Sonhos não servem para serem realizados

Sonhos servem para serem alimentados.

Jean Prestes
Onirika
5 min readMar 29, 2021

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dois sofrimentos no mundo. A mesma quantidade de hemisférios cerebrais que nós temos. O esquerdo, responsável pela lógica, pelo padrão, pelo objetivo. O direito, pelo sonho, pela criatividade, pelo subjetivo. O primeiro é o dos números. O segundo, o da arte. Pare e observe bem: o que controla o mundo hoje? Números ou arte?

Descambamos a utilizar demais o cérebro esquerdo e bem pouco o direito, enquanto sociedade. E, nisso, sinto uma empatia grandiosa, grande que nem coração de mãe, tão grande que nela cabem até os imensos banqueiros centrais, pois eles também sofrem. Quem mexe só com números e não mexe com arte, sofre. E quem mexe com arte e poderia não sofrer também sofre por causa dos que só mexem com números. Porque num mundo dominado pelo lado cerebral dos números é preciso ter dinheiro para se pagar as contas. Dinheiro é número, contas são números. Num mundo dominado pelos números, só se vê valor em números. Qual o número de um livro? Qual o número de uma história de fantasia? Qual o número de um desenho, uma peça de teatro, uma dança? O sujeito que usa o cérebro direito, que produz arte, tem dificuldade em vende-la, porque aquele que poderia comprar só vê valor nos números, no prático, objetivo, padrão, no celular, relógio, casa, carro, notebook, curso de investimentos. Esse é o desequilíbrio básico da nossa sociedade. Não só pelo número em detrimento da arte. Mas porque o cérebro esquerdo é o masculino.

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Quem quer realizar o sonho, criando metas quantificáveis, apresentando resultados mensuráveis e lucros de números admiráveis não é o cérebro direito. Isso é o cérebro esquerdo se apropriando do direito. O sonho não demanda uma realização lógica e objetiva, porque esse não é o tipo de demanda do cérebro direito. Veja, se o cérebro direito é o subutilizado, devemos olhar para as demandas dele, e não para as do outro. Sonho quer é dançar, existir ou nem isso. Viver, receber atenção. O hemisfério direito quer ter suas sinapses ativadas, ver o rio elétrico correr, se dividir, formar árvores, geometrias sagradas, sulcos, massa cinzenta colorida, perder-se. E ele não quer dominar o esquerdo de volta, vingativamente. Porque ele é o da mãe. Da sábia. Da anciã. Da galáxia. Mãe Láctea.

Identificado o sonho — e isso pode parecer difícil no começo, por motivos de atrofia cerebral direita, mas olhe para a sua criança, para o que você gosta de fazer no tempo livre, o que te dá tesão, e o que você gostaria de fazer se não precisasse de dinheiro, ou seja, de números — pronto, meio caminho andado. Mais, 70% andado. Não, 70% não, que 70 é um número. Você pode formar o belo desenho de um sonho. Veja, o meu é transformar uma história que escrevo desde os 15 anos em um anime. Eu preciso realizar isso? Não, cérebro esquerdo, relaxe aí que agora é a vez do surreal. Eu posso traçar um caminho para isso? Sim, e de fato o faço, porque se não dermos pelo menos umas migalhas, um cereais integrais e umas sementes, para o masculino, ele também morre, e o que a gente quer é o quê? Equilíbrio, não é mesmo? E equilibrar-se, desafiador que é, pode ser bom, que nem andar de bicicleta ou brincar de slackline. Então, meu sonho tá pronto. Eu já escrevi e publiquei o primeiro livro, já estou escrevendo o segundo (que é o principal), e com o segundo pronto e publicado, inclusive impresso, o botarei debaixo do braço (ou o transformarei em roteiro antes, ainda não sei) e quero ir para o Japão. Fazer o quê exatamente? Eu não sei, mas né, lá é a terra do anime, a terra da essência do sonho que trago comigo. Isso tudo vai dar certo e o anime vai ser produzido, passando na Netflix ou na plataforma de streaming popular do futuro, me deixando rico, famoso e cheio de sucesso?

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Zzzz. Nada disso importa. O sonho já está realizado no momento em que ele é identificado. A partir daí é só dar de comer, para mantê-lo vivo. Sonho não come muito, pode comer umas poucas horas do dia, ou até menos, e ele já fica feliz. Sonho vivo é cérebro direito ativo. Cérebro direito ativo é equilíbrio. Equilíbrio é saúde. Ou saúde é que é equilíbrio? Com as ativações cerebrais certinhas, equilibradas e em dia, não surge tanta expectativa. Expectativa nasce de desequilíbrio. O caminho que traço, as tarefas que defino, e até algumas metas, por que não?, servem para organizar as ações, já que é impossível não agir depois que se acorda e sonho é um melhor gestor de ações do que números. Deixo de observar números? Não. Preciso ganhar números de dinheiro, pagar números de contas e ter o máximo de números que eu puder sobrando, para investir nas produções dos meus livros e da minha viagem para o Japão. Assim, nesse projeto equilibrado, mesmo as ações um pouco mais chatas, trabalhar para os outros, preencher planilhas no excel — embora eu ame — fazem parte de um plano com a participação onírica do cérebro direito. Até o meu hemisfério esquerdo tem andado mais contente e relaxado. É que dominar dá trabalho e é bem chato. Salvo algumas boas exceções.

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Jean Prestes
Onirika

Produzo conteúdo para humanos, não para algoritmos.