Doc colaborativo sobre a greve dos caminhoneiros
O que isso tem a ver com novas economias?
Pergunta geradora: O que podemos aprender com a crise causada pela greve dos caminhoneiros, no contexto das novas economias?
Para responder a essa pergunta, as pessoas participantes da Comunidade Novas Economias se organizaram em um hackathon no dia 26/05/18 com o objetivo de refletir sobre os acontecimentos no país e gerar informação qualificada sobre o tema.
1. O PROCESSO DE DESCOBERTA
Qual foi o formato do hackathon?
Um learning sprint de 3 horas, das 10h às 13h, em 3 turnos de 45min.
Qual foi o resultado?
FAQ da Greve dos Caminhoneiros, compartilhado nesse documento com as principais informações sobre o que aconteceu.
Como foi organizado o learning sprint?
1. Brainstorm de perguntas (O que eu quero descobrir?) e brainstorm de fontes de pesquisa (Onde posso conseguir informação qualificada?) (mural de post-its)
2. Formação de trios ou quartetos
3. Grupos selecionam quais perguntas vão querer atacar (até 3 perguntas por grupo para começar).
4. Turno 1 (45 min)
5. Turno 2 (45 min)
6. Turno 3 (45 min)
7. Finalização do doc compartilhado (15 min)
8. Reflexão coletiva (foco: novas economias) (30 min) (círculo)
Quais foram nossas premissas?
- Cuidado com fake news! — checar os fatos antes de dizer que aconteceu.
- Reconhecer que existem múltiplas perspectivas sobre o tema.
- Não é só coletar informação, mas também refletir criticamente.
Algumas das fontes consultadas foram:
El País, The Guardian, BBC Brasil, Nexo Jornal, Revista Piauí, Outras Palavras, SCIELO, Google Acadêmico.
2. DOC COLABORATIVO SOBRE A GREVE DOS CAMINHONEIROS
2.1 Quais foram os antecedentes da paralisação?
Outubro de 2016 — Após alteração da presidência, houve uma mudança na política de preços praticada pela Petrobrás, que passou a estar baseada na cotação internacional do barril de petróleo. (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/05/22/Por-que-a-pol%C3%ADtica-de-pre%C3%A7os-da-Petrobras-est%C3%A1-em-xeque)
20 de julho de 2017 — aumento do PIS/COFINS que incide nos combustíveis. (http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-07/governo-divulga-aumento-de-aliquota-do-piscofins-sobre-combustiveis)
10 de maio — Paralisação agendada pelas redes, mas não houve adesão. (http://piaui.folha.uol.com.br/falta-combinar-no-whatsapp/)
11 de maio — maior preço do diesel desde meados de 2017. (https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/25/politica/1527281155_879383.html)
16 de maio — CNTA — Confederação Nacional dos Trabalhadores Autônomos pediu audiência emergencial com o governo federal. Não foi atendida.
(https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/25/politica/1527281155_879383.html, https://theintercept.com/2018/05/25/caminhoneiros-avisaram-governo-de-greve/)
21 de maio — Petrobrás anuncia aumento do preço do diesel em 0,97% — passando a custar 2,3716 — começando a valer em 22 de maio. (https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/05/21/petrobras-aumento-gasolina-diesel-refinarias.htm)
21 de maio — Início da paralisação por caminhoneiros autônomos organizados em grupos de Whatsapp — (http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2018/05/greve-dos-caminhoneiros-nasceu-em-grupos-do-whatsapp-dizem-motoristas-10354868.html)
2.2 Quais são as principais reivindicações dos caminhoneiros?
As principais preocupações por trás da crise são:
- Aumento dos preços do diesel.
- Baixo valor dos fretes.
- Cobrança de pedágio sobre eixo suspenso.
- Falta de diálogo por parte do governo.
- Falta de um marco regulatório para os caminhoneiros.
(https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/05/24/Como-o-protesto-de-caminhoneiros-abalou-o-Brasil-em-4-dias; http://www.bbc.com/portuguese/brasil-44205870; https://www.cartacapital.com.br/economia/o-que-querem-os-caminhoneiros-em-greve)
Os caminhoneiros pedem:
- a redução da carga tributária incidente sobre operações com óleo diesel a zero, sendo elas as alíquotas da contribuição para PIS/PASEP — e Cofins — incidentes sobre a receita bruta de venda no mercado interno de óleo diesel a ser utilizado pelo transportador autônomo de cargas;
- a isenção da contribuição de intervenção no domínio econômico — CIDE, incidente sobre a receita bruta de venda no mercado interno de óleo diesel a ser utilizado pelo transportador autônomo de cargas;
- a revisão da política de preços da Petrobrás.
