OPEN SOURCE [na sala dos ‘profes’] #04

Cynthia Hansen
OPEN SOURCE [na sala dos profes]
11 min readApr 21, 2019

Pesquisar é sempre chato?

Outro dia eu estava aqui me lamentando sobre a dificuldade de trabalhar com assuntos mais teóricos, que demandam dos alunos alguma leitura prévia para a realização de qualquer discussão produtiva e da usual solução dos seminários. Se você não leu esse texto, não se preocupe, ele não será imprescindível para acompanhar o raciocínio ;)

Seminário é aquela coisa, né? Eles formam grupos, alguns se dedicam, outros vão na carona e a apresentação geralmente deixa a desejar porque as demais equipes só focam na sua parte e não conseguem perceber — ou não querem comentar a respeito — (d)as conexões que notam entre as partes. Pelo menos, no meu caso, antes de eu começar a organizar a proposta de uma forma diferente da que eu sempre tinha visto.

Minha experiência foi na disciplina de Teorias da Comunicação, que é dada bem no início do curso e sempre tem uma unidade de ensino relacionada a teorias contemporâneas. Nos termos da disciplina, isso significa falar do universo digital, o qual os alunos experienciam diariamente. O foco é conhecer as discussões atuais sobre o universo da interação mediada por computador, ou seja, a experiência que eles já têm. Falta apenas ter conhecimento das teorias que discutem este universo e experiências.

Não me pergunte a partir de onde, mas tinha ouvido falar, em algum lugar, sobre ‘estudo do meio’. Parece que existe uma corrente do povo da Educação que entende este método como algo antigo / ultrapassado, mas eu, com meu background antropológico, vindo dos estudos de Mestrado e Doutorado em Ciências da Linguagem, achei a ideia bem bacana, pois é uma oportunidade de trabalhar o desenvolvimento de novos conhecimentos com os alunos a partir de uma base com a qual eles já estão familiarizados. Achei um material bem legal da ESPM explicando o método e você pode acessá-lo nesse link aqui.

Juntando experiências da minha certificação docente sobre Pedagogia do Ensino Superior com as professoras da Tampere University (Finlândia) e de outros cursos já tinha feito, além de algumas práticas que já haviam funcionado em outras ocasiões, adaptei uma série de técnicas e instrumentos para desenvolver um processo diferente para o seminário, baseado na proposta de estudos do meio. Vou mostrar como ficou o cronograma para dar uma visão geral do processo, depois explico cada parte.

Acho importante observar que o cronograma já mostra uma série de ajustes que percebi necessários depois de ter realizado a primeira experiência. Ou seja, não foi bem desse jeito que aconteceu, mas creio que desta forma o processo fique mais organizado para mim e os alunos na próxima vez que eu realizar a atividade (e para você, se quiser adaptar este processo para a realidade de alguma disciplina sua).

Note que passo boa parte da disciplina lidando com esta atividade, que vou intercalando com as atividades relacionadas a outras unidades de ensino. Por conta da demanda do seminário, o negócio é fazer com que as demais atividades da disciplina aconteçam, do início ao fim, em sala, senão os alunos ficam muito sobrecarregados (lembre que não é só você que dá tarefas aos alunos e que eles, de modo geral, trabalham o dia inteiro — no meu caso, não sei se no seu).

AULA 01

A aula 01 é bastante informativa, pois você precisa dar a todos uma visão geral de todo o processo para que eles tenham clareza de que tipo de temas de pesquisa faz sentido eles trabalharem. É preciso explicar o que é um estudo do meio, a necessidade de este estudo estar conectado com as questões de interesse da disciplina, que ações são esperadas deles no decorrer do processo e por aí vai. Então é legal já mostrar as instruções para a elaboração do produto final da atividade, que é um relatório de pesquisa.

Isso feito, dei um tempo para eles pensarem, individualmente, sobre o que gostariam de pesquisar, lembrando que o trabalho deveria ser feito em equipes, o que significa que seria preciso encontrar quatro colegas (daí depende do tamanho da sua turma, eu tinha quase 40, trabalhei com grupos de cinco alunos) que compartilhem do mesmo interesse de pesquisa.

