Receita prática para superar uma paixão arrebatadora

A Física da Psicologia.

Jean Prestes
Onirika
5 min readDec 28, 2020

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Paixão talhada na árvore.

Aconteceu comigo e eu sei que já aconteceu com você também. Aquele amor incontrolável. A obsessão dos pensamentos. Uma outra pessoa, um outro ser, presente como matéria-prima da criação da sua mente numa frequência maior do que a que seria recomendável para uma vida cotidiana prática saudável. Aparentemente, um fenômeno poderosíssimo, para além da nossa capacidade de controle. Aparentemente.

Comigo foi assim. Ela era linda, óbvio. E, aparentemente (de novo), gostava de mim, gostava da minha companhia, buscava estar próxima a mim e interagir comigo. A maneira de sorrir e outros sinais me faziam acreditar que estávamos numa mesma vibração, numa mesma percepção e talvez numa mesma vontade. E minha vontade era enchê-la de beijos, abraços, apertos e toda forma de prazer possível. Porém, na hora H, não fluía nesse sentido. Algo nela evitava, desviava, ou fugia. Eu aceitava, óbvio. Mas, logo ela voltava. E acho que justamente esse ioiô era o que alimentava a minha imensa vontade de ficar com ela. Porque ela não, digamos, me “dava um fora” real e definitivo. Parecia que ela estava jogando comigo e algo dentro de mim gostava desse jogo.

O ponto é que, em determinado momento, estávamos em uma fazenda no Rio Grande do Norte, eu e outros dez artistas de rua, ela inclusa, e de repente chegou a época do carnaval e foram todos para Olinda. Menos eu. Fui o único a permanecer nessa fazenda, que era bastante isolada de tudo, no meio profundo da natureza, sem internet. E aquela angústia da paixão se intensificou em mim. O coração apertando, enviando sinais a todo momento. Um desejo de tê-la comigo. Pensamentos obsessivos. Uma não-compreensão da coisa toda. Enfim, você sabe como é. Isso, ou algo parecido, já aconteceu contigo. Uma paixão não harmonicamente correspondida. Por ser platônica, rejeitada ou impedida por algum outro fator do destino. Mas, quando estamos sob uma profunda paixão que não pode se concretizar conforme quer o nosso desejo, ela se torna bastante incômoda. Eu sentia que precisava com uma certa urgência superar aquilo. Mas como? Tive uma ideia. Lembrei de Jung e outros ensinamentos sobre Psicologia.

Claro. Eu só poderia estar projetando toda aquela energia nela. Se estava sendo projetada de mim para ela, a origem só poderia estar em mim.

Projeção.

Lembrei desse ensinamento. Tanto aquilo no outro que incomoda muito a gente, sem motivo, quanto aquilo que gera altas doses de admiração, são elementos que, em verdade, estão presentes em nossa psique, em nosso interior, e que por não estarmos dando atenção adequada, estão gritando dentro de nós para serem reconhecidos. Então, tudo bem. O que nela estava me chamando tanta atenção? O que nela eu estava amando tanto? O que eu queria tanto a ponto de estar buscando nela? Fiz isso: uma lista.

Surgiram os elementos que eu mais gostava e achava bonito nela. Seu amor com os animais, sua delicadeza ao lidar com as plantas e as flores, sua energia leve e suave. Enfim, a maior parte do que consegui listar fazia referência a algo que, dentro de mim, estava muito associado à energia feminina. Nós, homens, somos convencionalmente adestrados para recusar certas características que sejam “coisa de mulher”, desde a infância. Nisso, colocamos essas características numa caixa chamada “coisas de mulher”, catalogamos com o selo “inferior”, e jogamos para o fundo das profundezas do nosso inconsciente, tudo isso sem perceber. Aquilo não era simplesmente uma paixão. Era essa caixa voltando. Porque há uma força elástica psíquica que funciona tal qual a força elástica material. Como se houvesse uma mola. Quanto mais você empurra para baixo, para as profundezas, mais ela volta com força, e muitas vezes desgovernada, quando a energia da mola se torna maior do que a força que você está fazendo para reprimir.

Força elástica.

Assim, não era dela que eu precisava, era libertar a minha energia feminina contida. Conectar-me ao Sagrado Feminino que há em mim. Agir com amor e cuidado em relação aos animais, ter delicadeza e sensibilidade com as flores, e toda feminilidade que eu estava percebendo nela, tudo isso estava em mim, gritando pela necessidade de ser expresso. Então, de certa forma, com uma certa instantaneidade, já que eu realmente estava muito mergulhado em mim e disposto a superar aquela angústia, toda aquela paixão que estava sendo derramada para fora, voltou para dentro. Por mais que eu ainda não estivesse familiarizado com a expressão daquela energia feminina, soube que ela existia em mim e estava pronta para começar a se expressar. E isso foi uma descoberta maravilhosa. Porque aquelas características que eu estava buscando beijar, abraçar, trazer para perto de alguma forma, já estavam o mais perto possível, em mim mesmo. Passei a sentir um amor-próprio como jamais havia sentido antes. Apaixonei-me, correspondidamente, por mim. E o meu amor por ela também se intensificou. De uma maneira clara, leve, harmônica, sem necessidades ou expectativas. Não um amor que quer algo, mas um amor que é grato pelo que já está acontecendo. Foi graças a ela, como um ser externo a mim, que eu pude perceber tanta potencialidade feminina no que eu sou, e além de tudo descobrir a importância que há nesse ensinamento:

Aquilo que projetamos nos outros, está em nós.

Mais projeção.

E para você ver como as coisas funcionam. Dias depois eles voltaram para a fazenda, e ela também. E aí, de uma maneira completamente natural, num primeiro momento propício para isso, ficamos. E continuamos ficando pelo tempo que ela esteve na fazenda. Ela já estava com viagem de volta marcada para a Argentina. E voltou, foi embora. Senti a sua falta, claro. Por um dia ou dois pensei bastante nela. Depois, tudo bem, a vida seguiu naturalmente, sem falsas projeções para barrarem o curso do rio. Ela já estava em mim.

Ah sim, e a “receita” do título. A receita é essa mesma. Não só para paixões, mas para tudo que está em outra pessoa e que está te puxando uma atenção desequilibrada, gerando incômodos ou obsessões. O que é que está te incomodando no outro? O que é que está te hipnotizando no outro? O que no outro faz você querer estar profundamente longe ou perto? Anote. Sim, faça uma lista. Depois, olhe com atenção. Descubra-se, conheça-se. E deixe-se livre, você e o outro. O outro para ser quem ele é. Você, para a mesma coisa. Às vezes demora um pouco para funcionar. Mas funciona. É Física. A Física da Psicologia.

Física.

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Jean Prestes
Onirika
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Produzo conteúdo para humanos, não para algoritmos.