OPEN SOURCE [na sala dos ‘profes’]:

Cynthia Hansen
OPEN SOURCE [na sala dos profes]
7 min readMar 15, 2019

--

Ensinando para uma aprendizagem de qualidade na Universidade (BIGGS; TANG, 2011) #01

Na primeira parte do livro de Biggs e Tang (2011) os autores tratam das mudanças ocorridas no cenário das Universidades da Europa e de alguns pontos da Ásia. A razão da mudança ocorrida por lá não tem muito a ver com o Brasil, mas seu efeito no perfil dos alunos nos deixa em pé de igualdade: a diversidade (não só étnica, mas também — e especialmente — de orientação acadêmica).

Tem-se, hoje, nas Universidades, tanto alunos dedicados aos estudos, que se empenham em suas atividades acadêmicas e têm prazer em aprender (alunos orientados para o ensino, que, no livro, por conta de um exemplo que ficou famoso, são chamados de Susans), quanto alunos pouco interessados no aprendizado em si, estando focados apenas nas oportunidades de vida que um diploma universitário pode proporcionar (alunos orientados para o diploma, chamados, no exemplo do livro, de Roberts).

Neste contexto, os autores entendem que:

Um bom ensino é fazer com que a maioria dos alunos use o nível de processos cognitivos necessário para alcançar os resultados pretendidos que os estudantes mais acadêmicos já usam espontaneamente.

Espera, volta! Como é que é? Pois é, nada disso de culpar o Robert porque ele ‘tem preguiça’ de aprender. Não é que não seja, muitas vezes, verdade, mas é porque fazendo isso nós, como professores, nos colocamos em uma posição na qual não vemos possibilidade de melhorar esta situação. E nós temos esta possibilidade! Para os autores, ela se encontra principalmente no tipo de atividades que pedimos para nossos alunos realizarem (é disso que vem o tal ‘nível de processos cognitivos necessário para alcançar os resultados pretendidos’).

Em outras palavras, a diferença entre Susans e Roberts (alunos orientados para o aprendizado e para o diploma) podem ser diminuídas por uma forma de ensino apropriada.

Os autores sabem que existem limites para o que os alunos podem fazer que estão além do controle do professor — como, por exemplo, a capacidade de um aluno — , mas eles lembram que a capacidade, depois de um determinado nível, não é o único determinante do desempenho nem mesmo o principal deles. Há outras coisas que estão sob nosso controle e um bom ensino é aquele capaz de capitalizar estes elementos sob nosso controle no processo de ensino e aprendizagem.

Ok, mas, afinal, que elementos são estes que a gente pode capitalizar para que, mesmo com tanta diversidade em sala, Susans e Roberts aprendam de um modo mais parecido? Para Biggs e Tang (2011), as duas formas mais importantes de melhorar o ensino são:

  1. reconhecer que o bom ensino é tanto uma função da infraestrutura de toda a instituição quanto é uma dádiva com a qual nascem alguns professores afortunados. Assim, políticas e procedimentos que incentivem o bom ensino e a avaliação em toda a instituição precisam ser implementados.
  2. mudar o foco do professor para o aluno, especificamente, definindo quais resultados de aprendizagem os alunos devem alcançar quando os professores abordam os tópicos que devem ensinar.

Nada mais polêmico para mim do que o primeiro ponto… Se você continuar acompanhando esta série especial sobre Alinhamento Construtivo (AC), em breve poderá entender em profundidade o porquê, mas fica a dica: de modo geral, a noção de bom ensino e avaliação que temos no Brasil está bem longe de colaborar com a proposta teórica que estou apresentando aqui. Mal sinal, porque os pontos 1 e 2 acima se apoiam mutuamente!

Mas esta não é uma coluna sobre polêmica (apesar de ser impossível, muitas vezes, escapar dela), e sim sobre docência, então vamos falar do ponto 2, que é o que mais interessa aqui. MUDAR O FOCO DO PROFESSOR PARA O ALUNO.

Você também se sente carregando o peso do mundo inteiro porque têm a responsabilidade de ensinar seus alunos?

Eu sempre fui maníaca em garantir que estivesse levando para a sala de aula todo o conteúdo possível para que meus pequenos (sim, são uns marmanjos, porém, são meus pequenos) tivessem acesso a TUDO a respeito do assunto em pauta na aula. Sempre tive essa visão de que eu estou ali para passar tudo o que eu sei. Afinal, não é isso que deve fazer um professor? Resposta segundo Biggs e Tang: NÃO!!!

Ensinar precisa ser entendido como muito mais do que transmitir conhecimento. Ensinar precisa ser entendido como ‘saber usar estratégias adequadas para fazer com que um outro aprenda algo’. E cada um tem seu jeito particular de aprender.

A partir deste ponto, todas as suas crenças sobre o que é ser professor precisam ser reformuladas, caso contrário você não conseguirá se livrar do seu carma de Atlas (aquele da mitologia, que fica segurando o mundo nas costas, lembra?) e, pior, não conseguirá deixar seus alunos aprenderem. Suas aulas continuarão sendo sobre VOCÊ: o que VOCÊ sabe, o que VOCÊ transmite.

E aqui eu volto para algo que já falei na edição de estreia da OpenSource:

[…] você já parou para pensar que, de modo geral, no Ensino Superior, não temos educadores? Explico: eu, por exemplo, me formei publicitária e fui dar aulas alguns anos depois. Na Especialização houve aquelas horinhas de Metodologia do Ensino Superior (aham, seeeei…) e ficou por isso, pois meu Mestrado e Doutorado não foram na área da Educação. Fora o pessoal da Pedagogia, Magistério e afins, esta é a realidade de muitos e muitos colegas professores. Um profissional da área ‘X’ que dá aulas.