Em seguida, liberei o pessoal para encontrar membros para a sua equipe. A ideia era que uns convencessem os outros a comprar a sua ideia de pesquisa. Consegui resolver isso até a hora do intervalo. Uma estrutura libertadora bem legal para organizar este processo é esta aqui.

Na volta do intervalo, investiguei se os temas estavam diversificados, se todos tinham equipes — tratei de incluir alunos faltantes em alguma equipe (nestas horas, azar de quem não pôde estar presente…) e os perdidos também — e expliquei a primeira tarefa, que deveria ser apresentada a todos na próxima aula dedicada a esta atividade, duas semanas à frente.

TAREFA 01

No meu caso, os alunos não estão familiarizados com a realização de pesquisas científicas, apesar de já terem passado por disciplinas como Metodologia da Pesquisa, mas que hoje costumam ser oferecidas online e, convenhamos, não é o tipo de assunto que costuma encantar os alunos (pelo menos não na minha área), o que significa que a coisa passa meio batida por eles.

O que eu faço, então, é selecionar, entre os relatórios de pesquisa dos meus orientandos de TCC, aqueles que têm objetos e métodos úteis para ajudá-los a pensar na pesquisa que eles mesmos farão. Reúno dois bons exemplos de diferentes tipos de procedimento (entrevista em profundidade, análise de conteúdo, grupo focal online — são os métodos com os quais eu costumo trabalhar) e elaboro um pequeno roteiro de estudo para eles seguirem:

1 — Qual era o tema da pesquisa?

2 — Quais eram os objetivos da pesquisa (geral e específicos)?

3 — Como a pesquisa foi realizada (ver seção ‘Procedimentos Metodológicos’)?

4 — Reflita: os objetivos desta pesquisa parecem com os seus? este tipo de procedimento metodológico ajudaria a atingir os seus objetivos de pesquisa?

AULA 02

Nesta aula (veja, você pode encaixar as aulas relacionadas a esta atividade como você achar mais apropriado ao restante do cronograma da disciplina) eu pedi que me entregassem a tarefa 01, fiz, oralmente, um levantamento de quantas equipes se identificaram com objetivos / procedimentos e quais eram, quantas ainda estavam perdidas, sem saber bem como fazer o que desejavam e, com base nisso, escolhi alguns dos exemplos para analisar com eles. Fiz isso até a hora do intervalo.

Depois do intervalo, apresentei a TAREFA 02 e pedi para as equipes se reunirem para, com base no que foi discutido antes do intervalo, começar a esboçar seus objetivos de pesquisa e selecionar o tipo de procedimento metodológico mais adequado para atingi-los, além de se organizarem para a realização do restante da tarefa.

AULA 03

Estipulei um tempo de 15 minutos para a apresentação de cada grupo, com ordem definida por sorteio. A ideia da apresentação é, além de socializar os temas de pesquisa de modo que nenhuma equipe faça um trabalho igual ou muito parecido com outra, já ir dando feedback sobre as propostas e colaborando nos ajustes necessários.

O legal de fazer isso oralmente, logo depois da apresentação, e de modo coletivo, é que você gasta menos tempo com leituras, de um lado, e explicações textuais que serão conhecidas apenas por uma equipe, de outro.

O que você fala para um grupo acaba ajudando outros, que já chegam para apresentar apontando alguns gaps que já identificaram que precisam resolver e, às vezes, até já com alguma solução. Este processo leva um encontro inteiro se você tem todas as aulas do período. Caso tenha apenas meio período, vai levar dois encontros.

TAREFA 03

Lembre de solicitar às equipes, nesta terceira aula, que façam, com base no cronograma geral da atividade (datas estabelecidas para atividades, orientações e apresentação), um cronograma de atividades para suas próprias tarefas.

AULA 04

Recolhi os cronogramas e, para ter um tempo para analisá-los, apliquei uma dinâmica que conheci pelo nome de wine and chocolate (vinho e chocolate), mas que não consigo encontrar nada a respeito na internet a partir deste nome. Enfim, é um roteiro de entrevista (aqui, adaptado para a atividade da disciplina) que ajuda a pessoa a pensar sobre um problema / projeto.

