Bom demais

Gabriel Tarrão
opoetamefalou
Published in
4 min readMay 14, 2020

Há três meses, se conheceram numa festa de samba no Carmo.

Ele todo certinho. Camisa básica, bermuda bege. Pouco habituado a frequentar o centro histórico da cidade, resolveu dar uma chance aos amigos alternativos da UFBA que o arrastaram para este samba.

Ela toda toda. Os cachos caindo nos ombros e o sorriso estampado no rosto. Roupas leves, passadeira no cabelo e o corpo bem marcado de tatuagens de belíssimo apelo estético. Mora na Federação, perto da faculdade e, como faz praticamente toda semana, foi ao Carmo curtir o samba com as amigas da pós-graduação que cursa na FACOM-UFBA.

Em meio às diferenças, se curtiram. Ficaram naquela noite e desde então a paixão só aumentou.

Nesse tempo, ele se apaixonou por Belchior e Emicida por influência dela. Ela, para sua própria surpresa, estava se envolvendo com o jeito pragmático de ser do seu recente contato apaixonado.

Em um mês, já dormiam vez ou outra um no apartamento do outro, dividiam fins de tarde no Porto da Barra e tinham oficializado o rolo não-oficial para os amigos próximos.

Num domingo, após o final de semana no apartamento dele, em Brotas, acordaram e foram tomar café na padaria da rua. Tiveram uma noite maravilhosa, de vinhos, conversas, carinhos e tesão.

Ao retornarem para casa, já ocupados vendo "Atlanta" (série preferida dela), na Netflix, ela pega o controle e pausa numa cena qualquer do Donald Glover.

"Eu recebi a resposta ontem da Universidade de Coimbra e fui aprovada para um curso de dois meses por lá." — ela falou, com tristeza na voz.

"Eu vou sentir saudade… tô curtindo muito o que a gente tem vivido. Tá tudo tão bom e eu tenho a sensação de já te conhecer há tanto tempo!" — ele respondeu, também com tristeza na voz.

"Eu também estou gostando muito de tudo isso, mas não quero que você fique preso pela minha necessidade de ir" — ela se assegurou.

"Mas eu acho que já estamos tão próximos… tão íntimos. Pode ser precipitado, mas eu te vejo como minha namorada. Nem havia pensado por esse lado…" — disse ele, todo empolgado e apaixonado.

Ela, também apaixonada, respondeu: "Que bom ouvir isso de você. Também tinha essa sensação e acho que estamos namorando então né?"

Sim. Eles estavam namorando.

Fiéis às suas crenças, partiram para os dois meses de distanciamento sem sair com outras pessoas. Ela em Coimbra, ele em Salvador.

Trocaram carícias virtuais, palavras de amor e afeto e o primeiro mês se passou.

Em uma noite de segunda-feira, ele resolveu fazer uma video-chamada para saber como estava a vida no frio português. Contou pra ela sobre as dificuldades que vinha enfrentando no trabalho e do quanto estava chateado com seu chefe. Ela falou pouco e se atentou mais em ouvir as lamúrias do seu recente namorado.

Depois de falas sobre rotina, ele resolveu se declarar. Falou do quanto estava com saudade e que a amava. Tinha até comprado mais quatro vinhos para quando ela voltasse de Portugal.

Ela, depois de algum pouco tempo, o interrompeu.

"Eu preciso te falar uma coisa" — falou em tom sério.

"Pode falar, amor" — ele respondeu, sem desconfiança.

Ela respirou fundo e disse: "O que vivemos nesses três meses foi tão intenso, tão bom e apaixonante. Eu me vi envolvida e feliz com tantos dias incríveis com você, mas ao chegar aqui em Coimbra eu reencontrei uma pessoa. Tivemos um rolo sério em Salvador há dois anos e ele se mudou para cá por conta do trabalho e agora, por acaso, nos reencontramos num bar da cidade. Eu não sei te dizer o porquê, mas eu preciso viver esse amor de novo. Ainda não tivemos nada. Antes de qualquer coisa, eu queria ser justa com você e terminar de uma forma digna a história linda que construímos nesse pouco tempo".

silêncio.

Ele não sabia o que falar.

Nos segundos que sucederam essa fala, ela continuou explicando a sua história com o tal outro cara, mas ele já não ouvia mais nada. Estava em choque. Pensava que ela não havia sido justa. Pensava no quanto estava apaixonado. Lembrou dos quatro vinhos que havia encomendado mais cedo.

Abraçado com o seu lado mais infantil, apenas desligou a chamada de vídeo.

Se perguntou porque as coisas tinham que ser assim. Xingou, gritou, bradou e chorou. A essa altura, já estava bebendo as novas garrafas de vinho.

Desligou o celular para não ver as mensagens e dormiu abraçado com sua própria frustração.

O amor… ele é bom demais pra ser verdade.

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