The Last of Us Part 2: uma visão da vingança pela Análise do Comportamento

Raquel Nascif
opsicoapp
Published in
5 min readJul 26, 2020

ATENÇÃO: Antes de prosseguir, esta análise contém spoilers de The Last of Us e The Last of Us Part 2!

Um mundo quase pós-apocalíptico, causado por um fungo cuja cura ainda é desconhecida, e no qual as pessoas vivem em uma eterna quarentena.

Parece um pouco familiar, né? Bom, essa é a história de The Last of Us Part 2.

Este jogo, lançado em junho deste ano e meio a um cenário de isolamento social mundial, não diz respeito apenas à violência por si só, mas sim de uma história de vingança.

À medida que a pessoa vai jogando, emergem diversos temas profundos: é uma história de obsessão — de quando é a hora de deixar para lá e quando é a hora de aguentar a qualquer custo; é uma história de trauma e empatia; de amor e de ódio. É um trama que demonstra que as consequências das escolhas feitas pela personagem não afetam somente ela, mas também seus entes queridos.

No início do jogo, situado cinco anos após os acontecimentos do primeiro (que são prontamente retomados pela narração de Joel à seu irmão, Tommy), somos introduzidos à nova vida de Ellie em Jackson.

Temos vislumbres de sua atual relação com Joel, afetada pela decisão deste de retirá-la do centro cirúrgico contra sua vontade e, consequentemente, impedir a criação de uma vacina para o fungo que infectou o país inteiro. Apesar disto, ele ainda tem um papel importante em sua vida, como nos é mostrado por meio de cenas que retratam a interação dos dois (como a que Joel lhe canta uma música e lhe promete ensinar a tocar violão) e de seu contato com outros personagens próximos de ambos.

A história de vingança, de fato, começa quando Joel é atacado por um grupo de ex-Vagalumes (um grupo de milícia de Seattle) e o vemos ser brutalmente morto por Abby (uma garota a qual Joel e Tommy salvam de um ataque de infectados) — tudo isto pelo ponto de vista de Ellie, que se vê incapacitada de impedir sua morte.

Pode-se entender a morte de Joel como a perda de uma figura paterna para Ellie. Segundo Druckmann, diretor criativo do jogo:

“No primeiro jogo, quisemos contar uma história sobre o amor irracional e incondicional de um pai pelo filho. Essa é a sua essência, da onde vem a relação entre [os protagonistas] Joel e Ellie. Toda decisão que tomamos foi pra sustentar essa ideia. Já nesse segundo jogo, é um tema complementar que ainda envolve amor, relacionamentos.”

De um ponto de vista da Análise do Comportamento, esta perda gera alteração nas contingências de reforçamento vigentes na vida de Ellie, ou seja, exige adaptação de comportamentos antigos às novas condições impostas pelo ambiente em que ela está inserida (que agora possui a ausência de Joel). A esses novos comportamentos relacionados evento da perda, sejam eles públicos ou privados (como sentimentos e pensamentos), dá-se o nome de luto. De acordo com do Nascimento e outros (2015), o luto é:

“[…] um conjunto de respostas de interação com o meio, pode-se analisar essa contingência considerando o vínculo e a perda como estímulos antecedentes, as reações ao luto como comportamentos e o sofrer e a recuperação como consequência” (p. 449)

Além disso, pode-se assumir que há uma parcela de culpa carregada por Ellie em decorrência do distanciamento vivido em sua relação com Joel, que influencia na forma como ela reage à sua perda, assim como também o fato de ter presenciado a cena cruel e desumana.

Seguimos, então, Ellie em sua missão de vingar a morte de Joel. Para ela, a vingança é a única maneira de processar sua perda, fazendo com que sua visão seja em túnel — ou seja, focada em apenas um aspecto em detrimento de outros.

Dado a postura de Joel no primeiro jogo, após perder sua filha, pode-se entender que este comportamento de Ellie espelha-se bastante no que ela observou e aprendeu com ele durante sua jornada cinco anos antes. Assim como ele, ela também torna-se uma assassina impiedosa, justificando as mortes (meios) com seu desejo de infligir dor naqueles que lhe causaram o mesmo (fim).

Além disso, vemos que outros personagens a incentivam, e até mesmo a acompanham em sua jornada e busca por vingança. Ou seja, o ambiente social em que Ellie está inserida reforça este tipo de comportamento.

Ellie quer punir Abby pela dor da sua perda.

Para Skinner, a punição é um procedimento definido pela apresentação de um estímulo reforçador negativo (algo aversivo ao indivíduo; e.g. agressão física) ou pela retirada de um reforçador positivo (algo benéfico para o indivíduo; e.g. livre-arbítrio), com o objetivo de eliminar um determinado comportamento considerado indesejado.

Entretanto, a punição não é uma medida eficaz para a extinção completa do comportamento alvo, uma vez que fortalece respostas alternativas, chamadas de “competitivas”, de fuga e esquiva do problema.

“Se o efeito da punição fosse simplesmente o inverso do efeito do reforço, grande parte do comportamento poderia ser facilmente explicada; entretanto, quando o comportamento é punido, vários estímulos gerados pelo comportamento ou pela ocasião são condicionados no padrão respondente e o comportamento punido é então deslocado por comportamento incompatível condicionado como fuga ou esquiva. Uma pessoa punida continua ‘inclinada’ a comportar-se da forma punível, mas ela evita a punição fazendo alguma outra coisa (SKINNER, 1974/1976, p. 69).”

Ellie então começa a matar os amigos de Abby a fim de chegar até ela. Por sua vez, Abby — ao se deparar com os corpos de seus colegas deixados atrás por Ellie — sai em busca desta e mata seus amigos. Inicia-se, assim, um ciclo de ódio, no qual há muitas perdas e poucos ganhos.

Diferentemente do primeiro jogo, no qual grande parte da história era jogada através de Joel, nesta sequência o gameplay é compartilhado entre Ellie e Abby. Conhecemos Abby de forma abrupta, sem conhecimento prévio algum sobre quem ela vem a ser e qual sua história. Desta forma, portanto, torna-se difícil empatizar com seus motivos, ainda mais quando estes são desconhecidos.

Como jogadores, facilmente tomamos a visão de Ellie como a correta, uma vez que esta foi construída desde o primeiro jogo. É apenas quando somos colocados no controle de Abby que notamos que este ciclo de ódio gera perdas para esta personagem tão importantes quanto as de Ellie.

Porém, como apontado anteriormente, a punição não é uma ferramenta eficaz. E podemos ver isto nas cenas finais do jogo, quando Ellie está prestes a matar Abby, mas desiste antes de seu golpe fatal. Nos é mostrado, então, um flashback de quando Ellie promete a Joel que tentará perdoá-lo pelo acontecimento no centro cirúrgico, mesmo que não tenha certeza de que algum dia conseguirá.

Neste momento, Ellie percebe que Joel se foi completamente, e matar Abby não vai mudar isso, não trará-lo de volta. Matá-la significaria que ela está se tornando o que ela pretendia matar. A vingança só lhe causou mais dor e perda.

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