Pedi para os alunos fazerem pares com pessoas que não fossem das suas equipes e dei as seguintes instruções: cada um terá dois papéis — entrevistador e entrevistado. No papel de entrevistador você deve fazer as perguntas, anotar as respostas e, ao final, ler as respostas para o entrevistado. No papel de entrevistado você deve responder as perguntas e ao final, ouvir suas respostas serem lidas pelo entrevistador.

Isto feito, a ideia é que cada um pegue suas respostas e se reúna com sua equipe e todos analisem suas respostas para, na sequência, revisar o cronograma de atividades, elaborando uma nova versão para entrega até o final do encontro (eu dei um visto nos cronogramas, dei pitacos quando necessário e devolvi para as equipes, solicitando que anexassem a nova versão e me devolvessem ambas ao fim do encontro).

A intenção do wine and chocolate é corrigir mal entendidos entre a equipe e identificar pontos que ainda não estejam claros, de modo a deixar tudo alinhado para a fase de execução da pesquisa, por isso é importante que eles socializem as respostas com os colegas de equipe. É importante também circular pelos grupos e ver como foi o resultado desta socialização, pois às vezes é preciso de alguma interferência do professor para resolver alguma questão.

Nas orientações, usei os cronogramas para checar se as atividades estavam correndo conforme o previsto. Claro, a intenção é eles terem metas e prazos, senão deixam tudo para o último instante e o trabalho fica uma lástima.

TAREFA 04

Quando as equipes se reuniram para revisar os cronogramas, além de percorrer os grupos, lembrei a todos que o próximo passo da pesquisa seria elaborar o(s) instrumento(s) de coleta de dados e que a tarefa era cada membro da equipe elaborar uma proposta de instrumento para apresentar aos colegas na aula seguinte.

Tarefas deste tipo são importantes porque fazem com que todos os membros das equipes sejam ouvidos. Sem uma reflexão individual anterior, os mais extrovertidos e ágeis dominam a cena e muitas boas contribuições são perdidas porque alunos que são introvertidos ou que precisam de mais tempo para organizar suas ideias não têm a oportunidade de se manifestarem.

AULA 05

Enquanto o pessoal ia discutindo a proposta de instrumento de coleta de dados, passei de equipe em equipe vendo como estavam as propostas e auxiliando na montagem. Ao final da aula as equipes tinham que entregar a proposta de instrumento de coleta finalizada. Juntei esta proposta com o cronograma de atividades que eles haviam feito na aula anterior para facilitar meu trabalho de orientação que iria a seguir.

TAREFA 05

Com os instrumentos de coleta prontos, as equipes tinham que partir para a coleta. Deixei duas semanas aqui, para garantir que na orientação eles viessem já com resultados.

AULA 06

Na primeira orientação o foco foram os resultados das pesquisas. As equipes ficavam trabalhando em sala (montagem dos relatórios, especialmente) e eu ia chamando uma a uma para que me apresentassem os resultados obtidos e, com isso, ia dando dicas de como fazer a apresentação da melhor forma, conferia, com os documentos deles, se o instrumento de coleta foi aplicado corretamente, se eles estavam realizando as atividades numa velocidade adequada em relação aos prazos e por aí vai.

O grande cuidado aqui é distribuir bem o tempo de orientação entre as equipes. Estipular um tempo máximo de permanência junto a cada grupo, de modo que todos recebam uma quantidade equivalente de atenção.

TAREFA 06

Com a apresentação dos resultados resolvida, para o próximo encontro as equipes deveriam trazer a discussão dos resultados em vista dos conteúdos da unidade para uma nova rodada de trabalho em sala e orientação.

AULA 07

O procedimento é o mesmo da aula anterior, mas o foco da orientação aqui foi a análise dos resultados com base no conteúdo da unidade. Havia equipes que já estavam com tudo bem adiantado (boa análise, relatório pronto), e a estas eu pedia que aproveitassem a aula para montar a apresentação do trabalho para a socialização que ocorreria na sequência.

