“Sessão de Terapia”: uma breve análise da paciente Chiara.

Juliana R. B. Rodrigues Gregio
opsicoapp
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4 min readJul 19, 2020

ATENÇÃO: Antes de prosseguir, esta análise contém spoilers!

Uma série que a gente não pode fugir de assistir - igual a gente foge da terapia - é Sessão de Terapia (disponível na íntegra no Globoplay).

Como o próprio diretor, Selton Mello, a descreveu:

“É a coisa mais potente, urgente e necessária do ponto de vista humano que já tive a oportunidade de me debruçar nos últimos tempos.”

Uma obra de sensibilidade rara, com sua porção de generosidade e uma afetividade inteligente, que traz mais perguntas do que respostas e nos mostra um retrato nu da nossa própria existência - fora as emoções que nos suscita, com seus momentos de sutileza que ela provoca aos seus espectadores.

Como graduanda em Psicologia, em constante descoberta de quem sou e de quem o outro é, admiro a interpretação que é dada aos personagens. De maneira geral, a série descreve a verdadeira essência do processo terapêutico, pois muitas coisas são consideradas terapêuticas, mas não são psicoterapia.

Como bem descreve Elison Santos:

“Ser psicólogo é poder caminhar pelos vales escuros onde ninguém que ir e convidar os que por lá se perderam a desfrutar da alegria dos dias ensolarados.”

Aqui, gostaria de falar um pouco sobre o episódio da paciente Chiara (Episódio 1, Temporada 4), uma comediante famosa que nega o diagnóstico de depressão e vive escondida atrás de sua persona pública.

Para Carl Jung, pai da Psicologia Analítica, persona é a máscara que utilizamos para nos apresentar ao mundo ao longo de nossa vida, de acordo com o nosso desenvolvimento e a cultura em que estamos inseridos.

A persona seria, então, o canal de expressão de nossa individualidade que também é muito útil à adaptação social e no relacionamento com as outras pessoas. Porém, ela pode se tornar inadequada quando, com o propósito de esconder a nossa sombra (que seria nossas características desagradáveis, nosso lado inferior e primitivo, ainda não desenvolvido), a empregamos de forma unilateral e rígida.

No caso da paciente Chiara, podemos notar uma onipotência e uma ilusão de independência absoluta, uma pessoa que se relaciona com o mundo acreditando possuir total completude. Porém, na verdade, é uma pessoa se encontra em estado de absoluta dependência, e, por não perceber ninguém, não reconhece a sua incompletude e as diferenças das pessoas de sua convivência.

Ao adentrar o consultório, ela já começa a falar bastante, ininterrupta. O psicólogo, Caio, intervém e diz que gostaria muito de ouvi-la, pois ela fala como Chiara, a atriz - como se estivesse no palco fazendo um esforço bem grande para entreter e divertir, agradar; como se Caio fosse uma plateia. Ele lhe diz que está interessado em conhecer a Joana (o nome real de Chiara), que marcou a sessão.

Durante todo o episódio, Caio se mostra assertivo e pontual. Por exemplo, pergunta à paciente de “quem” ela estaria cansada, ou então quando menciona a história do “médico e o monstro”, metaforizando a situação da paciente com a personagem que ela criou.

É possível notar nesta paciente um funcionamento narcisista, típico de sujeitos que querem sempre corresponder à ideais e expectativas vindas dos pais e da sociedade, e possuem uma autoestima muito vulnerável, carregando sentimentos de fracasso e humilhação. Estas pessoas carregam uma grande necessidade de reconhecimento e admiração do outro, e buscam pessoas que possam sempre reforçar a sua ilusão narcísica de completude.

Durante o episódio, lembrei-me da história que minha avó contava sobre o Mito de Narciso.

Ela contava que Narciso, ao se inclinar para beber água num lago, viu sua imagem refletida e apaixonou-se, sem saber que aquela imagem era a sua refletida. Ele então permaneceu ali até o seu definhamento, encantado demais consigo mesmo para sair.

O mito de Narciso trata da efemeridade da beleza e das sensações aliadas à ela: o vazio, a solidão, o reflexo, o engano, a inveja e a morte. Os mitos foram criados pelos gregos para dar expressão a aquilo que viviam e sentiam, para expor sentimentos que não compreendiam.

Jung, que também foi contribuidor do aprofundamento da mitologia moderna, através de sua teoria do inconsciente coletivo, concluiu que havia em nós uma espécie de arquivo com o depósito da história da humanidade, o qual ele chamou de arquétipos — espécie de impressões arcaicas, que estão presentes nos mitos e na literatura universal, e que se manifestam por meio de uma imagem arquetípica ou se evidencia nos comportamentos externos.

No caso da Chiara, seu arquétipo seria relacionado ao mito do Narciso. Isso se torna evidente, por exemplo, em momentos em que ela se comporta como Chiara, a atriz, e não Joana.

A discussão sobre o perfil psicológico de Chiara poderia ir longe, mas vamos parar por aqui por enquanto!

Aproveite este momento, em que fomos compulsoriamente levados a permanecer em casa, para assistir este seriado que nos convida a fazer terapia e a ter um diálogo sincero com nós mesmos.

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