O mistério por trás da água encanada

A fonte ilusória de poder sobre.

Jean Prestes
Onirika
4 min readMar 15, 2021

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Ninguém sabe do que tudo isso se trata. Muito menos como tratar tudo isso. O que sim se sabe é como outorgar as armadilhas que nos cercam a um quintal que não existe. O corpo é templo, mas pode ser castelo. O entorno sempre será jardim, mas pode ser floresta. Um personagem que surge… é templo, duende de enfeite ou animal selvagem? Um personagem importante e uma formiga — que passeia desapercebida pelos cantos da vista, laborando motorizada pelo mistério, macho, fêmea, e por que Deus cria tantos machos e fêmeas? — são feitos da mesma poeira de alguma estrela distante que morreu um dia ou são criações completamente diferentes? Quem habita em você habita em você? Ou você limita o alcance do poder da magia Eu ao seu próprio castelo? Se reparar bem, seu coração quer expandir. Seu coração quer conquistar o mundo inteiro. Não pelo desejo de domínio, mas pelo de reconhecimento. Se tudo surge no meu mundo, esse mundo só pode ser meu, e não há nada mais natural que isso.

Essa noite sonhei que naves voadoras surgiam no céu, de repente. Como as sondas que cientistas desse mundo-eu andam enviando para eu-Marte. Quem estava comigo, estranhava. Mas eu, dono do sonho, sabia — sem saber explicar — do que aquilo se tratava. Eram naves bonitas, meio brancas, grandes, com bastante curva, círculos, arredondadas, femininas. Eram duas. O que tínhamos que fazer era voar na direção delas. Atravessá-las. Então, pequei a mão de quem tava comigo, ela, e saltei no sentido das naves. A paisagem era bonita. Muita água e natureza (pra você ver a quantidade pouca de ingredientes necessários para se fazer uma paisagem bonita). Mas quando saltamos para as naves, caímos na água. No fundo dela. E continuava bonita. Peixes, corais talvez. Só que estávamos no fundo da água e isso parece algo perigoso. Mas acabou não sendo, porque era sonho. Eu descobri que podia respirar debaixo d’água e puxava com tranquilidade e delícia o ar-água-pura para inspirar. Simultaneamente quis mostrar para ela, caso ela estivesse preocupada, que ali era possível respirar. Mas, percebi que falar não era. As palavras não saíram e eu não sei o que aconteceu depois. Mas pesadelo não virou não.

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Os sonhos nos mostram que existe sempre uma parcela de controle e uma sombra. Para cada coisa que se cria, uma sombra. Todo punhado de areia que é retirado do monte deixa um buraco. O buraco no monte é a sombra do castelo feito da areia. Controle, descontrole. Livre-arbítrio, destino. Eu, outro. Masculino, feminino. Não são opostos. Deus criou castelo de livre-arbítrio e deixou um buraco num monte que tinha nome de alguma coisa — talvez infinito — e o buraco virou destino. Deus tirou o homem do monte-útero e deixou um vazio na mãe. Se a mãe era infinita, o vazio tem nome de quê?

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Devemos respeitar a hierarquia das coisas. A criação é: primeiro vazio, depois mãe, depois filho, só depois homem. Por isso “em nome do pai, do filho e do espírito santo, amém” está invertido. É ao contrário. Sendo que a mãe é o espírito santo, e o amém o vazio. Como todas as coisas sagradas são alteradas pelo desejo escuso de poder. Como a suástica hindu virada um pouquinho para o lado pelo nazismo. Como o olho que tudo vê, sagrado, no centro de um triângulo, colocado no topo de um outro triângulo, piramidal, feito de blocos de concreto, por quem criou a nota de um dólar. O descontrole é o nome do buraco deixado no monte da areia-fluir. Fluir não é descontrolar. É quando o controle e descontrole se fecundam, gerando um novo ser, o ser originário, que se tornará mãe-arte, espírito santo, e verterá em vazio-amém.

Por isso, em verdade vos digo, água encanada é sangue. Corpo é matéria, castelo feito da areia do monte mistério. Buraco de mistério é o quê? A sombra do corpo é o quê? Outro corpo. Desconectado das células neuronais que habitam o meu cérebro e carregam, trabalhadoras, os sinais elétricos produzidos pela vontade do invisível eu. Outro corpo, que, diferente desse, tece o descontrole. Outro corpo, do qual, diferente desse, eu não movo os músculos com a mente. Músculos, fibras, anatomia bela, sombra incontrolável do controle que me habita, magnetismo de fecundação que deseja apenas dançar, controle com descontrole, para preencher o vazio deixado pela areia retirada do infinito, e experimentar gozo no esquecer de tudo.

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Jean Prestes
Onirika

Produzo conteúdo para humanos, não para algoritmos.