Inteligência Artificial na… intuição

Explicando uma das abordagens mais intuitivas por meio de um dos exemplos mais famosos

Antonio Carlos
Opensanca
7 min readNov 5, 2019

--

Você provavelmente já leu alguma notícia falando sobre a “IA” desenvolvida por uma ou outra empresa. Talvez tenha sido sobre o fim do seu emprego, ou mesmo narrando o fim da humanidade como um todo (entenda “fim da humanidade” como quiser).

A questão é que “Inteligência Artificial” é um termo que está na moda. Assim, se a ciência já sofre normalmente de uma má divulgação, imagine quando se trata de uma ciência da moda.

Para ser mais específico, a maioria das “IAs” hoje em dia são desenvolvidas com técnicas de uma sub-área da IA, chamada Aprendizado de Máquina.

Por meio dessa série de posts, você terá contato com conceitos importantes relacionados à Inteligência Artificial e ao Aprendizado de Máquina. Vamos precisar apenas da sua atenção e da sua imaginação. Acompanhe as histórias e tente se colocar nas situações propostas.

A natureza

A primavera chegou e as flores desabrocharam. Para aproveitar o final de semana, você decidiu ir ver a natureza com seus próprios olhos.

Após dirigir por alguns minutos fora da cidade, você se deparou com um lindo campo de flores. Ao estacionar, você repara que há uma placa muito curiosa na borda desse campo. Ela informa que ali estão plantadas três diferentes espécies de plantas do gênero Iris. Mais que isso, a placa também diz os nomes das espécies: setosa, versicolor e virginica.

Pode clicar em uma das opções! Sua escolha não chega a mudar a história, mas talvez te ajude a se situar melhor nela.

Eu sei, eu sei… não precisava nem perguntar. É claro que você aceita o desafio.

Ué, como assim “Que desafio?”. O desafio que te passou pela cabeça no momento em que leu a placa: aprender a identificar qual planta é de qual espécie!

Bem, o resumo é que, graças a uma placa sem graça na beira da estrada, seu final de semana de contemplação da natureza se tornou uma busca incessável por aprender sobre espécie de plantas.

Para ser mais específico, você quer ser capaz de escolher qualquer flor que estiver ali no campo e dizer se ela é uma setosa, versicolor ou virginica.

Tenho más notícias para te contar... Era para ser um dia de reconexão com a natureza, então não fazia sentido levar seu celular junto. Ah, suas avós moram em cidades longe da sua, e nenhuma delas têm smartphone. E confiar na busca do Google para uma tarefa tão importante? Não parece uma boa ideia.

Tirar uma foto e mostrar para sua amiga bióloga seria certamente a melhor opção. Mas nada de fotos, porque hoje era um dia para aproveitar a natureza com seus próprios olhos. A ironia é que, infelizmente, talvez você seja obrigado a destruí-la…

Você precisará de alguma coisa para mostrar para sua amiga quando for pedir ajuda.

Espero que você não tenha pensado em tirar foto. Nada de celular, lembra?

No fim, te restaram duas opções (ou é disso que você tenta se convencer). Entre arrancar uma flor de uma propriedade de outra pessoa e arrancar só uma parte delas, você escolhe tirar uma pétala.

Por que a pétala? Bem, ela deve ser suficiente para sua amiga sequenciar o DNA da planta e descobrir de qual espécie ela é. E depois você ainda pode usá-las para perfumar o seu quarto.

Após muita relutância, você decide fazer o necessário. Você seleciona 12 flores ao longo do campo e… arranca uma pétala de cada.

Já está escurecendo, e você sabe que sua amiga não vai estar em casa hoje à noite. Você terá que esperar até o dia seguinte.

O catálogo

Ao amanhecer, você corre (dirige rapidamente) para a casa da sua amiga e mostra a ela a sua arte. Ela te dá um sermão de meia-hora. Sermão este muito merecido.

Primeiro, onde já se viu acordar os outros às 6h da manhã do domingo? E onde já se viu sair por aí vandalizando a natureza e a plantação dos outros?

Foto de um microscópio.
Photo by Michael Longmire on Unsplash

Ao final, ela resolve te ajudar. Utilizando alguma mágica da biologia, ela é capaz de separar as plantas em três grupos distintos: setosas, versicolors e virginicas.

Ah, ela também te dá outro sermão. Onde já se viu achar que todo mundo que faz biologia sabe identificar essas coisas? Sorte sua que sua amiga manjava do assunto.

Para tentar te tirar dessa loucura de vandalizar as plantações, sua amiga monta um catálogo para você. Ele é formado na verdade por uma única folha branca em que estão coladas as 12 pétalas roxas que você arrancou da natureza. Embaixo de cada pétala, está o nome da espécie identificada. Sua amiga também aproveitou para anotar, em centímetros, o comprimento e a largura das pétalas.