Nestes casos, muitas vezes, o que a gente faz é repetir os padrões absorvidos na época em que fomos alunos. O problema é que muitos dos nossos professores tinham a mesma bagagem pedagógica que a nossa (ou seja, nenhuma). Por isso mesmo, de modo geral, nosso histórico como alunos também deixou enraizado em nós a noção de que ensinar é simplesmente TRANSMITIR CONHECIMENTO: um professor lá na frente, falando, e os alunos enfileirados nas carteiras, só olhando e (quem sabe) tomando notas.

Não que transmitir conhecimento não seja necessário, não é este o ponto. E a questão também não é simplesmente abandonar as aulas expositivas, afinal, uma boa aula expositiva pode ser algo sensacional. O problema é que esta forma passiva de ensino-aprendizagem, em muitos dos casos (especialmente se é o único método aplicado durante toda a disciplina), beneficia somente Susans, deixando Roberts com cara de bunda durante todo o semestre, simplesmente porque esta é uma estratégia que não permite que muitos deles aprendam algo efetivamente.

Se você é feliz como ‘professor palestrante’, por favor, não me abandone já. Isto aqui não é uma apologia à maldição que nos persegue atualmente: o monstro de sete cabeças das METODOLOGIAS ATIVAS.

Quantos de nós já tentaram ‘fazer uma aula diferente’ e tiveram um resultado medíocre (ou pior: desastroso) e pensaram: ‘esse troço não é pra mim. Vou ficar com minhas aulinhas expositivas e meus slides que com eles eu me entendo!’?

Por isso, preciso voltar para um ponto fundamental do mindset do Alinhamento Construtivo (sim, mindset porque — você vai notar logo — AC é muito mais que uma teoria, é um paradigma):

Um bom ensino é fazer com que a maioria dos alunos use o nível de processos cognitivos necessário para alcançar os resultados pretendidos que os estudantes mais acadêmicos já usam espontaneamente.

Existem MUITAS formas de fazer alguém usar um determinado nível de processos cognitivos para alcançar um resultado ‘X’ pretendido. O que são métodos mesmo? Formas de fazer. E de que adianta uma forma de fazer quando eu não tenho clareza d’O QUE eu quero fazer?

Logo, a grande questão não é a caixa de ferramentas (os tais métodos ativos, que existem aos borbotões), mas que diabos eu quero construir, ou seja: qual é o OBJETIVO nesta história toda. Sem clareza do resultado que se pretende que o aluno entregue ao final do processo de aprendizagem, qualquer processo é válido, pois não sei para onde quero que o aluno vá. Daí não dá, né?

Usar métodos ativos por usar é querer construir uma casa começando pelo telhado: a estrutura não se sustenta… Não é uma questão de fazer uma aula mais DIVERTIDA, é de fazer uma aula mais EFICAZ. E é por isso que, no Alinhamento Construtivo, o foco está no que o aluno faz. Conceituando, o foco está no ensino e aprendizagem baseado em resultados (OBTL — sigla para outcomes-based teaching and learning).

No OBTL, a preocupação não é quais tópicos ensinar, mas quais resultados os estudantes devem ter alcançado depois de terem sido ensinados. A definição destes resultados de aprendizagem pretendidos torna-se a questão fundamental, e a avaliação é referenciada por critérios que permitam identificar até que ponto os resultados foram alcançados. Neste contexto, segundo os autores, o Alinhamento Construtivo vai um passo além da maioria das abordagens baseadas em resultados, pois, assim como as atividades avaliativas, as atividades de ensino e aprendizagem também estão alinhadas com os resultados, para que os alunos sejam auxiliados a alcançá-los de forma mais eficaz.

Percebeu que temos aqui uma virada fundamental? Saímos do foco no conteúdo que o professor deve ensinar e passamos a focar no que os alunos devem ser capazes de fazer depois de ensinados.

No Alinhamento Construtivo, as atividades de ensino e aprendizagem, bem como as tarefas de avaliação, são alinhadas sistematicamente aos resultados de aprendizagem pretendidos. Isso é feito demandando que os alunos participem de atividades de aprendizado que estejam em acordo com o exigido para o atingimento dos resultados.

Uma lógica até bem simples de compreender, não? Mas o segredo está em COMO fazer esta lógica funcionar no dia-a-dia da docência, o que demanda uma nova postura do professor frente às suas disciplinas, suas práticas e seus alunos. E é disso que o restante do livro vai tratar (e que eu vou trazer aos poucos aqui nesta série especial!).

E aí, o que você achou??? Escreve pra mim: komonolearning@gmail.com! Eu vou adorar poder conversar com você aqui nesta #SaladosProfes ;)

Ah! Se você gostou da minha ideia de falar sobre estes assuntos e ficou com vontade de acompanhar minha coluna, clica aqui, responde o form e eu vou te avisando na medida em que publicar novos textos ;)

P.S.: OpenSource, nome que dei para a minha coluna sobre docência aqui no Medium, quer dizer código aberto, pois a ideia é que colegas possam usar os erros e acertos que virem por aqui para refletir sobre suas próprias práticas, além de compartilhar suas histórias também, se tiverem vontade.

--

--

Cynthia Hansen
OPEN SOURCE [na sala dos profes]

Publicitária, professora, apaixonada por aprendizagem, eterna aprendiz, co-idealizadora do Heimo Learning Lab e ligada em 220V! about.me/cynthia.hansen