2.3 Quem representa os caminhoneiros?
Quem começou a greve foram os caminhoneiros autônomos. Não há uma organização que centralize a representação desses caminhoneiros e que consiga falar sozinha em nome da categoria. No entanto, algumas apresentaram certo protagonismo na situação atual:
CNTA — Com intuito de melhorar a representação dos caminhoneiros, a FENACAM — Federação Interestadual dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens, a FETRABENS — Federação dos Caminhoneiros Autônomos e Cargas em Geral do Estado de São Paulo e a FECONE — Federação Interestadual dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Cargas e Bens da Região Nordeste se uniram e fundaram, em 5 de junho de 2012, a CNTA — Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos, cujo presidente é Diumar Bueno.
(https://www.cntabr.org.br/QuemSomos)
ABCAM — Fundada em julho de 1983, na cidade de São Paulo, do ideal de um grupo de caminhoneiros liderados por José da Fonseca Lopes, a ABCAM — Associação Brasileira dos Caminhoneiros — tem pautado toda sua existência na defesa constante, árdua e muitas vezes incompreendida dos direitos dos caminhoneiros autônomos. Em 2003, teve sua liderança reconhecida nacionalmente, passando a fazer parte integrante da 3ª Seção do Transporte de Cargas da CNT e dos Grupos Paritários de Trabalho (GPTs) que passaram a deliberar sobre o transporte de cargas e a situação logística do país. Diz representar 650 mil caminhoneiros.
(http://www.abcam.org.br/index.php/pt/abcam)
UNICAM — A União Nacional dos Caminheiros (UNICAM) é uma entidade de classe de âmbito nacional fundada em 1998, cujo objetivo é defender os direitos e interesses referentes à atividade dos caminhoneiros autônomos e microempresários, visando o desenvolvimento e aprimoramento do transporte rodoviário de cargas no país.
CNT — patronal — A CNT (Confederação Nacional do Transporte) é a entidade máxima de representação do setor de transporte e logística e tem como missão apoiar o desenvolvimento e atuar na defesa de seus interesses. Oficialmente não está apoiando, participando ou incentivando a greve.
(http://www.cnt.org.br/imprensa/noticia/nota-imprensa-cnt-nao-participa-nao-incentiva-nao-apoia-greve)
2.4 Quais os canais de comunicação do movimento?
Sabe-se que existem ao menos quatro grupos de whatsapp: “Brasileiros/Caminhoneiros” — 252 integrantes; “Ajudando Caminhoneiros”; “Lutar pelo Melhor”; “ Caminhoneiros pelo Brasil” — 200 integrantes
O caminhoneiro conhecido como “Ferro Velho”, um dos organizadores dos bloqueios em Jacareí, em São Paulo, na Rodovia Presidente Dutra, que liga São Paulo e Rio de Janeiro, afirmou que “cada bloqueio tem seu líder”.
(http://piaui.folha.uol.com.br/falta-combinar-no-whatsapp/)
2.5 Como as forças de segurança estavam agindo?
Essa foi a primeira vez que Garantia da Lei e da Ordem (GLO) é utilizada em todo o território nacional, autorizado em 25 de maio até 4 de junho. Isso significa que o Exército, a Polícia Federal e a Força Nacional passam a ter as mesmas funções que as polícias, com a missão principal de desbloquear todas as rodovias federais no país. A decisão foi do Ministro do STF Alexandre de Moraes que autorizou o governo a remover manifestantes que estejam bloqueando vias ou protestando nos acostamentos, com possibilidade de impor multa de até R$100 mil por hora aos manifestantes.
“As operações de Garantia da Lei e da Ordem, tal como existem hoje, foram criadas por uma lei de 1999, editada durante o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Segundo a lei, cabe ao presidente da República decretar a operação, sempre que estiverem ‘esgotados os instrumentos (polícia, bombeiros etc) destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio’”.