De volta ao campo

Você agradece ela imensamente e pega a estrada para voltar àquele campo. As flores continuam lindas. Sua vontade de saber a espécie de cada umazinha delas só aumentou. Para te ajudar, dessa vez você tem seu catálogo!

Você então escolhe uma planta ali do campo e tenta responder a tão sonhada pergunta: qual a espécie dela? Setosa, versicolor ou virginica? Ah, lembrando que você vai fazer isso sem vandalizar mais nenhuma plantinha.

Então… é… talvez por conta da euforia você não tenha pensado muito bem no que faria para responder a pergunta. Você continua sem saber como diferenciar uma espécie da outra. Tudo que você tem são 12 pétalas coladas em uma folha de papel, e com as palavras “setosa”, “versicolor” ou “virginica” escritas embaixo de cada uma.

Olhe novamente para o catálogo. Alguma ideia? Ah, para simplificar, vamos considerar que o formato da pétala pode ser visto como um retângulo.

Representação do catálogo. Há 3 virginicas, e elas têm as maiores pétalas. Depois tem 5 versicolors, e 4 setosas, as menores.
O catálogo. Para simplificar, as pétalas são mostradas como se fossem retângulos. A proporção entre o tamanho das pétalas é respeitado.

A abordagem

Eureka! Ou ao menos é isso que eu espero que você tenha pensado agora.

Eu sei, eu sei… Essa foi fácil. Vandalizar nem deveria ser uma opção, e muito menos desistir. A real pergunta é: quais características você utilizaria para comparar as pétalas? Olhando para o catálogo fica fácil. O comprimento e a largura parecem variar bastante de uma espécie para outra.

Mesmo catálogo, mas com uma pétala nova que está sem espécie. Ela tem um tamanho intermediário, provavelmente versicolor.
O catálogo, e uma nova pétala de espécie desconhecida, representada em vermelho (mas a cor real dela é igual às outras).

Resumindo, para ser capaz de escolher qualquer flor que estiver ali no campo e dizer se ela é uma setosa, versicolor ou virginica, basta você seguir os seguintes passos:

  • Medir o comprimento e largura dela;
  • Comparar com o comprimento e largura das pétalas no catálogo;
  • Encontrar a pétala do catálogo mais parecida com a que você tem;
  • Dizer que as duas são da mesma espécie.

Discussão

O que isso tem a ver com Inteligência Artificial ou Aprendizado de Máquina? Vamos revisar utilizando alguns termos técnicos:

Em uma bela tarde, você se deparou com o problema de classificar plantas de acordo com as espécies delas. Com o auxílio da placa na beira da estrada (também chamada de conhecimento de domínio), você ficou sabendo que tinha 3 possibilidades de espécies (isto é, trata-se de uma classificação multiclasse, ou multi-espécie no caso).

Dentre a grande quantidade de plantas no campo (chamado conjunto universo), você selecionou uma pequena amostra, e depois consultou uma especialista. Utilizando os rótulos providos pela especialista, você gerou um catálogo.

De posse desse catálogo, você bolou uma forma de classificar flores que você nunca tinha visto antes (isto é, uma forma de predizer as espécies das plantas). O esquema era bem simples. Você definiu alguns atributos das plantas (comprimento e largura das pétalas) e comparou com os atributos dos exemplos do seu catálogo.

Sua hipótese é de que pétalas parecidas devem ter vindo de plantas da mesma espécie. Assim, ao achar a pétala do catálogo que é mais parecida com a sua nova pétala, você pode dizer que elas são da mesma espécie.

Falta discutir pontos importantes, mas para um dia de campo já está mais do que o suficiente. A reflexão mais importante é a seguinte:

O que é aprender? Digo, você aprendeu a identificar as espécies das plantas? Ou você só está consultando um catálogo?

Note que, uma máquina pode facilmente consultar um catálogo. Então se consultar é aprender… temos um Aprendizado de Máquina!

O Campo

Eu tive a oportunidade de visitar um “campo” desses. Ele fica literalmente no meio do prédio do Departamento de Computação da UFSCar, São Carlos. Felizmente, eu tinha uma câmera comigo, e ainda aproveitei para fazer algumas medições.

Você teria tomado alguma decisão muito diferente do que eu descrevi? Deixe um comentário!

[DISCLAIMER]

A situação descrita nesse post é um experimento mental. Não vá vandalizar a plantação das outras pessoas, nem ficar achando que pessoas que fazem biologia vão te salvar em toda ideia maluca que você tiver. Nenhuma flor foi ferida durante a escrita desse post.

--

--