OPEN SOURCE [na sala dos ‘profes’]:

Cynthia Hansen
OPEN SOURCE [na sala dos profes]
5 min readApr 29, 2019

Ensinando para uma aprendizagem de qualidade na Universidade (BIGGS; TANG, 2011) #04

Acho importante retomar uma fala de Biggs e Tang (2011) para dar início a discussão deles sobre o clima de ensino-aprendizagem para promoção de uma aprendizado profundo:

Os professores podem agir como modelos entusiastas — e se eles querem motivar seus alunos intrinsecamente, eles devem ensinar construtivamente.

Cada vez mais eu percebo a importância de criar um ambiente que promova uma interação positiva. Segundo os autores, os professores criam um certo clima de aprendizagem por meio das interações formais e informais com os alunos, o que estabelece como nós e nossos alunos nos sentimos sobre o aprendizado. Isso naturalmente tem fortes efeitos na aprendizagem. Tenho podido perceber isso na prática desde que passei a adotar algumas novas posturas relacionadas com o assunto que vou tratar aqui.

A base do raciocínio dos autores é de clima organizacional:

Douglas McGregor (1960) era um psicólogo de gestão que distinguia entre dois climas organizacionais: Teoria X e Teoria Y. A “teoria” se referia a suposições sobre a confiabilidade humana. Os gerentes que operam na Teoria X presumem que não se pode confiar nos trabalhadores, os que operam na Teoria Y supõem que podem e que obtêm melhores resultados quando o fazem — uma ideia que tem pouca atratividade nesses tempos neoconservadores.

Já deu pra visualizar alguém que você conhece, ou até você mesm@, às vezes, como professor@ que adota a Teoria X?

Os professores que operam na Teoria X presumem que os alunos não querem aprender, eles trapacearão se tiverem a menor oportunidade e, portanto, não devem tomar decisões importantes sobre seu aprendizado. Eles precisam ser informados sobre o que fazer e o que estudar, as presenças precisam ser verificadas a cada aula, os exames supervisionados devem compor a maior parte da nota final, as autoavaliações e avaliações por pares estão completamente fora de questão, prazos e regulamentos precisam ser enunciados com sanções impostas por não cumprimento.

A gente sabe que muitas questões institucionais nos instigam a agir de acordo com esta Teoria X, mas, na boa, tenho relativizado uma série de questões para, cada vez, mais, incorporar todos os elementos possíveis da Teoria Y no meu processo.

Os professores orientados pela Teoria Y adotam a visão contrária em questões como tarefas de avaliação, autoavaliação e avaliação por pares, frequência em classe, permitindo que os alunos tenham liberdade para tomar suas próprias decisões e assim por diante. Você dá o benefício da dúvida. Claro, alguns alunos podem ter mais chances de trapacear quando avaliados em projetos do que em exames supervisionados, mas os professores de teoria Y argumentariam que os benefícios educacionais superam esse risco. O objetivo do ensino é apoiar a aprendizagem dos alunos, não superar sua desonestidade.

Acho complicado escapar da questão da frequência em cursos presenciais. A quem falta, registro as faltas, faltas além da cota implicam reprovação. A lógica é bem simples. Mas, afora esta questão, tenho adotado muitas práticas, especialmente relacionadas às avaliações, e tenho gostado dos resultados.

Tenho percebido que tudo depende muito da maturidade das turmas, então não tem receita. É preciso ir dosando. Eu prefiro começar confiando e dando liberdade e, caso a turma não se comprometa, repenso as estratégias. Como observam nossos colegas Biggs e Tang:

É uma questão de equilibrar confiança, risco e valor. A teoria X opera com baixa confiança, produzindo resultados de baixo risco, mas de baixo valor. Você não confia nos alunos, então você os avalia sob condições de alta segurança e vigilância, com pouco risco de trapacear, mas o que é produzido nessas condições pode não ser relevante para os resultados pretendidos mais importantes. A teoria Y opera com alta confiança, produzindo resultados de alto valor, mas com o risco de que alguns resultados possam ser derivados de trapaça.

As consequências de um clima muito carregado de Teoria X é negativo para o aprendizado porque, como explicam os autores, a Teoria X restringe a gama de formas potencialmente úteis de aprendizagem, particularmente a aprendizagem auto-dirigida. A teoria X também gera sentimentos negativos, que desviam o foco do engajamento de tarefas, estimulando diretamente uma abordagem superficial. A teoria X gera duas emoções contraproducentes em particular: ansiedade e cinismo.

Biggs e Tang apontam uma série de maneiras pelas quais os professores transmitem cinismo:

A QUESTÃO DO TEMPO

Uma fonte particular de ansiedade e cinismo é o estresse derivado do tempo, que pode ser introduzido no processo por uma obsessão com a cobertura: muitos tópicos, cada um ensinado com igual ênfase. Os alunos ficam muito sobrecarregados e o envolvimento profundo com qualquer assunto é eliminado de antemão. Há muitas razões pelas quais os alunos são submetidos a estresse no tempo:

O envolvimento profundo em uma tarefa leva tempo. Se você não der tempo, não terá um envolvimento profundo.

Segue um quadrinho para a sua reflexão. Quanto o clima de aprendizagem que você cria em sala sugerem a Teoria X:

O problema é que, às vezes, temos aquelas ementas malucas, com não sei quantos pontos de conteúdo que, em tese, devem, cada um, ser transformados em uma unidade de ensino, ou seja, institucionalmente, não parece que a questão do aprendizado profundo esteja no radar. Fica a nosso critério cumprir tabela ou elaborar estratégias para garantir que tudo o que a matriz curricular promete seja entregue ao aluno de uma forma realmente proveitosa. Vida dura a nossa, hein? Ainda bem que a gente ama o que faz ❤

E aí, em relação a que pontos você tem mais facilidade e em relação a quais deles você tem mais dificuldade para criar um clima de confiança (Teoria Y) em sala de aula?

Escreve pra mim: komonolearning@gmail.com! Eu vou adorar poder conversar com você aqui nesta #SaladosProfes ;)

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P.S.: OpenSource, nome que dei para a minha coluna sobre docência aqui no Medium, quer dizer código aberto, pois a ideia é que colegas possam usar os erros e acertos que virem por aqui para refletir sobre suas próprias práticas, além de compartilhar suas histórias também, se tiverem vontade. Lá escrevo também sobre outras questões relacionadas à docência no Ensino Superior.

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Cynthia Hansen
OPEN SOURCE [na sala dos profes]

Publicitária, professora, apaixonada por aprendizagem, eterna aprendiz, co-idealizadora do Heimo Learning Lab e ligada em 220V! about.me/cynthia.hansen