do canal de Youtube Usecripto:

Opt Out!

UseCripto.

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Jean Prestes
Onirika

Produzo conteúdo para humanos, não para algoritmos.