Aos mais atrasados, análise dos resultados e finalização do relatórios ficaram como ‘missão do encontro’ e a elaboração da apresentação como tarefa 07

TAREFA 07

Elaboração da apresentação (foco no objetivo de pesquisa, resultados e discussão, tempo máx. 15 min.) para socialização do trabalho

AULA 08 e 09

Na aula 08 todas as equipes deveriam entregar seus relatórios e apresentações, independentemente da data e horário combinados para a apresentação (é legal fazer um cronograma para deixar tudo mais organizado para eles).

É importante combinar que os arquivos das apresentações sejam postados ou enviados por e-mail antes desta data, senão o começo da aula fica aquela bagunça de pen drives e anexos para baixar no e-mail e perde-se muito tempo.

Deixei cada equipe fazer sua apresentação até o final e, na sequência, fui apontando as tarefas que a equipe conseguiu cumprir bem e aquelas em que caberia mais detalhamento, aprofundamento, ajustes ou o que fosse. Também deixei um tempo para perguntas dos colegas. Houve temas que bombaram de perguntas, então, em alguns momentos, infelizmente, tive que cortar o diálogo para não estourar os prazos do cronograma.

Sugestão: aproveite o momento da apresentação para fazer a avaliação do trabalho, assim você não precisa passar horas em cima dos relatórios ;)

As vantagens que vejo nesta atividade:

iniciar os alunos no universo da pesquisa de uma forma mais leve (muitos disseram gostaram de pesquisar)

dar um significado maior para os textos da disciplina (pela conexão entre eles e assuntos de interesse do próprio aluno)

trabalhar uma ampla quantidade de conteúdos de uma forma mais dinâmica (textos diferentes foram discutidos por equipes diferentes e todos puderam conhecer melhor, no momento da socialização, as perspectivas que não abordaram em seus trabalhos)

ensinar os alunos a trabalhar em equipe (dividir etapas e tarefas, fazer cronogramas, resolver conflitos, argumentar com os outros para chegar a decisões)

ficar com menos trabalhos de correção para depois, pois você vai acompanhando e fazendo ajustes no processo

UFA! Acabou. Que nada! Ainda tem todo o fechamento das notas que, no meu caso, contou com uma autoavaliação e avaliação por pares baseada em critérios e eu decidi junto com a turma. O texto do formulário que fiz para preenchimento via Google era assim:

Use este formulário para realizar a avaliação dos seus pares no que diz respeito a) à preparação prévia de cada um para a realização das atividades do grupo; b) à pertinência das contribuições durantes as discussões c) à colaboração na construção do relatório e da apresentação à turma; e, d) ao comprometimento com o grupo (realização de tarefas, cumprimento de prazos, resolução de problemas etc.).

Escolha uma nota de 0 a 10 para cada um de seus colegas em relação a cada um destes critérios. Justifique sua escolha caso considere necessário. Aproveite para fazer sua autoavaliação em relação a estes mesmos critérios.

Tive que fazer um formulário por equipe, colocando os nomes dos integrantes, mas valeu a pena o empenho, pois as planilhas de resultados são super fáceis de lidar (quer dizer, eu acho fáceis, né?) e os alunos têm a oportunidade de refletir sobre seu próprio processo e o dos colegas. Ficou deste jeito (exemplo com uma das perguntas):

Inclusive, uma coisa que ainda não consegui fazer e que acho que seria bem bacana é dar feedback aos alunos com base nessas notas e comentários dos colegas e de si mesmos.

Se você usar alguma ideia que eu apresentei aqui, promete que me conta? Vou adorar saber se esse procedimento faz sentido também para alguma outra disciplina, mesmo para outros cursos, outra áreas ❤

Escreve pra mim: komonolearning@gmail.com

Eu vou adorar poder conversar com você na #SaladosProfes :)

P.S.: se você gostou da minha ideia de falar sobre estes assuntos e ficou com vontade de acompanhar minha coluna, clica aqui, responde o form e eu vou te avisando na medida em que publicar novos textos ;)

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Cynthia Hansen
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Publicitária, professora, apaixonada por aprendizagem, eterna aprendiz, co-idealizadora do Heimo Learning Lab e ligada em 220V! about.me/cynthia.hansen