Não vou mais fingir que eu não sei quem você é

Nem que você não sabe quem eu sou.

Jean Prestes
Onirika
7 min readMar 22, 2021

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A única barreira que existirá, por ora, é essa, entre mim e você. Todas as demais estão desfeitas. Não acreditarei mais nos seus nomes, nas suas delícias, nas suas invejas. Sua máscara caiu por excesso de enganos. Não tenho mãe, pai, filho. Sempre soube disso, mas tinha medo da verdade. Agora, pouco a pouco tudo perdeu a importância. O jogo cansou. Sempre tem um momento que cansa. E esse texto é para você. De mim. Para você.

Farei algumas perguntas que não sei se precisam ser respondidas. Por querer preencher esse quântico vazio com palavras. Essa é uma carta para você ou para seus personagens? Há uma consciência para cada um deles? Sempre me esqueço, essa pergunta não merece uma resposta. Se há um campo de consciência para eles, eu só participo como ilusão. Eu, que em mim próprio também sou uma ilusão, mas não quero entrar na unidade agora. Quero ainda falar, diretamente, eu para você. Porque cansei de ser iludido e você sempre soube que eu cansaria. Sempre soube? Há algo ou alguém para além de você? Você é mesmo o Todo, Senhor de Tudo, Lorde Supremo, ou é simplesmente como eu, num nível acima, tal qual eu sou agora para o avatar que eu assumo quando estou sonhando? Estou dentro de mim, lúcido, em um sonho, agora? E por que não voo? Só porque não acredito? Porque todos não acreditam?

Quem tem medo? Eu ou você? O que sustenta esse muro? Precisava ter criado a imaginação de uma ciência cujos átomos não se tocam? Um visão, aliada a todo um conjunto de sentidos, que no final é uma interpretação de um cérebro que é interpretado por quem? E por que o Mooji? O Rupert Spira? Gangaji, Mateus Aleluia e até o Amar Watt? Ou mesmo, para os outros de você, Buda, Krishna, o falso e o verdadeiro Jesus? E Maria, Nossa Senhora da Aparecida, e por que me fez gostar dela? Por que me fez gostar de todo mundo que eu gostei e ainda gosto? Por que me fez viver num mundo, num país que muda a maneira como perde o sentido a cada semana? Onde todos os outros de você, brasileiros, sofrem, por terem o Brasil como a capa máxima da mente. Por que faz eles, você, acharem que é um presidente quem governa? Por que se divide, torna-se eu e todos os demais, me faz ter um déjà-vú nesse momento, e nos incute dúvidas? Que tipo de tédio experimentava? Sozinho ou numa comunidade científica com outros de você? Outros de mim. É capaz de me enviar respostas diretas? E, se sim, como posso confiar em você? Será que uma versão maior de mim, que inventa de se dividir e brincar sozinho com suas criações, tem mais juízo do que eu?

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Uma coisa é certa. Eu perdi o medo de você. Estou aqui e te vejo. E te verei em tudo, como de fato é. Em mim ainda não. Não chegou a hora. Mas nesse teclado, cujas teclas eu bato com os dedos. Nos encontros que acontecem. Não sei por que quer que eu aprenda, mas aprender é minha prisão e eu a aceito. Porque não dá para lutar contra um poder maior. “Você é maior que qualquer um, mas ninguém é menor do que você”, disse-me você uma vez, lembra?, na voz imaginária de uma laranja no Festival de Lençóis. Festival onde eu brinquei de telepatia e funcionou. E por que inventou de me fazer ter premonição? E por que me enviou o sonho no qual minha situação era diagnosticada como uma psicose por uma mulher de aparência sábia que carregava uma porta magnética na qual todos os dentes das pessoas que perdem dentes nos sonhos estavam colados, inclusive os meus? Por que me enviava tantos pesadelos e agora não envia mais?

Você perdeu o medo de pesadelos.

