O caso Liliane Amorim e a indústria da “beleza”

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4 min readJan 26, 2021

Por Ana Karolina Maia, estudante de Letras (UECE), militante da União da Juventude Comunista (UJC) e do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro (CFCAM)

Liliane Amorim, de apenas 26 anos, morreu após sofrer complicações em seu procedimento de lipoaspiração. A influenciadora estava desde o dia 17 de janeiro lutando contra as complicações que surgiram da cirurgia, mas infelizmente, neste domingo (24), ela não resistiu. Lamentavelmente, este não é o primeiro caso. Outro exemplo ocorreu no mês de dezembro de 2020, quando a modelo mexicana Joselyn Cano veio a óbito após cirurgia plástica nas nádegas. Os dois casos apresentados não são os únicos e nem serão os últimos porque, no que diz respeito a nossa realidade, o Brasil é o país que mais realiza cirurgias plásticas no mundo. O percentual foi apresentado pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), em dezembro de 2019.

À medida em que as mulheres se inserem em espaços de trabalho e numa rotina sociocultural, a indústria da beleza vem sendo utilizada como reação fundamental para a negação da liberdade física e psicológica feminina. Os distúrbios alimentares afetavam 10% dos jovens em 2020, de acordo com a OMS, numa reportagem da Folha Vitória. O mesmo jornal se encarregou de apresentar, em setembro de 2020, uma pesquisa que apontou a porcentagem alarmante de buscas relacionadas à anorexia, que teve aumento de 22% e de 50% para pesquisas relacionadas à bulimia; as de compulsão alimentar cresceram 22% em março, enquanto pesquisas sobre distúrbio alimentar subiram 84% em maio e junho. A busca por nutricionistas on-line cresceu 124% em junho. Esses dados nos apresentam como a relação do ser humano com a estética vem interferindo fortemente na sua qualidade de vida.

Nesses últimos anos, em favor da idealização de uma estética corporal inalcançável, a mulher vem sendo punida com dietas malucas, cirurgias plásticas de todos os tipos e produtos para rejuvenescimento. Todos esses fatores são responsáveis por potencializar uma romantização da fome, compulsão alimentar, jejuns a longuíssimos prazos, vômito induzido etc., junto de uma propaganda massiva em favor da utilização de cosméticos faciais e corporais. Então, para além de uma dupla jornada de trabalho — dedicando força de trabalho dentro e fora do ambiente doméstico — , as mulheres ainda enfrentam o terror psicológico causado pela castração de seus corpos.

Nos tornamos mártires de uma opressão comportamental que compromete não só a nossa impressão sobre nós mesmas, como também constrói uma somatória de “decisões” que podem ser até fatais para a nossa vida, como foi no caso da jovem influenciadora cearense . O capitalismo, enfim, configura a manutenção dessas formas de controle. Uma vez que as mulheres se organizam e derrubam uma parte da sua estrutura de poder, ele reage recuperando a parte que lhe foi tirada, sugando fragmentos de nós em favor do lucro.

Os corpos entendidos como femininos já são sentenciados desde muito cedo, pois o sistema capitalista e patriarcal nos determina um papel impossível: ter corpos que não temos, vestir aquilo que não precisamos, mudar aquilo que é naturalmente único em nós, ou seja, ser aquilo que não somos. E, por isso, Liliane Amorim é uma vítima dessa estrutura mercadológica e midiática, que faz do ódio sobre nós mesmas um alimento crucial para a sobrevivência do capitalismo. Em “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, Engels reverbera a noção de que existem excedentes lucrativos na mão de poucos, esses poucos determinam a sobrevivência do mundo capitalista, e esse sistema precisa garantir a manutenção desses excedentes. A indústria da beleza, portanto, excede o seu lucro, explorando a classe trabalhadora, ao levar a mulher a seguir a ordem social do esforço, a fim de se tornar aquilo que é convencionalmente considerado belo, consumindo conteúdos e produtos que a tornam refém de mais um tipo de violência, que perpassa por outras, hierarquizando o corpo branco, magérrimo e infantil. A questão que se coloca sobre nós, hoje, é: ao olharmos para nós mesmas, o que ou quem enxergamos?

O patriarcado anda sempre de mãos dadas com a estrutura de exploração capitalista, nos imputa valores físicos e morais, mutila e coisifica nossos corpos para que sejamos estáticas e para que estejamos sempre em aceitação, silêncio e negação das opressões que se asseguram na sociedade.

Referências:
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2019.

https://www.google.com.br/amp/s/hugogloss.uol.com.br/famosos/joselyn-cano-modelo-conhecida-como-kim-kardashian-mexicana-morre-aos-30-anos-apos-cirurgia-estetica/amp/

https://www.google.com.br/amp/s/amp.folhavitoria.com.br/saude/noticia/08/2020/oms-alerta-que-cerca-de-10-dos-jovens-brasileiros-sofrem-de-disturbios-alimentares

https://www.folhavitoria.com.br/saude/noticia/09/2020/estudo-aponta-aumento-de-transtorno-de-ansiedade-e-disturbios-alimentares-desde-marco

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