(http://www.bbc.com/portuguese/brasil-44248222)
A Polícia Federal instaurou 37 inquéritos para apurar locaute. A Polícia Rodoviária Federal emitiu 400 autos de infração no valor total de R$ 2,03 milhões, sem incluir as multas de R$ 100 mil por hora determinadas em decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Operações para garantir serviços essenciais, como hospitais foram realizadas com escoltas de caminhões-tanque em ao menos sete estados.
O Secretário de Segurança Pública de São Paulo propôs acordo com caminhoneiros — suspensão da cobrança do eixo suspenso, para liberar as vias bloqueadas. Disse ainda que iria fazer uso progressivo da força, e movimentou escolta para entrega de combustível em aeroportos de São Paulo.
2.6 Como acabou a crise?
Em 24/05/2018, foi assinado uma proposta de acordo com o Governo Federal por parte das entidades apoiadoras da greve:
- Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA);
- Confederação Nacional do Transporte (CNT);
- Federação dos Caminhoneiros Autônomos de Cargas em Geral do Estado de São Paulo (Fetrabens);
- Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Distrito Federal (Sindicam-DF);
- Sindicato Nacional dos Cegonheiros (Sinaceg);
- Federação Interestadual dos Transportes Rodoviários Autônomos de Cargas e Bens da Região Nordeste (Fecone);
- Federação dos Transportadores Autônomos de Cargas do Estado de Minas Gerais (Fetramig);
- Federação dos Transportadores Autônomos de Carga do Espírito Santo (Fetac-EC);
Estavam presentes na reunião e não assinaram: União Nacional dos Caminhoneiros e ABCAM.
3. ÁREAS RELEVANTES PARA PENSAR AS NOVAS ECONOMIAS
- Existe a necessidade de descentralização da distribuição e o avanço na agenda da construção de cidades autossustentáveis, com incentivos à produção local e formas de transporte menos dependentes de combustíveis fósseis ou álcool.
- Existe também a necessidade de acelerar a implantação de transportes intermodais e exigir planos de contingência para setores críticos do país (nacional, estadual e municipal).
- A atuação das mídias e redes sociais nesse episódio dificultou o acesso à informação qualificada pela população, com pulverização da informação colocando em cheque a representatividade do movimento e dificultando a atuação de entidades representativas. Houve uso das redes para fortalecimento das pautas menores e descentralizadas, mais uma vez com proliferação de Fake News e polarização entre apoiadores do governo e apoiadores do movimento, espalhando pânico em meio à população. O comportamento consistente da mídia de massa (Rede Globo e demais veículos) em reportar prateleiras vazias, filas em postos de combustíveis e falta de mantimentos em hospitais alarmou a população, afetando o comportamento cotidiano nas grandes cidades e gerando um clima geral de desconfiança. É necessário repensar o papel das mídias na construção da realidade simbólica coletiva.
4. BALANÇO FINAL
No chinês, os mesmos ideogramas que representam a palavra crise também compõem a palavra oportunidade. Este episódio impacta as relações humanas nas esferas de trabalho, governo e sociedade e atestam a necessidade de reflexão de novos meios de organização, tomada de decisão, representatividade, geração de valor, geração e uso de energia e sobretudo, visão de mundo. Como este movimento contém múltiplos atores envolvidos é difícil ter dimensão e controlar as informações pela pulverização no tecido social, assim como organizar o conteúdo divulgado pelos meios de comunicação oficiais e extra-oficiais para formar uma opinião condizente com algo complexo e singular.
Na presença do menor traço de crise, a mídia de massa reportou o caos e a escassez, e boa parte da população aderiu a essa mentalidade construindo estoques particulares, enquanto a polarização crescia e os grupos se dividiam em realidades individuais e movimentos de menor escala. O Brasil se mostrou frágil diante da pouca diversidade de transporte, pólos de distribuição da produção e escoamento dos bens, e mentalidade coletiva da população. Um plano de transição para um modelo auto-sustentável de longo prazo deve passar por esses pilares, que transcendem a questão imediata dos impostos sobre o combustível.
PESQUISADORES
- Miriam Cruz
- Luiz Alcantara
- Louise Nazareth
- Frederico Godoy
- Jade Chaib
- Camila Melo
- Lilian Otuka
- Aline Lima
- E contribuições muito especiais de Merikol Duarte, Maria Thereza do Amaral e Priscila Freitas (edição final) ;)