Fui “sequestrada” e me encontrei

O Poder Popular Ceará
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3 min readSep 15, 2021

Por Edivania Vieira, Cientista Social (UECE), militante do PCB e do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro

Faz dez dias que recebi uma ligação perguntando quais meus planos para o final de semana de 11 e 12 de setembro de 2021. Falei que pretendia estudar, participar de uma reunião da vida militante, e foi aí que recebi o seguinte intimado “vamos passar ai, sábado às 13h e te sequestrar!”, “prepare uma bolsa com biquíni e o básico, pois só voltaremos domingo depois do almoço!”. O “sequestro”, na verdade se tratava de um presente surpresa de formatura arquitetado por um grupo de amigas que iniciaram uma relação de amizade na graduação de ciências sócias na UNIFOR há 15 anos.

Elas, todas formadas, e eu procrastinando este momento por vários motivos, dentre eles, uma depressão (hoje em alta médica), trabalhos, vida militante, e por aí vai uma infinidade de auto boicotes associada às já duras vivências cotidianas da sociedade dividida em classes.

Fui levada ao paraíso: curtimos o pôr do sol em Flexeiras, com uma mistura de cores em tons amarelos, mostarda, nuvens brancas e o reflexo azul do mar. Nesse abraço coletivo, agradecemos a oportunidade de estarmos juntas novamente. E no duro contexto pandêmico, em que muitos se foram, nós estávamos ali… novamente juntas, vacinadas.

Tivemos muitas superações, mesmo com as dificuldade da conjuntura imposta pela Covid-19, o desgoverno de Bolsonaro e o capitalismo. Os momentos foram todos assim, mágicos com trocas de elogios, cuidados, risadas, atualização das vidas e planos futuros uma das outras e reflexões…

Ah… esse sim foi o momento do meu reencontro! Aliás, está sendo, pois o dito sequestro, ou melhor, ‘resgate’, ‘respiro’, traz consigo um poder simbólico de demonstração de amor e recebimento de cuidados.

Elas festejam e comemoram minha formatura, mas, na minha cabeça, nada mudou, pois sigo desempregada, em uma situação de marginalidade social, com a diferença que agora tenho título de bacharel em ciências sociais pela UECE.

Entretanto, quando falo que esse momento teve poder simbólico, refiro ao fato de ter percebido como minhas amigas se preocupam mais comigo do que eu mesma, como elas lutaram para que eu não desistisse de meu curso, visto que por anos faltava apenas a monografia, e como elas comemoram essa formatura sem que eu sequer tenha conseguido ainda ir atrás de saber quando receberei o tal diploma. Percebi como cuido e tento ajudar as pessoas e pouco faço por mim.

Tudo isso foi importante questionamento de se é possível colaborarmos com a construção de coletivos esquecendo o individual. É possível trabalhar para construir o poder popular anulando as necessidades individuais? Como eu posso me relacionar na sociedade coletiva, sem me relacionar comigo mesma?

Por fim, quando digo que me encontrei perante o “sequestro” de minhas amigas, se isso tem uma dose de exagero, também mostra como estou no caminho para buscas do eu e minha subjetividade, e sei que será uma longa estrada, mas também sei que posso contar com o amor do nosso *quinteto fantástico* (nome fantasia do nosso grupo de amigas).

Yara, você esteve conosco o tempo todo. Gratidão!

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Página da sucursal do jornal O Poder Popular no Ceará, um jornal a serviço das lutas populares e do socialismo.