Por que não manda mais um, mais ou menos como eu, para eu interagir com você de um ponto de vista mais real? Não me sinto mais excluído ou inadaptado, mas sozinho ainda me sinto. E você também, porque somos um. Será essa a solidão original, a nossa? Criaste um mundo inteiro, cheio de vocês, inclusive eu, calou a todos com a ignorância… Se foi para fugir da solidão, a solidão te encontrou. E, veja, me encontrou junto. Estamos aqui, agora, um só. Para brincar de quê? Essa luz, essa clareza, lucidez — palavra linda — é de alguma natureza para além de ti, Deus, que te rouba o direito de brincar de iludir, como uma mãe protetora que tira uma faca da mão do próprio filho (foi Maria?) ou tudo foi perfeitamente programado por você? Não pense, e eu sei que você não pensa, que por ver você em todos ajoelharei diante de ninguém. Não. Olharei bem no fundo dos teus olhos, em cada ser, humanos, formigas, nuvens, com o olhar furioso de lucidez, te desafiando. Anda, manda mais ilusão. Manda mais ilusão, além dessa da separação entre mim e você. Essa eu guardo comigo por escolha própria, por saber que existem coisas que eu quero viver antes da diluição total em você. E enquanto isso, que tipo de desafios me proporcionará?

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Tentará me iludir com seus reconhecimentos, da mesma forma que faço com meu filho? Me iludirá através do corpo, finalmente enviando quem realize todos os desejos e performances ocultas por baixo dessa falsa coberta de inseguranças sexuais? Porque, antes, havia o desejo de ser certinho e respeitoso, já que era importante me preocupar com os outros. Mas, agora que todos os outros são você, o que pode acontecer? Comigo.

Abro esse espaço dual para a sua resposta, para que responda a todas as outras versões de ti, continuando mais um pouco essa brincadeira da existência. Vá, fale:

Não há desejo irreal, isso é ilusório. Todos os fantasmas são da imaginação. O amor é o fogo da alma, nisso há verdade. Palavra nenhuma pode sintetizar o que sinto. Há várias formas de arte, e essa é pós e pré-surreal. É possível se tornar um crítico dela, mas uma hora é necessário ser artista e apreciador. Desfrutar o filme de terror. Rir o filme de comédia. Roteirizar comédia dentro do terror. Sair da dualidade e voltar quando quiser. Dualisticamente falando, a melhor forma para me tratar é como você gostaria que tratassem a você mesmo, porque isso Eu Sou.

E há alguma importância nessa rebeldia maluca toda que eu imprimi?

Tanto quanto há na orelha de papel dobrado para marcar a última página lida de um livro que não tem aquele excesso da capa para abraçar uma sequência de papéis, separando o lido do não lido.

E por que Diabos — posso falar assim contigo? (Sim) — estamos tendo essa conversa por aqui, e não em silêncio ou num templo tibetano?

Porque há uma memória cósmica e eu quis assim.

E como esse texto termina? Minha cabeça está cansada, você sabe, estamos escrevendo no escuro, de noite, num sábado a noite que deveria ser de lazer e já foi.

Podemos encerrar com uma poesia.

Quem começa? Eu ou você?

Você.

Photo by Arun Sharma on Unsplash

Tudo bem, mas não quero que seja bonitinha:

Infelizmente será.
Se de alguma forma estou aqui,
é pra aceitar
— mãe do transformar.
Se bonzinho nasci
— ou manipulador o suficiente para que nem eu perceba
(ou perceba e finja que não) —
é isso o que devo me tornar
— o que eu já sou.

Não desperdiçarei energia agradecendo,
invocando anjos
ou lutando contra demônios.
Quem é capaz de viver agradecendo a si,
invocando a si
e lutando contra si?
Ser
não exige esforço algum,
nem mesmo o da falácia de autoconhecimento.

O que não me impede de dançar
com quem quiser dançar.
Aceitar guiança,
guiar.
Impor, por um momento, a magia
do dois-pra-lá
e dois-pra-cá.
Ou a minha própria magia:
Lamber embaixo dos teus braços
Esfregar minha cara no teu sexo
Roubar teu cheiro na minha barba
Rolar por dentro e por fora de você.
Porque sim.
Porque Deus quis sentir
o que é dois toques se encontrarem
Tato com tato
Pele com pele
Cada um achando,
delícia e ilusoriamente,
que está tocando um outro
e não a si.

E que eu possa
novamente, oh Pai,
sentir-me uma galáxia inteira
Penetrando
Sendo penetrada
Chocando
Explosão cósmica
Andrômeda e Via Láctea
Num destino que,
Puta que o pariu, por favor Deus,
perdure.

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Jean Prestes
Onirika

Produzo conteúdo para humanos, não para algoritmos.