Se os dados são o novo petróleo, quem somos o pré-sal?

E como fazem para nos perfurar?

Jean Prestes
Onirika
4 min readSep 8, 2020

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Códigos

Quando a internet surgiu e se popularizou, passada a euforia inicial por algo tão, bem, que revolucionou a comunicação no planeta e nos conectou a todos, uma reflexão começou a surgir em mim:

Como algo tão bom, tão incrível, tão revolucionário, pode ser assim, tão barato e tão acessível para todo mundo?

Sempre achei estranho isso. Tudo bem, era preciso ter um computador e um provedor de acesso, e isso, bem, sim, tinha um custo. Mas, passando essa fase, sites e mais sites, e depois aplicativos e mais aplicativos, serviços que hoje são essenciais como google, facebook, whatsapp, gmail, tudo gratuito. Por quê? Será que realmente alguém muito bonzinho estaria por trás da criação, disponibilização e popularização dessa rede tão especial?

Alguém bonzinho.

Quando comecei a participar da militância estudantil nos tempos de faculdade e a questionar o sistema econômico, passei a perceber que, realmente, algo assim, em pleno capitalismo, tão gratuito e acessível, era, no mínimo, estranho. Mas, também não tinha uma resposta. Ou, na verdade, tinha uma resposta parcial. Porque, oras, muitas vendas começaram a acontecer, muitos anúncios no facebook e no próprio google, e na internet inteira, enfim. Mas, depois, descobri que não era só isso.

Recentemente, assistindo a um vídeo do Átila Iamarino sobre o Google, ele afirmou que o criador do Google não o criou para ser um motor de busca, e sim um alimentador de Inteligência Artificial. Sim, desde aqueles primórdios, quando o Google surgiu, seus fundadores já sabiam a função que ele exerceria. O fato de a Inteligência Artificial estar, hoje, sendo construída com base nos dados que cedemos cotidianamente para as “redes sociais” não foi uma consequência ao acaso. Ou seja, “Olha só, agora que já temos o facebook e todas essas redes, que tal se começarmos a alimentar a IA?”. Não. Toda a estrutura da internet, aparentemente, já foi criada com esse propósito. E aí surgiu a famosa frase:

Os dados são o novo petróleo.

IA

Da mesma forma que o petróleo teve todo o valor que teve durante o século vinte, como combustível de carros e forma de energia para tantas outras máquinas, agora as novas máquinas, movidas pela Inteligência Artificial, mais do que petróleo, elas precisam aprender a aprender. É o tal Machine Learning. E como elas fazem isso? Com quem elas aprendem? Com a gente mesmo. Basicamente, imitando o nosso comportamento e as nossas escolhas através das redes sociais. Através dos nossos dados. Por isso as maiores empresas do mundo hoje são empresas de dados. Amazon, Google, Facebook. A internet é uma imensa perfuradora. E nós somos o pré-sal. As redes sociais nos perfuram, coletam os nossos dados e fazem a IA funcionar. Hoje, esse mecanismo não está tão claro porque tudo isso ainda está no começo. Estamos entrando na era em que dados valem mais do que dinheiro. Estamos dando, de graça, algo que vale mais do que dinheiro, a cada minuto, para essas empresas. Não, elas não estão nos ofertando um serviço gratuito. Nós é que estamos doando dados para elas.

Ao perceber essa lógica se formando dentro de mim, uma sensação de clareza muito boa se deu. Não que eu me sinta confortável nesse novo sistema ou mesmo concorde com ele. Mas, pelo menos agora eu sinto que eu vejo o que realmente está acontecendo. Continuou cedendo meus dados? Continuo. Sou dependente do sistema tecnológico da internet como quase todos nós? Sim. Estou pensando em abandonar a internet ou aplicar alguma outra estratégia para mudar a minha condição diante de tudo isso? Não. Recentemente, também tive um insight interessante. Eu sempre me incomodei com essa sensação de ser um escravo do sistema, do capitalismo e agora desse tecnocapitalismo. Sempre tentei lutar contra ou sair desse sistema de alguma forma, o máximo que eu podia. Nunca consegui. Então, reconheci a opção de, enfim, simplesmente aceitar a minha condição de escravo. Aceitar-se escravo é estranhamente libertador. Pelo menos eu tenho esse lindo planeta para vivenciar, cheio de rios, cachoeiras, a visão do céu disponível para todos a qualquer momento. Enfim, levem os meus dados. Foda-se.

Fazer o quê?

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Jean Prestes
Onirika

Produzo conteúdo para humanos, não para algoritmos.